João Pinto, antigo capitão do Sporting e agora a representar o Lodi (hóquei em patins), está em casa à espera de poder treinar e jogar, depois de o novo coronavírus ter entrado em força na região da Lombardia, Itália, tornando o território transalpino no principal epicentro de casos na Europa.
A rápida propagação da COVID-19, que já causou 1016 mortes e mais de 15 mil infetados naquele país, de acordo com o balanço mais recente, deixou todo o território em quarentena. As competições desportivas foram suspensas até 3 de abril, e no caso específico do hóquei em patins, algumas equipas como o Lodi, localizadas na região mais afetada pela pandemia (Lombardia, no norte de Itália), continuam com ordens para permanecer sem atividade.
"Resta-nos esperar", adianta João Pinto ao SAPO Desporto. "No dia 19 vai fazer um mês que estamos sem treinar. É muito tempo. Mas já estamos mentalizados para que a situação se prolongue por mais tempo, porque os números continuam a aumentar. Dificilmente o campeonato será retomado", defende o experiente jogador, de 33 anos.
O Lodi, atual líder da Serie A, preparava-se para receber a Taça de Itália entre 28 de fevereiro e 1 de março, mas o evento foi adiado para data indeterminada, tal como a última jornada da fase de grupos da Liga Europeia, na qual participam Benfica, FC Porto, Oliveirense e Sporting. Para João Pinto não tem sido fácil estar tanto tempo sem competir, mas o atual contexto assim o obriga.
"O pavilhão está encerrado, os ginásios... está tudo fechado. Não podemos estar com os colegas de equipa, portanto cada um está em sua casa, a tentar manter a condição física dentro do possível. Vou fazendo alguns exercícios em casa ou uma corrida ao ar livre, durante a manhã, mas nada mais do que isso", começa por dizer o hoquista, que acaba por passar grande parte do dia "em casa, atento às notícias e a ler".
"É difícil estar parado e não poder fazer nada, principalmente para um atleta de alta competição, habituado a treinar duas vezes por dia e a ter os seus índices físicos sempre na melhor condição. Vou tentando dar asas à imaginação. Não há outra hipótese", refere.
Numa tentativa de conter a COVID-19, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, anunciou na quarta-feira que todos os estabelecimentos comerciais, “à exceção daqueles para as necessidades básicas, como as farmácias e a alimentação”, estarão encerrados nas próximas semanas. A medida, garante João, está a ser "cumprida à risca", mas ainda não transformou Lodi numa 'cidade fantasma'.
"Apesar de estar tudo praticamente fechado, é normal ver pessoas a passear os cães e a fazer caminhadas. Mas há bastante controlo por parte da polícia, para não haver ajuntamentos. Eu tento andar sempre pela minha zona residencial, mas se tiver de sair de carro para uma outra zona, mesmo que seja dentro da cidade, corro o risco de ser abordado pelas autoridades para saberem onde vou. Ainda não me aconteceu, mas é normal, por exemplo, as pessoas terem de mostrar o talão das compras para provar que foram ao supermercado", revela. De realçar que quem sair das "regiões de contenção" arrisca-se a uma pena de prisão de três meses e a uma multa até 206 euros.
A questão da proximidade entre os habitantes de Lodi, com as pessoas a manterem-se a pelo menos um metro de distância umas das outras, também tem sido minuciosamente controlada pelas autoridades: "Não há qualquer tipo de contacto físico. Se fores caminhar ou correr acompanhado, tens de ir a alguma distância de quem vai contigo. Às vezes encontro algum colega e trocamos algumas palavras, mas evitamos estar uns com os outros, até porque é que o que foi pedido."
João Pinto não vê "grande alarmismo" nos habitantes de Lodi em relação à quarentena, considerando que as pessoas "têm mantido a calma, à espera que tudo passe". Ainda assim, houve um episódio em que o medo de contágio se fez sentir.
"Há duas semanas fomos treinar a uma cidade aqui perto e quando viram a carrinha do clube chegar e perceberam que éramos de Lodi, disseram-nos que não podíamos estar ali e mandaram-nos embora. Aquele era para ser o nosso local de treino nas próximas semanas, mas não nos deixaram voltar porque vínhamos da zona mais afetada. Na altura estranhei tudo aquilo, mas agora percebo que as pessoas têm de tomar todas as precauções para que a situação passe rapidamente", partilha o avançado.
João Pinto, que tem acompanhado de perto a evolução da COVID-19 em Portugal, explica que os italianos não estavam à espera que o vírus se propagasse de forma tão rápida naquela região. "Acho que no início não se deu a devida importância à situação. Houve muita gente que pensou que quarentena resumia-se a não ir trabalhar ou não ir à escola e continuou a fazer a vida social normal. E quando os números começaram a aumentar, houve pessoas aqui na Lombardia que ficaram assustadas, foram para o sul e andaram a espalhar o vírus pelo país todo", explica.
A família de João acabou por voltar a Portugal há três semanas, onde esteve isolada por uma questão de prevenção, e já regressou à vida normal. Apesar dos pedidos para regressar a casa, o hoquista diz que vai aguardar por novos desenvolvimentos. "Sinceramente não sei como isto irá resolver-se. Aqui em Itália estamos sempre à espera que a situação mude, mas o número de casos aumenta todos os dias. É esperar para ver. Se o período de quarentena se prolongar, pensarei numa alternativa", garante o jogador do Lodi, antes de deixar um conselho.
"É impossível evitar a sensação de 'déjà vu', porque estou a ver Portugal passar pelo mesmo que Itália passou há umas semanas. Sei que não é fácil estar em isolamento, mas é a única forma de conter o surto. As pessoas têm de se resguardar. Que sirva de exemplo o que está a acontecer aqui."
A vida em Lodi (pela segunda vez) e a polémica saída do Sporting
João Pinto regressou esta temporada a Itália, depois de ter vestido a camisola do Lodi em 2012/13, com a responsabilidade de ajudar a equipa orientada pelo português Nuno Resende a recuperar o título de campeão. Durante as sete épocas que passaram desde a saída e o regresso ao hóquei italiano, o internacional angolano representou a Juventude de Viana e o Sporting, onde envergou a braçadeira de capitão e fez parte das campanhas que terminaram com as conquistas da Taça CERS, Supertaça, campeonato e, mais recentemente, da Liga Europeia. A questão impõe-se: porquê voltar ao Lodi?
"Dei-me muito bem aqui da primeira vez e gosto muito da cidade. Também queria muito trabalhar com o Nuno [Resende] e ajudar o Lodi a ir o mais longe possível no campeonato e na Liga Europeia. Por outro lado, queria voltar a ter prazer em jogar, depois de ter estado algum tempo sem esse gosto", revela João, referindo-se ao tempo em que esteve afastado da equipa do Sporting, depois de um alegado desentendimento com o treinador Paulo Freitas, acabando por ser dispensado no final da época.
"Custou-me sair do Sporting pelos adeptos e pela história que criei no clube. Por outro lado não foi difícil, porque estava a trabalhar com pessoas que não gostava"
Os motivos que levaram à saída do avançado, que era capitão de equipa e um dos mais queridos da massa adepta 'leonina', nunca foram esclarecidos. "Custou-me sair mais pelos adeptos e pela história que criei no Sporting. Por outro lado não foi difícil [deixar o Sporting], porque estava a trabalhar com pessoas que não gostava. Se calhar custou mais a essas pessoas dormir sabendo o que me fizeram", começou por dizer o hoquista, sem querer entrar em pormenores, mas frisando que o diferendo "nada teve a ver com os colegas de profissão".
"Um dia vou explicar o que aconteceu", garante João Pinto, que viria a reencontrar a antiga equipa na fase de grupos da Liga Europeia.
"Foi especial voltar ao ‘João Rocha’. Não me tinham deixado despedir dos adeptos e nessa visita [em outubro] tive oportunidade de o fazer", revela. Por sua vez, o triunfo em Lodi (5-1), no passado mês de fevereiro, acabou por afastar matematicamente os 'leões' da fase seguinte da competição: "O Sporting é o detentor do troféu, mas sabíamos do nosso valor e que era perfeitamente possível vencê-los. Teve um sabor especial, depois de tudo aquilo que passei."
Em Lodi, onde o hóquei é o desporto-rei, João Pinto voltou a encontrar a felicidade, longe do rebuliço de outras cidades em Itália. "Estou a 30 quilómetros de Milão, mas a verdade é que raramente vou lá, porque tenho tudo o que preciso aqui. As pessoas são espetaculares, não há muito trânsito e, claro, adoro a comida", confidencia o internacional angolano, que apenas dispensava o clima mais rigoroso do norte de Itália. "E os 2000 quilómetros de distância para casa", acrescenta.
Formado nas escolas do FC Porto, João Pinto conta ainda com passagens pela Oliveirense, Ac. Espinho e Académica de Luanda, bem como um título de campeão europeu sub-20 por Portugal em 2008. Um ano depois, optou por representar a seleção de Angola, ao serviço da qual venceu o CAN em 2019 e arrecadou um inédito quinto lugar no Campeonato do Mundo de 2017, em Nanjing (China), onde foi o melhor marcador da prova.
"Coincidiu com uma fase em que era mais difícil entrar na seleção portuguesa. Eram outros tempos e outro tipo de hóquei. E na altura apresentaram-me um projeto diferente, que eu acabei por aceitar juntamente com outros colegas. Tenho muito orgulho no percurso que fiz na seleção angolana, onde conseguimos fazer história", nota o experiente avançado, que somou a última internacionalização no Mundial de 2019, conquistado por Portugal "com todo o mérito".
"Era o triunfo que faltava para dar ainda mais visibilidade ao hóquei português."
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