Longas 38 jornadas depois, temos campeão em Inglaterra. Não é propriamente uma novidade, porque é exatamente o mesmo da época passada. O Manchester City revalidou o cetro maior do futebol inglês, numa última ronda de imenso sofrimento e que nos fez recuar uma década no tempo, com a recordação das imagens da festa louca do Kun Agüero, depois de fazer o 3-2 decisivo ao QPR e oferecer, à época, o terceiro título do principal campeonato do país.

10 anos depois, chegou a oitava conquista em termos históricos para os “citizens”, a quarta em seis temporadas de Pep Guardiola ao leme do emblema de Manchester. O treinador catalão agarra-se à «prova mais difícil de ganhar» (palavras do próprio Pep) para perpetuar a aura de técnico vencedor e é um facto que o trajeto na Premier League tem sido bem sucedido – pela terceira vez, conseguiu superar o registo dos 90 pontos em 38 jornadas. Mas o filme da quarta conquista teve um final de contornos épicos, numa sequência de eventos que quase arrastavam o City para um patamar de ausência de troféus em 2021/2022.

Os «sky blues» partiram para a 38ª partida da Premiership com 90 pontos, apenas mais um do que o Liverpool. O empate na ronda anterior frente ao West Ham acalentou as esperanças dos «reds», que mesmo com um número elevado de poupanças, conseguiram uma importante vitória em Southampton para deixar a diferença nesse simbólico ponto à partida para o dia decisivo. Para o Man. City, restava a receção ao Aston Villa de Steven Gerrard, ícone e lenda durante décadas a fio em Anfield, enquanto a equipa de Jurgen Klopp tinha a tarefa de derrotar (resultado obrigatório) o Wolverhampton de Bruno Lage.

Tanto os «villains» como os «wolves» já tinham a história escrita na prova, mas sabemos como jogar sem a pressão dos resultados, pode até servir para que as equipas atuem de forma mais descomplexada. Nem foi tanto o caso: Aston Villa e Wolverhampton entraram em campo como se também estivessem a discutir um título no último domingo. Posturas personalizadas, com foco na ação defensiva (para limitar a criatividade e pujança de duas das melhores equipas da atualidade), mas lição estudada para potenciar saídas rápidas e enérgicas nas costas das desesperadas defesas dos candidatos ao título.

A primeira formação a espetar uma seta no coração da luta pela Premier League foi o Wolverhampton. Jiménez atacou com precisão as costas de Konaté (como se notou a ausência no onze do patrão van Dijk, num jogo de caráter decisivo) e serviu Pedro Neto para o 1-0, logo ao terceiro minuto. Foi o pontapé de saída para uma tarde de loucura entre duas cidades. A resposta do Liverpool, pautada pelo genial Thiago, não se fez esperar demasiado tempo: passe de calcanhar para a desmarcação de Sadio Mané, que bateu de forma concludente José Sá. 1-1, com 24 minutos – e mais cedo, podia ter chegado esse empate, mas a pontaria tinha estado em falta.

Em Manchester, o nulo ia-se arrastando, com domínio lógico e natural do City a ser perturbado pela ansiedade em querer chegar ao golo, pela postura organizada do Villa e por um surpreendente golo a oito minutos do intervalo: de um lateral para o companheiro do lado oposto, Lucas Digne a servir Matty Cash para a festa… em Anfield. Ainda assim, com a igualdade entre os de Klopp e os de Lage, mantinha-se o Manchester City em vantagem na luta que mais importava.

O resultado que se arrastou por demasiado tempo e a loucura no Etihad

Para a segunda parte do jogo entre City e Aston Villa, estava reservado o período mais épico da época inglesa. Guardiola apostou em Zinchenko para melhorar a qualidade nas ligações ao ataque e no cruzamento, mas o campeão 20/21 continuava com dificuldades em marcar. E quem aproveitou, num plano estilo «cavalo de Troia» à moda de Liverpool, foi um antigo jogador dos «reds»: Philippe Coutinho. O brasileiro surgiu no sítio certo para marcar o 2-0, aproveitando os desequilíbrios defensivos da formação «citizen». As bancadas agitaram-se. Em Anfield, pois claro.

Exatamente no minuto anterior ao segundo tento dos «villains», Guardiola optou por uma troca que podia parecer estranha: Bernardo Silva deu lugar a Gündoğan. O catalão contava com a capacidade de rutura em zona de remate do germânico para agitar as águas e a estratégia, mesmo com o golpe de Coutinho, acabou por ser uma chave para o sucesso. Entre o minuto 76 e o 81, correram sensivelmente 300 segundos da mais pura emoção. Gündoğan reduzia para 2-1, a passe de Sterling e despertou finalmente um Etihad adormecido e sofrido. Dois minutos passaram até Zinchenko encontrar Rodri. O espanhol rematou colocado e agora sim a casa «citizen» entrava em modo vulcânico.

Em Liverpool, aumentavam os ares de preocupação, ainda que bastasse um golo para a turma de Klopp festejar o regresso aos títulos na Premier, duas épocas depois. O finalista da Champions esbarrava insistentemente na muralha defensiva de Lage e o Wolverhampton ia encontrando alguma margem para criar sustos em contra-ataque. Os golos tardavam a aparecer, mas não em Manchester: a fechar o tal quinteto de minutos de sonho, Kevin De Bruyne servia um passe brilhante para o segundo poste, com Ilkay Gündoğan a corresponder da melhor maneira e a bisar na partida. Estava confirmado o estatuto de herói para o alemão, qual Kun em 2012.

A euforia que se seguiu aos golos do Aston Villa virou depressão em Anfield. Salah e Robertson ainda faturaram e deram justiça ao claro domínio do Liverpool, mas os golos nem sequer foram festejados com o êxtase esperado. O efeito Gündoğan foi devastador e apesar de uma informação incorreta que há de ter corrido pelas bancadas ao minuto 85 (viram-se adeptos do clube do Merseyside a festejar por instantes, já com o City na frente), os jogos correram até ao respetivo apito final sem agitação de maior. Dentro de campo, porque nas bancadas do Etihad já se preparava a invasão, que veio a suceder assim que Michael Oliver apitou pela última vez.

O Manchester City voltou a fazer sofrer os adeptos na derradeira jornada, mas ao contrário de 2012 ou 2019, em que o adversário direto chegou a estar em vantagem na tabela classificativa por breves instantes, desta feita o líder nunca mudou durante 90 minutos. Para os jogadores e adeptos do Liverpool, acabou por ser uma espécie de ilusão. A hipótese foi real, mas nunca chegou a ser palpável. Os de Guardiola viram a vida andar para trás, mas o primeiro lugar nunca lhes fugiu efetivamente do controlo.

No final, ganhou a equipa que numa fase decisiva da temporada, entre as jornadas 11 e 25, conseguiu somar 15 partidas seguidas sem conhecer o sabor da derrota. Sim, o Liverpool perdeu apenas por duas vezes e o City foi derrotado em três ocasiões. Sofreram o mesmo número de golos (26), mas os «sky blues» marcaram mais cinco golos (impressionantes 99 contra os 94 dos «reds»). Podia ter caído para qualquer lado? Completamente. Mas na hora do veredito final, o juiz Gündoğan foi implacável. Assim se resolvem campeonatos entre os melhores da história.