Os atletas portugueses que disputaram, em outubro de 2019, os Jogos Militares na cidade de Wuhan, ‘epicentro’ da pandemia de covid-19, lembram uma organização “esmerada”, mesmo com alguma polémica, e uma cidade de 11 milhões “quase deserta”.
De 18 a 27 de outubro, cerca de 10 mil atletas, de 109 nações diferentes, estiveram entre os melhores das forças armadas, entre atletas de elite nos campeonatos civis e amadores.
Portugal fez-se representar por uma comitiva de nove atletas, das várias componentes, da Marinha ao Exército, Força Aérea, GNR e até da Polícia de Segurança Pública.
Mary Vieira, militar da GNR e atleta de ‘trail running’, de 38 anos, estreou-se a correr uma maratona e sente que se superou. “Por ser atleta de ‘trail’, pelo ‘jet lag’ e o clima, a humidade, e por ser a primeira vez, fazer cerca de 02:50 horas foi fantástico”, afirma à Lusa.
Vieira, 33.ª no último Mundial de ‘trail running’, encontrou na prova um “ambiente excecional” e em Wuhan uma cidade com “muitas regras”, na qual “havia muito menos gente na rua, a diversão noturna fechada” e poucos estrangeiros.
Marco Miguel, da Marinha, competiu nos 10.000 metros, juntamente com Ricardo Dias, e lembrou uma “circunstância única na vida” e uma organização “formidável”, em que se “esmeraram”, com alguns participantes a apontarem-no como “o melhor evento desportivo militar de sempre”.
Na cidade, uma das primeiras coisas em que Marco Miguel reparou foi “naquela neblina”, que ao início parecia nevoeiro, mas depois se percebe que “nunca passa”, por ser formada devido à poluição, e “até na respiração se nota”.
“O primeiro impacto foi que não estava ninguém. Para uma cidade com 10 milhões de habitantes, estava praticamente deserta. Achámos isso muito estranho”, contou.
O Governo chinês tinha recomendado aos habitantes “ficarem em casa” ou fazer férias fora da região, para que a zona estivesse menos povoada durante os dias da prova.
Ricardo Dias, que aos 35 anos é campeão nacional absoluto dos 10.000 metros, também destacou a organização “extraordinária” do evento, “à imagem dos Jogos Olímpicos Pequim2008”, lembrando a sensação “única” de ter o estádio cheio durante a prova.
Apesar das recomendações, o corredor viu ainda “muitas pessoas e muitos carros”, enquanto Mary Vieira viu “muita gente a andar de metro”, algo que os portugueses também fizeram graças a um “cartãozinho que permitia viajar nos transportes públicos”, contou Marco Miguel.
Mesmo com a boa organização destacada pelos atletas, Wuhan2019 não passou sem polémica, uma vez que na prova de orientação, em que Mariana Moreira, da Força Aérea, participou, a equipa chinesa acabou desclassificada.
“Eu faço orientação há 15 anos e em toda a minha experiência [nunca] se tinha passado algo do género. Depois da primeira prova, percebeu-se que os atletas do país organizador ou já teriam feito o percurso ou tinham marcas que os ajudavam. Foi uma grande polémica na modalidade, soube-se e foi bastante criticado”, explicou.
Quanto à cidade, “não pareceu bastante turística” e viu uma urbe “muito grande, a desenvolver-se, com muitos prédios e edifícios em construção”, o que deixou a comitiva “surpreendida”.
O reconhecimento da cidade fez-se através de um amigo de Ricardo Dias, o treinador de guarda-redes Miguel Matos, que aproveitou para recomendar restaurantes, mostrar o centro e alguns, “poucos”, pontos turísticos.
O novo coronavírus foi detetado no final de dezembro de 2109, nesta cidade, que é capital da região de Hubei, no centro da China, e onde moram cerca de 11 milhões de pessoas.
Na ‘Chicago da China’, como é apelidada pela sua importância económica e social para a região central do país, o principal ponto turístico, que a comitiva portuguesa visitou, é a Torre do Grou Amarelo, uma estrutura tradicional da arquitetura chinesa.
Depois da propagação da covid-19 a nível mundial, vários rumores e acusações têm sido levantados em torno dos Jogos Militares, com um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Lijian Zhao, a acusar os Estados Unidos de introduzirem o novo coronavírus através da competição.
Por outro lado, o jornal francês ‘Le Parisien’ publicou esta semana declarações de vários atletas franceses que participaram nas provas e que referiram ter ficado doentes, já depois de Elodie Clouvel, medalha de ouro no pentatlo moderno, ter dito em março que após o regresso ficaram “todos doentes”.
Ricardo Dias destaca que até ficou “doente em janeiro, com sintomas ligeiros”, mas acabou por ser uma inflamação nos brônquios, considerando que, “se o vírus estivesse ali”, existiria um problema muito maior, porque todos conviveram uns com os outros.
Por isso, vê toda a questão como “uma teoria da conspiração”. “Quando ouvimos aquilo [as notícias], eu até brinquei: ‘Se os Jogos fossem mais tarde, estávamos lixados’. Mas digo uma coisa: Se fossem agora, não ia. Ia perder uma oportunidade única, mas primeiro está a saúde”, atirou.
“Nenhum de nós teve sintomas. Em janeiro, achámos as primeiras notícias curiosas, mas eu nunca achei, na altura, que viesse a ter estas proporções. Que me tenha apercebido, não passámos perto dos mercados, levaram-nos a outro tipo de locais”, contou Mariana Moreira.
Marco Miguel diz mesmo que não viu “nada duvidoso” ou que “chamasse a atenção”, e que mesmo “se os franceses estivessem com aqueles sintomas, atribuir-se-ia a uma gripe normal”, e considera que “só daqui a muitos anos” se vai ter resposta para as “muitas questões por responder” sobre o aparecimento do novo coronavírus.
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