Hoje é o último dia de competição nos Jogos Mundiais Universitários, em Chengdu, na China, e Portugal já não tem nenhum atleta em prova. Momento certo, portanto, para fazer um balanço. E quem melhor para o fazer do que, na primeira pessoa, Pedro Cary, chefe da missão portuguesa na prova. Ora leia:

“Estamos a falar de uma das maiores competições a nível mundial. É uma competição universitária, mas acho vai muito para além disso. Antes da comitiva chegar, a nossa preocupação foi perceber o contexto onde iríamos estar. Durante aproximadamente um mês e meio, tentámos absorver toda a informação possível do que seria um evento desta dimensão. Falei com vários chefes de missão, a Susana Feitor, o Pedro Dias, o Duarte Lopes que está agora na FISU (International University Sports Federation), e agradeço muito o esforço deles, mas é quase impossível descrever um evento desta dimensão. Só quem está cá é que consegue sentir a energia deste evento multidesportivo, multicultural e multissocial. Uma organização perfeita, não há adjetivos para descrever a capacidade organizativa da FISU e de todas as entidades envolvidas. Estamos a falar de vários espaços desportivos semelhantes ou maiores que um Pavilhão Atlântico. Para muitos, terão estado na maior e melhor competição que alguma vez disputaram.

Na vila, que muitos classificaram como idêntica aos Jogos Olímpicos, tínhamos tudo, dormitórios, cantinas, tínhamos cabeleireiro disponível, zona de lazer, um ginásio com condições magníficas, uma florista, imenso espaço onde os atletas podiam estar na vila, uma espécie de minicidade. A China, sem dúvida, foi um choque cultural. Principalmente pela língua. Apesar de muitos attachés, as pessoas que acompanham as equipas, falarem um inglês fluente, os cerca de 20 mil voluntários cá não falavam. Os attachés eram uns guias, acompanhavam-nos e ajudavam-nos a resolver quaisquer problemas e estavam connosco no dia a dia.

É engraçado porque, quando saímos de Portugal, e no nosso país temos uma alimentação de qualidade, das melhores gastronomias do mundo, e neste tipo de países nem sempre é assim. Aqui, temos tido alguma dificuldade com a comida da cantina. Alguns alimentos extremamente picantes, nem sempre foi fácil. Apesar de termos seis tipos de restaurante dentro da cantina, a comida em si não variava muito. Acabávamos por escolher as massas, o arroz, este tipo de alimentos que não tendo os nossos temperos seriam aqueles que nos ajudariam a ter uma alimentação mais próxima do que estamos habituados.

A chefia de missão chegou primeiro, para preparar a receção aos atletas, treinadores, team managers que iam chegando. Tínhamos a preocupação de acompanhar os atletas nos treinos e na competição, havia sempre um elemento da FADU presente, da equipa médica também. Tentámos de tudo para que os atletas se sentissem em casa. Era fundamental criar as melhores condições para que eles estivessem totalmente focados e o feedback foi muito bom. Conseguimos criar dinâmicas de grupo, sabendo que os horários dos atletas eram muito diferentes. Atletas a acordar às 3h para treinar às 6h, outros acordavam mais tarde e treinavam às 8h, ao meio-dia. Foi um desafio enorme aproximar a comitiva, mas sabíamos que era importante eles envolverem-se e apoiarem-se mutuamente. Sempre que possível, tivemos atletas a assistir às provas dos outros e fez a diferença. Criaram-se laços e isso também faz falta à cultura desportiva, perceber as outras modalidades, como treinam, as suas rotinas, as suas dificuldades, certamente há pontos em comum e podemos aprender uns com os outros. E nesse aspeto estamos de coração cheio pois criámos esse contexto e os atletas desenvolveram um sentido de união entre todos.

Para mim, é difícil explicar o que são estes Jogos. Sinto-me um privilegiado por ter tido a oportunidade de estar aqui e por ter tido ao meu lado atletas excecionais, não apenas do ponto de vista desportivo mas da ética desportiva, do saber ser atleta. Nós reuníamos todos os dias com os treinadores e os team managers, no final do dia, para perceber como tinha corrido, as dificuldades que estavam a ter, planear o dia seguinte, distribuir tarefas. No final dessas reuniões, eu gostava de transmitir alguns valores do desporto e a resposta foi incrível. Houve algumas em que se bateu palmas e com isso sentia que aquelas palavras eram importantes e valiosas para eles. E a mensagem principal, que transmiti várias vezes: «nós viemos aqui a Chengdu escrever a nossa história». Não viemos escrever a história dos outros. Eu olho para a minha carreira e digo que posso contar a minha história. E era importante que, em Chengdu, eles quisessem contar a história deles. E não tem a ver só com medalhas. É olhar para a dimensão do evento e perceber que é único, não está ao alcance de todos. São uns privilegiados. Conseguem conciliar a sua carreira académica e desportiva, e têm de sentir que isso deve ser valorizado.

A carreira desportiva e a carreira universitária são importantíssimas. Não é um plano A ou plano B, é o plano de vida que eles têm e trata-se de seguir a carreira universitária juntamente com a carreira desportiva. Por isso, voltando à questão de escrevermos história. Era importante passar-lhes essa mensagem. Daqui a 5, 10 anos, que eles possam contar a sua história, porque passaram por essa experiência. A nível desportivo, cultural e social.

Para terminar, não gosto de individualizar, mas acho que devemos valorizar… a Mariana Machado, no final dos 5000m, falou sobre os sacrifícios para estar no quinto ano de medicina e ganhar uma medalha de ouro nos JMU. Partilhou ainda uma situação familiar que não é fácil de se viver e gostava que o seu discurso servisse de exemplo. Estes sacrifícios são decisões, propósitos de vida, ser estudante e desportista. Valorizo muito as palavras dela e a forma lúcida como falou no final de uma conquista incrível por todo o trabalho que tem vindo a desenvolver, ano após ano. E é isso que nós queremos. Atletas que tenham a noção que a vida académica é fundamental e pode ser conciliada com a vida desportiva. É uma questão de eles definirem os seus objetivos e estarem cientes que vale a pena. Lembrar sempre que o resultado é fruto de um processo. Mais importante que ganhar um título ou uma medalha, é o esforço e dedicação que eles, diariamente, colocam nas suas vidas.

Hoje foi o primeiro dia em que a chefia de missão teve oportunidade de aproveitar um pouco. Desde o dia em que chegámos, os dias têm sido grandes. Acordar muitas vezes às 6h, e deitar muito tarde. Porque era importante que tudo estivesse preparado para os atletas no dia seguinte e resolver algumas questões que precisavam de maior atenção. Hoje, tivemos oportunidade de ir ao centro de Chengdu, conhecer um pouco da cidade. Foi a primeira vez que vim à China e não tinha noção, tentámos informar-nos e pesquisar, pensávamos que os chineses eram um povo frio, nada hospitaleiro. Mas encontrámos uma realidade bastante diferente. As pessoas sorriem para nós, querem tirar fotos connosco, filmam-nos, querem que tiremos fotos com as crianças, gostam de trocar pins. Na aldeia, os pins fazem um furor incrível.

Hoje tivemos oportunidade de ir ao centro comercial, para comer e beber alguma coisa. As pessoas muito hospitaleiras. Tínhamos, facilmente, 10 pessoas a tirarem fotos, a querer falar connosco e foi muito engraçado. E no final, quisemos pagar e eles ofereceram, muito gentilmente, o lanche. Nós tínhamos o dinheiro e parecia que era crime querermos pagar. Foi incrível. Foi algo que em mim despertou imensa atenção. Um povo que nos fez sentir em casa, apesar de todo o choque cultural. A língua é uma barreira muito grande entre nós, sentimos muita dificuldade. Grande parte não fala chinês e tínhamos de recorrer ao tradutor do telemóvel. Algumas vezes tivemos de telefonar para a nossa attaché e ela é que falava com o taxista, com o senhor da loja. Por isso, foi desafiante, esta barreira linguística. Em alguns casos, pode-se tornar complicada, mas a hospitalidade, o sentido que eles têm de nos ajudarem com tudo, faz com que essa barreira se torne menos difícil e conseguimos arranjar as soluções.”