Roger Schmidt chega ao Benfica após uma época difícil. Vinha da Eredivisie, uma liga diferente da nossa naquilo que são os padrões ofensivos da liga e sobretudo ao nível dos processos defensivos. Os desafios para o treinador alemão eram de várias ordens, a começar pela língua, passando pela adaptação às ideias de jogo dos treinadores na Liga Bwin, até à intensidade dos jogos mais competitivos (dentro e fora do campo).

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Acompanho a carreira de Roger Schimdt há alguns anos, pela verticalidade ofensiva do seu jogo em estreita conexão com os princípios de "counter pressing" e pela capacidade das equipas pressionarem alto e de forma compacta, com bons princípios de desdobramento do bloco no campo todo (de baixo para alto sobretudo). A proposta de jogo do treinador encaixou bem nos jogadores do plantel e estas ideias tornaram o Benfica uma equipa vertical e dominante defensivamente, com princípios claros de reação à perda, sendo eficaz a jogar em organização ou transição. A proximidade ofensiva permite à equipa uma reação à perda eficaz. Em termos defensivos o Benfica revelou-se uma equipa compacta no campo todo. Com um sistema base 4-4-2, as distâncias curtas entre setores, as relações entre jogadores com e sem bola deram solidez à equipa, porque os jogadores do plantel não têm um perfil que lhe permita render com a equipa partida.

Ao longo de 2022/2023 o treinador revelou uma postura equilibrada, integrando-se bem na nossa cultura desportiva, numa relação que considero positiva com os outros Clubes e treinadores. Adaptou-se bem ao jogador português e reflexo disso foi a relação que estabeleceu com os seus jogadores.

Em termos da gestão do jogo, Roger Schmidt foi um treinador que definiu a equipa base e procurou ao longo de toda a época ter 3 a 4 jogadores de suporte ao 11 inicial. Nesta gestão parece-me ter tido uma postura justa com os jogadores tendo em conta as integrações dos menos utilizados, dando continuidade aos mesmos quando o rendimento o justificou. Como treinador entendo que o técnico deve seguir o que o seu perfil determina, decidindo dentro desse plano para procurar soluções que respondam ao que o momento pede. Nesta perspetiva, o Roger Schmidt pareceu-me coerente entre as suas ideias e as decisões tomadas. Tendo trabalhado no estrangeiro, sei da dificuldade de adaptação à vida, ao perfil dos jogadores e às competições, pelo que me parece que o treinador do Benfica atingiu os objetivos neste aspeto particular.

Num momento de transição do Clube (após a mudança na presidência), com bom suporte do Presidente Rui Costa, Roger Schmidt integrou-se bem no projeto do Benfica e revelou coragem a lançar os jogadores da formação de forma progressiva dando à consistência / sustentabilidade na transição para equipa principal, acrescentando valor ao processo.

32.ª J: Portimonense-SL Benfica 22/23
32.ª J: Portimonense-SL Benfica 22/23 Jogadores do Benfica festejam o primeiro golo. FILIPE FARINHA/LUSA créditos: LUSA

Análise do plantel

O plantel vinha duma época 2021/2022 em que os quartos de final da Champions foram o ponto alto. 2 treinadores, resultados irregulares na liga, numa época atípica, pediam estabilidade, coesão e abordagens de mercado assertivas.

Ao longo da época a opção por um 11 base com 4 a 5 alternativas mais regulares foi-se revelando positiva. É natural que em momentos menos bons, como durante o mês de abril se questione tudo, no entanto a coerência manteve-se, a equipa esteve unida nos momentos menos bons e conseguiu ultrapassar as fases menos boas da época.

De destacar a adaptação rápida de Fredrik Aursnes ao que o treinador pretendia para ele. A jogar em 4-4-2 revelou versatilidade, intensidade, decisão e qualidade técnica tanto nos momentos de pressão alta, como a equilibrar o espaço interior. Ofensivamente revelou-se um jogador capaz de jogar o que as situações foram pedindo e foi o melhor reforço desta época.

Outro dos fatores fundamentais de sucesso desta época foi a relação entre jogadores mas velhos (Vlachodimos, Otamendi, Grimaldo, João Mário, Rafa, Chiquinho, Gilberto, Lucas Veríssimo, …) e mais novos. Uns pela qualidade / estabilidade de rendimento e os mais novos pela capacidade que revelaram de render sob pressão (expetativa) emprestando à equipa uma energia adicional (António Silva, Gonçalo Ramos, Morato e João Neves). Florentino, Bah e Neres tiveram também um papel fundamental ao longo da época.

Noutro âmbito houve um conjunto de jogadores que deram boas soluções à equipa e renderam quando foram chamados, que são os casos de Gilberto, Morato, João Neves, Musa e Gonçalo Guedes (lesão impediu um papel mas ativo).

Um dos fatores determinantes na gestão do plantel foi a resolução das situações dos jogadores que dificilmente teriam espaço para jogar, reduzindo a probabilidade de insatisfação por menor utilização. Decisões que estiveram em linha com as opções de gestão do grupo. Os empréstimos de Henrique Araújo, Julien Weigl, entre outros e as transferências de Vertonghen, Diogo Gonçalves e Rodrigo Pinho provavelmente tiveram um efeito positivo nas dinâmicas e gestão do grupo, pelo menos na minha perspetiva de observador externo.

A curiosidade para 2023/2024 será a de percebermos como substituir os jogadores que têm mais mercado e qual será o rendimento de Cher Ndour a par dos nórdicos Andreas Schjelderup e Casper Tengstedt.

Concluindo, percebemos durante a época os papéis diferentes que cada jogador foi tendo no grupo, dentro e fora do campo. Nas equipas todos são importantes e apesar de termos visto jogadores menos utilizados, fomos verificando que havia um papel para eles determinado pelo treinador. A Roger Schmidt, líder do grupo, couberam as decisões difíceis, tendo decidido consoante a sua perceção dos momentos, enquadrado os diferentes fatores, na procura de dar o melhor à equipa consoante o que o momento está a pedir. Esta foi a minha perceção sobre a gestão do grupo.

Rendimento da equipa

Nesta época um aspeto foi evidente duma perspetiva técnica: Foi determinante a confiança gerada por uma proposta de jogo que conseguiu conjugar o melhor das características dos jogadores. Esta simbiose afirmou-se nos resultados desde a pré-eliminatória da Champions até à entrada na liga. A pausa para o Mundial afetou (tal como quase todos as equipas líderes das ligas na Europa) esta série longa de resultados positivos, porque, naturalmente, as melhores equipas dão mais jogadores às seleções e o Benfica é um exemplo disso.

Neste período, dependendo da utilização nas seleções, os jogadores poderão perder competição e em muitos casos rotinas. Nesta altura houve outro desafio que foi a influência negativa da situação / transferência de Enzo, que forçou a equipa a encontrar novas soluções numa fase difícil, em termos da qualidade de jogo, com a derrota (3-0) em Braga para a Liga. Chiquinho acaba por ser um dos jogadores chave da época porque sustenta um momento de transição criando uma boa ligação com Florentino.

Apesar da rotatividade ser pouco frequente, alguns jogadores foram dando soluções interessantes após momentos críticos (pós-Mundial por exemplo), como foram os casos de Chiquinho com um papel diferente do que teve na carreira, David Neres em alguns jogos do início da época e nesta fase final, sem esquecer a dinâmica / energia que João Neves conferiu na ligação entre setores numa fase decisiva duma época que já vai longa e densa, tendo em conta o percurso na Liga dos Campeões desde a 3ª pré eliminatória (1º jogo a 2 de agosto) até aos quartos de final (último jogo a 19 de abril), passando pelo percurso na liga.

Nesta fase final há um momento crítico de recuperação da confiança durante a 2.ª mão dos quartos de final em Milão (3-3 depois de estar a perder 3-1), após 3 derrotas consecutivas que afetaram a equipa numa das poucas fases difíceis da época (3 derrotas em abril no pós-data FIFA). Uma época muito positiva do Benfica com consistência de resultados, aliada à proposta de jogo que gerou confiança durante a maior parte da época.

Relativamente à Taça de Portugal, há a eliminação em Braga, num jogo atípico nos penaltis, contra uma equipa que tem feito uma época de excelência. Na minha análise o Benfica conseguiu manter-se em todas as competições até às fases de decisão com qualidade. A liga está ganha e o Benfica mereceu. Parafraseando o Mestre Vitor Oliveira, do qual sou admirador, “ganha quem marca e por isso merece”, e o Benfica mereceu ser 1º.