Justine Blainey foi a primeira mulher a poder jogar hóquei no gelo numa equipa masculina no Canadá. Mas antes de lá chegar, teve de desbravar caminho, lutar, e ir até aos tribunais para mostrar que tinha qualidades para jogar com os rapazes.

Desde cedo, Blainey evidenciou qualidades acima da média para a modalidade rainha no Canadá. Sobre os patins, jogava de igual para igual com rapazes. Mas, na hora de mostrar a sua valia, era impedida de entrar no ringue. O problema? Era uma mulher num mundo de homens.

Isto porque a Associação de hóquei de Ontario não permitia equipas mixas nas suas ligas. Rapazes e raparigas podiam jogar juntos até aos 12 anos, mas só se não houvesse equipas femininas na zona. Não era o caso da Justine.

Depois de anos a ouvir que não podia competir com rapazes, Blainey foi até ao Supremo Tribunal Canadiano, numa das grandes lutas pela igualdade no desporto. Para entender a sua história temos de voltar até 1980 e perceber como a realidade mudou desde então.

"Jogas bem, mas és mulher"

Aos sete anos, enquanto outras meninas da mesma idade praticavam ginástica acrobática, patinagem artística e natação, Justine já tinha decidido o que queria fazer: ser jogadora de hóquei no gelo.

Dave, o irmão mais velho, já jogava e no dia em que a pequena Blainey entrou no ringue, a certeza de que era aquilo que queria fazer da vida acabou por se concretizar. A família não aceitou bem, mas Justine tinha a decisão tomada e, depois de muita insistência, os pais concordaram em encontrar uma solução.

Apesar de ter ficado, numa fase inicial, a ocupar-se com a patinagem artística (na equipa Leaside Wildcats), a ex-atleta percebeu de imediato que tudo nas equipas de patinagem femininas era demasiado "gracioso" para aquilo que gostava. O que Blainey queria era jogar a sério.

E, ao final das tarde, quando começou a ir com o irmão aos treinos da equipa de hóquei no gelo, o talento natural começou a despertar a atenção de todos.

Era para o sector defensivo que tinha nascido: Justine era rápida, forte, capaz de fazer bloqueios com facilidade e, se de facto, isto acabou por ser uma mais valia no hóquei no gelo com Dave, nas Leaside não funcionava a favor dela.

"Era difícil jogar com raparigas. Eu gostava do lado mais agressivo que podia ter quando jogava com o meu irmão, com elas não podia", contou, citado pela 'BBC Sport'.

Em 1981, foi aceite numa equipa masculina, mas de acordo com a própria, tudo não passou de uma ilusão, uma vez que nunca lhe foi dada oportunidade de entrar em campo:

"Uma vez, foi tão embaraçoso. Tinha apenas 11-12 anos de idade. Eles disseram: 'Ela não pode ir para o gelo. Não temos pensos higiénicos, nem tampões, não temos a forma correta de dar a devida segurança caso ela se magoe. Ela precisa de equipamento adequado para proteger o peito e nós não temos", recorda.

Numa altura em que tudo era tabu, a frase caiu como uma bomba nas aspirações da jovem. Mas nem por isso desistiu. Blaineye estava determinada a provar que a sociedade estava errada.

"Uma de nós" finalmente

Depois de cinco processos em tribunal, de algumas queixas na associação de hóquei de Toronto e de uma carta enviada à imprensa com a pergunta, 'Mas posso jogar?', Justine viu o seu sonho ser realizado.

Passaram sete anos desde que foi aceite na equipa, para fazer o primeiro jogo com rapazes. A 11 de janeiro de 1988 a realidade do hóquei no gelo mudou. A vitória era de Blainey mas também de todas as mulheres com os mesmos sonhos.

Justine, o irmão e a mãe entraram no pavilhão e, depois de lhe ter sido atribuído um balneário privado, a ex-jogadora entrou no ringue com lágrimas nos olhos, uma camisola preta e amarela com um 55 estampado e uma certeza: Blainey tinha derrubado uma barreira, tinha feito história. Finalmente iria jogar com os rapazes como era seu desejo.

O resultado? derrota por 1-3. A vitória em campo não se concretizou, mas, no final, Justine acabou por sair vencedora.

Uns anos mais tarde, Blainey percebeu que ainda havia muito trabalho para mudar mentalidades e voltou a jogar no sector feminino do hóquei no gelo. Depois dela, a realidade do desporto no Canadá nunca foi a mesma.

"Os meus filhos sabem da minha história. Tento realmente ajudá-los, a viver com integridade. Façam a coisa certa pelo motivo certo, mesmo quando for difícil e espero que eles possam deixar a mensagem para as gerações futuras", aconselhou.

Numa altura em que tanto se fala de igualdade de género, de oportunidades e de regalias, Justine foi a primeira a demonstrar que não há lutas inglórias, ou perdidas, à partida. Basta lutar, questionar e não desistir para que os sonhos se possam concretizar.