"No dia em que não me emocionar a ganhar corridas é o dia em que tenho que parar de correr". A frase é forte e sintetiza bem o que é uma vida dedicada desde sempre às motas e às corridas.
Pedro Bianchi Prata demonstrou, aos 49 anos, que ainda não perdeu a fome e continua a espalhar talento ao volante da sua Honda CRF 450L. Venceu, pela quarta vez na carreira, a Taça do Mundo de todo-o-terreno (FIM Bajas World Cup) na categoria de veteranos, ao ser segundo classificado na Baja nas areias do Dubai, a última prova da competição.
Numa prova de superação, o piloto conseguiu bater o adversário que liderava a classificação à partida. A este título também se juntou um lugar no pódio da classificação geral absoluta da FIM Bajas World Cup.
Entre as dunas da areia do deserto num terreno mais propício para os locais, a exigência da corrida obrigou a uma abordagem mais cautelosa, que valeu o título na classe.
"Acaba por ser o resultado de um ano de trabalho. Tivemos várias corridas: duas em Espanha, uma em Portugal, uma na Hungria, e depois a final para mim foi no Dubai", começa por dizer.
"Para nós, Europeus, esta prova é a mais difícil, 100% de areia, com muitas dunas, em que nós não estamos habituados. Eu ando nas dunas uma ou duas vezes por ano, e é muito diferente da realidade dos pilotos locais que treinam ali e conhecem bem o terreno. Da mesma maneira que quando eles vão à Europa nós temos vantagem. O piloto que foi campeão do mundo da geral, nas outras quatro provas nunca ficou à minha frente. Mas quando competiu em casa não tivemos a mínima hipótese", ressalva.
A dureza da prova acabou por dar sabor diferente ao triunfo no Mundial de veteranos. "É muito bonito andar nas dunas, mas é muito exigente. Mesmo para as motas e para o material é muito mais desgastante porque as temperaturas são mais elevadas e os motores sofrem muito mais. Mas eu gostei, fiz uma corrida cautelosa. Não arrisquei nada porque sabia que só precisava de terminar para ter os pontos suficientes para ganhar e ser campeão na minha classe. Foi o que eu fiz, sem arriscar, levei a mota até ao fim e consegui o objetivo", disse.
Os campeonatos são provas de regularidade. Mais do que saber ganhar, é preciso ser-se consistente. Ao longo do ano há momentos que se tornam especiais e abrem caminhos para novas conquistas. Foi o caso da Baja de Extremadura na zona de Badajoz.
"Foi a primeira prova do ano e ganhei a primeira especial à geral, e para mim teve um sabor especial. Com quase 50 anos ganhar a todos uma especial... foi talvez a prova mais dura do ano, estava muito calor, os pisos estavam muito estragados, tinham muita pedra, e eu ganhei. Soube-me muito bem", recorda.
Importa assim recordar o percurso do piloto que pegou numa mota pela primeira vez com oito anos de idade e que sonhou um dia participar no Rali Dakar.
"O meu pai deu-me mota e andávamos naqueles caminhos de terra. Lembro de me imaginar que estava no Dakar [Senegal], em cima da mota. Sonhava ser piloto de motas, era algo que eu gostava. Sempre tive amigos que corriam, e eu gostava das corridas deles. Acabou por ser uma coisa natural, eu com 17 anos fiz a minha primeira corrida, até comecei um bocado tarde, mas partir daí não parei", relembra.
Há conquistas que são especiais e ficam na memória. Em 1994, o piloto portuense vencia o seu título sénior, ainda com idade júnior, conquista que acabou por servir de incentivo para o percurso na modalidade.
"O meu primeiro campeonato nacional como sénior marcou-me muito. A equipa que eu corria era uma equipa de Matosinhos, onde estava o Miguel Farrajota na altura, e eles contrataram-me como sénior quando eu ainda tinha muito anos de júnior pela frente. Ganhei o primeiro campeonato em 1994 quando lutava com nomes que eu só via nas revistas, casos do Paulo Marques, o Jorge Silva, aqueles que eram os campeões na altura e eu nesse primeiro ano de sénior ganhei as corridas todas e isso marcou-me muito", diz.
Há duas formas para ver a vida: olhar para o copo meio-cheio ou meio vazio. Se em Portugal há muitos que se queixam da falta de apoios para as modalidades, Pedro Bianchi Prata está do outro lado da barricada. Alguns pódios no Dakar ou o percurso de Miguel Oliveira na MotoGP, são exemplo demonstrativos de que Portugal dá cartas no desporto motorizado.
Face à importância do futebol, que tal como eucalipto seca tudo à volta, "há um trabalho incrível" que tem sido feito e a opção nunca será "a de baixar os braços."
"É óbvio que temos que ter a noção que o nosso país é pequeno, não se vendem assim tantas motas, que possibilite que as marcas possam ajudar mais os pilotos."
"Nós temos pilotos excecionais, tivemos já vários pódios no Dakar, temos o Miguel Oliveira no MotoGP, no Enduro também já fomos campeões do mundo. A nossa federação, com os meios [disponíveis], tem feito um trabalho incrível", refere Pedro Bianchi Prata, não se mostrando revoltado ainda com o peso de outras modalidades.
"Não sou um revoltado, não me queixo de que não há apoios… eu tenho os pés na terra. Sabemos que dentro do desporto motorizado as marcas não conseguem apoiar mais e a minha preocupação foi sempre arranjar patrocinadores fora do desporto motorizado, e tive vários e bons. Mas Portugal vive mais à volta do futebol, da música, e os patrocínios vão mais para essas atividades. Mas continuo a lutar, sei que nós temos o nosso lugar, o desporto motorizado tem valor e vamos continuar a ter. Não podemos é baixar os braços", atira.
O Dakar, a mais longa prova de rali do mundo, marca qualquer piloto que nela participa e com o motociclista não foi exceção. São 12 participações no currículo, e a última foi precisamente na última edição, na classe SSV ao lado de Bruno Oliveira.
"Ao Dakar não se pensa só ir uma vez, é uma corrida única e viciante"
"As minhas aventuras no Dakar são as que marcam mais a minha carreira", refere Pedro Bianchi Prata, que descarta o regresso à mítica prova, pelo menos, enquanto piloto.
"Sou um apaixonado pelo Dakar, não procuro um projeto para ir de mota ao Dakar outra vez, mas sim em trabalho, se houver um piloto para tentar ajudar. Tenho duas participações nos SSV´s, o que também me deu um gozo especial. Já passou a época para, enquanto piloto, almejar por um bom resultado no Dakar, mas a prova vai sempre marcar a minha carreira", frisa.
Para além do papel de piloto, a escola de Bianchi Prata tem sido importante na formação das novas gerações, e isso tem resultados em novos campeões. Daí a importância de começar cedo nas motas, aliando a isso o "espírito de sacrifício e muita vontade em treinar."
"Tenho alunos desde os cinco anos de idade já loucos por motas, inclusivamente pela minha equipa já passaram muitos e bons pilotos. Dos que fizeram pódio no Dakar quase todos passaram pela minha equipa, e eu continuo a apostar em jovens. O campeão nacional de júnior de Bajas, a mota é da nossa equipa, porque acredito que se apostarmos nas camadas jovens, no futuro vamos ter campeões", assegura.
O tema da saúde mental tem tido uma importância crescente no desporto, e esse equilíbrio é fundamental para que se consigam resultados. Só quem é forte psicologicamente consegue resistir às intempéries e às pedras que vão aparecendo no caminho.
"Há pilotos que são muito rápidos, mas nunca vão ser campeões"
"Há pilotos que são muito rápidos, mas nunca vão ser campeões. Com a pressão não aguentam, ou vão ter uma queda, ou ficam muito nervosos e cometem erros. Um campeão tem que ser muito forte psicologicamente, tem que saber que quanto maior pressão mais terá que estar mais calmo, e na mota isso é muito importante. Os conselhos de alguém que está de fora e tem mais experiência são importantes, mas isso tem a ver com a pessoa e com a sua maneira de estar em geral, e é isso que o vai ajudar a ser campeão", disse.
Tal como em todas as modalidades, cada vez mais os atletas conseguem prolongar a sua carreira e Pedro Bianchi Prata é disso exemplo. Aos 49 anos, o piloto natural de Marco de Canavezes, não descura a preparação, até porque reconhece que a recuperação já não é tão rápida como há uns anos.
"Dantes não precisava de treinar tanto o físico para me sentir bem fisicamente. Agora tenho que estar muito mais atento, faço ginásio, bicicleta, corrida e, acima de tudo, ando muito mais de mota. E isso para mim isso é muito mais fácil, porque o meu dia a dia é andar de mota, com clientes, dar aulas, fazer passeios. Por isso eu nunca paro e isso permite-se manter a minha forma e estar bem fisicamente", garante.
32 anos redondos são os que leva Pedro Bianchi Prata em cima das motos. As vitórias são algo que ainda o emocionam, tendo somado mais um na Classe 3 FIM, no Mundial de Bajas. E enquanto for assim a vontade não irá abrandar.
"É o que eu gosto de fazer, é a minha paixão, não trocava por nada. No dia em que não me emocionar se ganhar corridas é o dia que eu tenho que parar de correr. Enquanto me der gozo e tiver vontade vou continuar", assegura.
"No dia em que não me emocionar se ganhar corridas é o dia que eu tenho que parar de correr"
Quando deixar, a nível competitivo, a vida do piloto, o nortenho irá continuar ligada à modalidade, seja como formador em cursos de todo o terreno ou como treinador. "Eu com a minha equipa estou sempre na competição, tenho pilotos a correr quase todos os fins de semana e acompanho-os como team-manager."
O piloto também vive um dos momentos mais felizes a nível pessoal. Foi pai, pela primeira vez, aos 49 anos. "É algo novo na minha vida e ser pai aos 49 anos, sempre tive o sonho e vai ser agora realizado", refere, não fazendo questão que o filho siga as suas pisadas no todo o terreno. "Vai ter que partir dele."
Com tantos títulos e objetivos assegurados é possível sonhar mais alto? Pedro Bianchi Prata demonstra que sim e esse passa por competir com uma mota elétrica no Campeonato do Mundo de Bajas.
"É um projeto que estou a desenvolver e a tentar arranjar apoios, para ser a primeira mota a fazer o campeonato inteiro. Não vai ser fácil, mas queria criar uma mota em parceria com a Honda e esse é o meu objetivo para 2024", revela.
A ambição a nível de títulos, também parece não esmorecer. E a conquista do campeonato de veteranos de Bajas foi disso exemplo.
"Foi bom porque já não tenho 20 anos. Sei que não vou ter muitos campeonatos pela frente e por isso conquistar um título aos 49 anos, ainda por cima um título de campeão do mundo é sempre especial, por isso vou tentar ganhá-lo no próximo ano", finaliza.
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