Por esta altura, Melanie Santos, triatleta do Benfica, contava estar no Japão, mais concretamente em Yokohama, a realizar mais uma prova do Circuito Mundial de Triatlo (WTS). Depois, seguiria para os Pirenéus, para um estágio em altitude onde iria preparar a sua estreia em Jogos Olímpicos, marcada para Tóquio'2020.
Mas não está. Em vez disso, encontra-se em Alcobaça, onde acaba de retomar os treinos com mais alguma 'liberdade', depois de aí ter cumprido o período de isolamento social, em casa dos pais, juntamente com o namorado, o também triatleta João Pereira, com quem foi tentando manter a forma da melhor maneira possível.
O SAPO Desporto esteve à conversa com Melanie, que nos explicou como passou esta etapa, falou da 'sorte' que teve em poder sair de Lisboa para um lugar mais isolado, revelou o misto de emoções que sentiu quando recebeu a notícia do adiamento por um ano dos Jogos Olímpicos e contou como está a ser o regresso a uma 'normalidade ainda pouco normal', perante inúmeras incertezas relativas ao retomar da competição e das provas de triatlo.
SAPO Desporto: Como viveu o período de isolamento e onde o passou?
Melanie Santos: Estava em Lisboa, a treinar normalmente, e ainda antes de decretado o estado de emergência, eu e o meu namorado, o João Pereira, que também é triatleta, resolvemos sair de Lisboa porque estávamos a começar a sentir que, derivado ao que se estava a passar no resto da Europa, provavelmente a Portugal também acabaria por chegar e iriam suspender as competições. Então, como somos de cidades relativamente perto uma da outra – ele das Caldas, eu de Alcobaça - resolvemos ir os dois para casa dos meus pais, em Alcobaça, que é bastante grande, e é uma cidade muito mais isolada do que Lisboa, com uma menor probabilidade de nos cruzarmos com pessoas.
Continuámos a treinar na rua, inclusive ciclismo e fomos treinando, porque como atletas de alta competição tínhamos uma licença especial para o fazermos. Mas, quando começaram as restrições maiores, com limitação de movimentação entre concelhos, passámos a fazer a bicicleta nos rolos, em casa, bicicleta estática. Até para fugirmos um pouco a olhares mais reprovadores, porque não queríamos ser mal interpretados, apesar de termos a tal autorização. Sentíamos que poderíamos, de certa forma, estar a faltar ao respeito às outras pessoas e, como conseguíamos fazer o treino em casa, não vali a pena estar a arriscar.
SD: Como foi ter de treinar em casa?
MS: Vir para Alcobaça permitiu-nos, de certa forma, manter a nossa rotina, embora sem o nosso grupo de treino e os nossos treinadores, claro. Dada a especificidade do triatlo, com as vertentes de corrida, natação e ciclismo, não era tão fácil como para outros atletas treinar em casa. Tivemos essa sorte. Para quem estava em Lisboa estava em Lisboa e não tinha esta possibilidade que nós tivemos de vir para uma zona mais recatada, terá sido mais complicado.
O João tem um acordo com a Câmara Municipal das Caldas, que nos cedeu uma piscina que estava fechada já desde o início do estado de emergência, e deram-nos a possibilidade de treinar nela. Era 100 por cento seguro, só que era uma piscina de 17 metros. Mas, dadas as circunstâncias, como se costuma dizer, era melhor que nada. A corrida íamos fazendo nas matas, onde não nos cruzávamos com ninguém. Acabámos por andar sempre um pouco na rua, mas muito seguros.
Depois, temos uma plataforma na qual os treinadores nos colocavam os treinos. Fazemos esses treinos com um relógio que praticamente de imediato transmite os dados para os nossos treinadores e eles conseguem ver tudo: por onde andámos, a pulsação, etc… Então eles acabavam por estar perto, mesmo estando longe. Depois mantínhamos o contacto, dávamos o feedback por WhatsApp…Claro que não é igual, mas para os tempos que vivemos dá perfeitamente.
SD: Se nada disto estivesse acontecido, tem ideia de onde estaria agora?
MS: Ora nesta altura estaria no Japão, a fazer uma prova WTS em Yokohama. Depois iria tirar uma semana mais tranquila, para relaxar, em Lagos, seguiria para estágio, nos Pirenéus, onde iria já preparar a prova dos Jogos Olímpicos. Ficaria lá cinco semanas só a preparar aquele dia. Mas estou em casa…Mudou tudo…
SD: Qual foi a última prova que fez?
MS: Foi um duatlo, em Espanha, já em Março. Estava a começar a ver-se que a situação estava a ficar mais crítica. Depois era para ir a Abu Dabi, para uma WTS. Só que na semana antes os ciclistas que estavam lá a fazer a Volta ficaram infetados e ficaram retidos no Hotel. Era precisamente o hotel onde eu ia ficar. Foi a partir daí que 'o mundo desabou'...
SD: Este ia ser um ano especial para a Melanie, com a sua primeira participação nos Jogos Olímpicos. Como recebeu a notícia do adiamento?
MS: Havia muito a ansiedade e stress, por não sabermos ainda se os jogos se iam realizar. Porque, no fundo, era para esse dia que estávamos a treinar e não sabíamos se ia acontecer. Quando soubemos que iam ser adiados por um ano foi como que uma lufada de ar fresco, porque a verdade é que não íamos ter condições para preparar esses Jogos da melhor maneira.
Mas, ao mesmo tempo, foi também foi um pouco pensar 'E agora? Não tenho nada até para o ano…não há nenhum objetivo próximo'. Então, o que tentei fazer foi levar um dia de cada vez e um treino de cada vez. Tentar tirar o melhor de cada treino, não estando tão focada em conseguir fazer 'aquele' tempo. Não vale agora a pena estar demasiado focada, porque não há objetivos próximos. É quase ir treinando apenas para manter a forma, para que quando regressarem as competições voltarmos a ter aquela motivação para voltar com força.
SD: Que diferença poderá um ano fazer?
MS: É sempre mais um ano de treino, mais um ano de experiência que vamos ter. Não posso olhar para isso como um lado negativo. Tenho de pensar que se eu estava bem este ano, também vou estar bem para o ano. Mas, ao mesmo tempo, queria que fosse este ano. Estava mentalizada para isso e, ainda por cima, há sempre a questão de não conseguirmos controlar e nada nos diz que para o ano a situação não seja idêntica.
SD: E o regresso à normalidade - pelo menos à possível - nos treinos, como está a ser?
MS: Apesar de, para mim, não ter mudado muito durante o tempo de isolamento, agora já conseguimos voltar a ir para a estrada, apesar de continuar a ir só com o João. Já não é tão constrangedor as pessoas verem-nos a pedalar. Estamos a aproveitar para andar o máximo de tempo na rua, mas sempre de modo seguro.
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