Faz esta quarta-feira, dia 12 de janeiro de 2022, dois anos do falecimento do piloto português Paulo Gonçalves, que morreu vítima de uma queda no Rali Dakar.

De acordo com a autópsia, a causa da morte foram lesões "graves na cabeça, pescoço e coluna". A queda do piloto português aconteceu numa reta em que os pilotos seguiam a alta velocidade, e em que, segundo o piloto australiano Toby Price (KTM), havia "uma lomba".

O piloto português foi encontrado "inconsciente e em paragem cardiorrespiratória". O óbito foi declarado já no hospital de Layla.

Toby Price foi o primeiro a chegar ao local do acidente de Paulo Gonçalves e foi também o primeiro a socorrer o piloto português. Na altura, através das redes sociais, o australiano explicou aquilo que viu. Foi o piloto da KTM que deu o alerta, recebeu as equipas médicas e ajudou a colocar o corpo de Paulo Gonçalves dentro do helicóptero.

"A etapa de ontem estava a começar bem, com um ótimo ritmo. O Paulo saiu cerca de 5 minutos antes de mim e o pior aconteceu. Passei por uma pequena duna, vi um piloto no chão e era o Paulo. Os piores pensamentos surgiram, porque eu sabia que era algo sério. Pedi ajuda o mais rápido possível e ajudei a colocá-lo de lado. Tentei pedir mais ajuda e chegou o Ctefan Svitko, que ajudou como pôde. Os médicos chegaram ao nosso lado e trabalharam o máximo que podiam. Ajudámos a descarregar equipamentos médicos e a guiar outros pilotos para fora daquela zona perigosa. Todos trabalhámos o máximo que pudemos, mas não havia nada que pudéssemos fazer. Ajudei a carregá-lo para o helicóptero, pois era a coisa certa a fazer. Eu fui o primeiro ao seu lado e queria ser o último a sair", escreveu Price.

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As reações

As reações não se fizeram esperar. O piloto Bernardo Vilar mostrou a sua consternação, lembrando que Paulo Gonçalves "era um piloto muito lutador, era um touro bravo e sempre hiper-preparado". Também o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, se perdeu em elogios ao malogrado piloto. "Paulo Gonçalves morreu a tentar alcançar o sonho de vencer uma das mais duras e perigosas provas de rally do mundo, na qual foi sempre um digníssimo representante de Portugal", disse.

O primeiro-ministro, António Costa, prometeu que o piloto português Paulo Gonçalves será lembrado como um "exemplo de ética, altruísmo e sã competição", enquanto o presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Fernando Gomes, referiu que "o desporto português perdeu um dos seus maiores atletas", lembrando que “Paulo Gonçalves foi sempre um símbolo de talento, vocação, persistência e coragem".

Também Miguel Oliveira, piloto português que participa no MotoGP mostrou a sua tristeza com a morte do piloto.

"Paulo, deixaste uma marca profunda na vida de quem teve o privilégio de se cruzar contigo. A tua coragem e valentia são exemplo para todos nós", escreveu numa publicação no seu facebook oficial.

Já o Benfica, clube do coração de Paulo Gonçalves, destacou que o piloto português "era um dos mais credenciados pilotos portugueses de sempre, tendo-se sagrado campeão do mundo Rally Cross em 2015. Foi parceiro do Sport Lisboa e Benfica em vários anos e sentia grande orgulho em ostentar a águia no equipamento de motard, nomeadamente no capacete, durante as provas sobre duas rodas."

À chegada do corpo ao nosso país, gravadas na memória ficam as impressionantes imagens do cortejo fúnebre, acompanhado por cerca de uma centena ‘motards’, rumo a Esposende. Amigos e conhecidos do malogrado piloto quiseram prestar-lhe uma homenagem e acompanhá-lo, de mota, na sua última viagem.

A vida do 'Speedy'

Paulo Gonçalves era um dos principais embaixadores portugueses no motociclismo, graças, sobretudo, ao título mundial de ralis cross-country conquistado em 2013 e ao segundo lugar no Dakar2015.

A paixão pelas motas nasceu desde cedo, nas traseiras situadas junto da oficina do pai. O talento foi rapidamente reconhecido e daí às primeiras corridas de motocrosse foi um pequeno passo.

Foi no motocrosse e no supercrosse que conheceu os primeiros sucessos, com vários títulos nacionais conquistados, sobretudo frente àquele que foi, na altura, um dos principais rivais, Joaquim Rodrigues Jr., que haveria de se tornar seu cunhado.

A rapidez valeu-lhe a alcunha de "Speedy" Gonçalves, que haveria de se tornar a sua imagem de marca, à semelhança dos desenhos animados de "Speedy González".

No início da década de 2000, acumulou o motocrosse com o enduro, onde conquistou quatro títulos na categoria e um absoluto.

Apesar da baixa estatura (1.68 metros) comparado com os adversários, compensava com a agilidade e capacidade atlética.

A vinda do Rali Dakar para Portugal, em 2006, levou à passagem para as grandes maratonas de todo-o-terreno. Aquela primeira edição do Lisboa-Dakar 2006 mostrou a fibra e tenacidade reconhecida ao piloto português.

Uma queda logo na primeira etapa em Marrocos danificou bastante a mota, passou grande parte da madrugada a tentar segurar as peças em cima da mota para conseguir chegar ao acampamento. "Vim com a mota presa por fitas plásticas e fita adesiva", contaria mais tarde.

Nesses dois anos em que a prova passou por território português, os resultados não foram brilhantes (25.º e 23.º), mas o gosto pelas provas de todo-o-terreno ficou, e foi acumulando experiência até que deu o salto para o estrelato já na América do Sul.

Conseguiu o primeiro sucesso na prova em 2011, vencendo uma especial antes de abandonar na oitava etapa.

A experiência acumulada começou a dar frutos e, em 2013, tornou-se no segundo piloto português a sagrar-se campeão mundial de ralis de cross-country, depois de Hélder Rodrigues o ter conseguido em 2011.

Em 2015, conseguiu o seu melhor resultado no Dakar, ao terminar em segundo, com uma especial ganha, apenas atrás do espanhol Marc Coma.

Os anos seguintes não foram felizes: em 2016, abandonou à 11.ª etapa, quando já contava com uma vitória em especiais, terminou em sexto em 2017, depois de ter liderado metade da corrida, e, em 2018, nem sequer chegou a arrancar devido a lesão. Em 2019, abandonou na quinta etapa, após violenta queda.

Conhecido por ser um piloto multifacetado, conquistou títulos nas vários modalidades que disputou. Apesar do sucesso na carreira, mostrou-se sempre uma pessoa humilde e acessível, dizem os amigos mais chegados.

Gostava de praticar jetski e, sobretudo, jogar às cartas com os amigos. Benfiquista assumido, chegou a ser patrocinado pelo clube do coração, com direito a apresentação no Estádio da Luz aos adeptos encarnados.

Em 2019, trocou a Honda pela Hero: lá encontrou o seu cunhado e grande rival de início de carreira.

Maldição da areia

Em 44 edições do Rally Dakar já morreram 27 concorrentes, de acordo com uma contagem efetuada pela agência France-Presse. Entre eles o português Paulo Gonçalves, que perdeu a vida em janeiro de 2020 na sequência de uma queda, durante a sétima etapa entre Riade e Wadi Ad-Dawasir, na Arábia Saudita.

Os 27 pilotos que já perderam a vida no Dakar:

- 1979: Um jovem 'motard' morre em Agadés, no Níger, quando se encontrava fora de corrida.

- 1982: O piloto holandês de motos Bert Ooesterhuis morre na sequência de uma queda.

- 1983: O 'motard' francês Jean-Noel Pineau é colhido mortalmente por um carro, a 100 quilómetros do final de uma etapa que terminava em Ougadougou.

- 1986: O piloto japonês Yasuo Kaneko morre na sequência de um acidente com a sua moto, quando se encontrava a efetuar o percurso entre Paris e Sete, em França.

A queda de um helicóptero provoca a morte dos seus cinco ocupantes, entre os quais o organizador e fundador do rali, Thierry Sabine, o cantor Daniel Balavoine, a jornalista Nathalie Odent, o piloto François-Xavier Bagnoud e Jean-Paul Le Fur, técnico da Rádio Televisão do Luxemburgo.

O italiano Giampaolo Marinoni morre 48 horas depois de terminar um percurso. Durante o mesmo, uma queda provocou graves lesões no fígado do piloto, tendo este, no entanto, prosseguido em prova sem se dar conta da gravidade dos ferimentos.

- 1988: Naquela que foi a 10ª edição do Dacar morrem seis pessoas: o piloto de camião holandês Kees Van Loevezijn, o piloto francês Patrick Canado (Automóveis), o 'motard' Jean-Claude Hugger, uma criança da aldeia de Kitta, no Mali, e uma mulher e um menino na Mauritânia.

- 1991: O francês Charles Cabannes, piloto de um camião de assistência da Citroen, morre vítima de disparos, em Im Kaduane, no Mali, na sequência da troca de tiros disparados pela população tuaregue do norte.

- 1992: O camião de assistência dos franceses Jean-Marie Sounillac e Laurent Le Bourgeois despista-se quando chegava à meta da segunda etapa e causa a morte dos seus dois ocupantes.

Morre o francês Gilles Lalay, vencedor do Dacar em 1989, após chocar com a sua moto Yamaha contra um veículo de assistência médica.

- 1994: O 'motard' belga Michel Sansen, de 59 anos, morre na sequência de uma queda sobre uma pista de areia, numa edição em que também é vítima uma criança senegalesa, atropelada por um veículo de assistência médica.

- 1996: O francês Laurent Gueguen, piloto de um dos camiões em prova, morre após chocar com uma mina abandonada durante a quinta etapa do percurso.

- 1997: O francês Jean-Pierre Leduc, da KTM, morre na sequência de uma queda da sua moto quando efetuava a passagem ao 247º quilómetro da segunda etapa, disputada entre a localidade senegalesa de Tambacunda e Kayes, no Mali.

- 2002: O preparador de veículos da equipa Toyota Trophy, Daniel Vergnes, morre quando se dirigia para Tidjikja (Mauritânia), a meta da 11ª etapa.

- 2003: O co-piloto francês Bruno Cauvy, acompanhante do seu compatriota Daniel Nebot, morre num acidente numa travessia das dunas durante a 10ª etapa, disputada na Líbia.

- 2005: O motard amador espanhol José Manuel Perez morre quatro dias depois de ter caído durante a sétima etapa, disputada entre Zouerat e Tichit, na Mauritânia.

Um dia depois da morte de Perez, morre o motard italiano Fabrizio Meoni, duplo vencedor do Dacar em 2001 e 2002, vítima de uma queda durante a 11ª etapa, disputada entre Atar e Kiffa, igualmente na Mauritânia.

- 2006: O motard australiano Andy Caldecott (KTM) morre vítima de uma queda durante a nona etapa da prova, disputada entre Nouakchott e Kiffa, na Mauritânia.

- 2007: O motard sul-africano Elmer Symons (KTM) morre vítima de uma queda durante a quarta etapa, disputada entre Er Rachidia e Uarzazate, em Marrocos.

O 'motard' francês Eric Aubijoux (Yamaha), de 42 anos, é vitimado por uma paragem cardíaca na ligação da penúltima etapa, entre as cidades senegalesas de Tambacunda e Dacar.

- 2009: O 'motard' francês Pascal Terry foi encontrado morto, dois dias depois de estar a ser procurado pela organização da prova, que pela primeira vez se disputa na Argentina e Chile.

O piloto, que se estreava no Dakar, foi encontrado numa zona de difícil acesso, numa área com vegetação densa.

- 2012: O 'motard' argentino Jorge Martinez Boero morre, na sequência de uma queda, a dois quilómetros da meta da 1.ª etapa, perto de Necochea, na Argentina.

- 2013: O 'motard' francês Thomas Bourgin, que se estreava na prova, morreu ao bater frontalmente com a sua moto KTM num carro da polícia na estrada Paso de Jama, do lado chileno da cordilheira dos Andes.

- 2014: O piloto belga Eric Palante morreu devido a uma queda na quinta etapa, entre Chilecito a Tucuman, na Argentina.

- 2015: O 'motard' polaco Michal Hernik foi encontrado sem vida, junto à sua moto, durante a terceira etapa da prova. A autópsia revelou que o 'motard' faleceu devido a hipotermia.

- 2020: O piloto português Paulo Gonçalves morreu na sequência de uma queda, durante a sétima etapa entre Riade e Wadi Ad-Dawasir, na Arábia Saudita.

- 2020: O piloto holandês Edwin Starver morreu no hospital, oito dias depois de sofrer um acidente na 11.ª etapa, entre Shubaytah e Qiddiya.

- 2021: O motard amador francês Pierre Cherpin, vítima de um traumatismo craniano na sequência de uma queda durante a sétima etapa. Pierre Cherpin morreu quando estava a ser transportado de Jeddah, na Arábia Saudita, para França.