O ‘agricultor’ Yves Lampaert (Quick-Step Alpha Vinyl) tornou-se hoje o inesperado camisola amarela da Volta a França em bicicleta, ao contrariar os ‘gigantes’ da luta contra o cronómetro para vencer a primeira etapa da 109.ª edição.
A cara de Wout van Aert (Jumbo-Visma) quando viu o seu compatriota cruzar a meta espelha bem aquilo que os adeptos do ciclismo terão sentido ao perceber que o belga, de 31 anos, mais conhecido pela sua paixão pelas clássicas e pela agricultura, tinha ‘pulverizado’ o tempo dos grandes favoritos, ao percorrer os 13,2 quilómetros nas ruas de Copenhaga em 15.17 minutos, para tornar-se no primeiro líder deste Tour.
“A minha cabeça está a explodir [faz o gesto com a mão]. Vim com a expectativa de ficar no ‘top 10’, o que seria ótimo. Agora, bati todos os melhores especialistas do mundo… sou só um agricultor belga, nunca esperei isto”, confessou um emocionado Yves Lampaert, de lágrimas nos olhos e voz entrecortada.
Incrédulo por ter derrotado Van Aert (Jumbo-Visma), segundo a cinco segundos, mas também o italiano Filippo Ganna (INEOS) e o neerlandês Mathieu van der Poel (Alpecin-Fenix), respetivamente quarto e quinto, além do dorsal número um, o bicampeão Tadej Pogacar (UAE Emirates), terceiro a sete, o discreto ‘trabalhador’ da Quick-Step Alpha Vinyl ultrapassou os seus próprios sonhos.
“Não consigo acreditar. Sei que estou em boa forma, mas ganhar uma etapa no Tour, a primeira etapa… isto é algo com que nunca sonhei e fi-lo”, declarou, assumindo que só vai perceber aquilo que hoje lhe aconteceu quando a ‘Grande Boucle’ acabar, lamentando a ausência do melhor amigo, ‘El Tractor’ Tim Declerq, que voltou para casa por estar com covid-19.
A experiência de liderar uma grande Volta não é nova para Lampaert, que já tinha comandado a Vuelta durante uma jornada em 2017, como também não o é para a sua Quick-Step Alpha Vinyl, que vestiu a primeira amarela no Tour do ano passado, com o ausente Julian Alaphilippe, e hoje voltou a fazer a festa na Dinamarca.
Nos últimos dias muito se falou da paixão da capital dinamarquesa pela modalidade e, hoje, ela foi evidente, ao longo dos 13,2 quilómetros da primeira etapa, que ‘visitaram’ pontos emblemáticos de Copenhaga, como a ponte Rainha Louise, os Jardins de Tivoli ou a Pequena Sereia.
O inédito ‘Grand Départ’ dinamarquês trouxe também uma outra novidade: ao contrário de todas as outras edições iniciadas com um prólogo/contrarrelógio, os ciclistas não saíram para a estrada por ordem de importância, mas sim numa miscelânea difícil de explicar ou entender, que teve como único propósito ‘salvar’ os principais nomes da chuva.
No entanto, esta antecipou-se às previsões meteorológicas e os primeiros a partir foram presenteados com a sua incómoda presença, sobretudo num percurso tão técnico quanto perigoso.
A primeiro tempo de referência, entre as figuras do pelotão, foi o de Van der Poel, com 15.30 minutos, uma marca inalcançável até para o principal candidato a destronar o bicampeão Tadej Pogacar, o também esloveno Primoz Roglic (Jumbo-Visma), que foi três segundos mais lento do que o neerlandês.
A correr em casa, Jonas Vingegaard foi ‘empurrado’ pelo público e, debaixo de um dilúvio, conseguiu ser um segundo melhor do que o seu co-líder na Jumbo-Visma, acabando por ser sétimo na etapa.
O ponto alto da jornada aconteceu, contudo, pouco depois, quando os três grandes candidatos ao triunfo no ‘crono’ – Ganna, Van Aert e ‘Pogi’ – estiveram ao mesmo tempo na estrada: os três sucederam-se na meta, com o belga da Jumbo-Visma a bater o tempo do italiano e a respirar fundo quando viu o esloveno gastar mais dois segundos.
Parecia estar decidido o primeiro camisola amarela desta edição, para desconsolo de Ganna, o bicampeão mundial da especialidade, que defraudou as expectativas – as suas, as da equipa e as dos amantes da modalidade – ao ficar a 10 segundos do vencedor na estreia na prova francesa, ‘falhando’ a missão primordial de devolver à INEOS a amarela, que a equipa não enverga desde que Egan Bernal subiu ao pódio como vencedor do Tour2019.
Van Aert aguardou placidamente a chegada dos ciclistas que partiram depois e não escondeu a incredulidade – a sua expressão já é um ‘meme’ na Internet - quando viu Lampaert ‘tirar’ cinco segundos ao seu tempo.
Visivelmente nervoso, o belga que concilia o ciclismo com a vida numa quinta foi cruzando os dedos para as câmaras, limpando o rosto, enquanto via os demais corredores chegarem à meta, irrompendo num grito quando percebeu que o espanhol Marc Soler (UAE Emirates), o último a sair para a estrada, não iria bater o seu tempo.
Vice-campeão belga de contrarrelógio, atrás do ‘fenómeno’ Remco Evenepoel, o ‘classicómano’ – venceu por duas vezes a Através da Flandres e foi terceiro na Paris-Roubaix em 2019 – somou a sua segunda vitória em grandes Voltas, depois da conquistada na Vuelta2017, e deixou alguns dos candidatos ao pódio final a larga distância.
O australiano Ben O'Connor (AG2R Citroën), que perdeu 01.01minutos, o italiano Damiano Caruso (Bahrain Victorious) e o espanhol Enric Mas (Movistar), ambos a cederem acima de 50 segundos, foram os maiores perdedores, enquanto Geraint Thomas (INEOS), 18.º a 25 segundos, foi o que melhor se deu com o piso molhado da capital dinamarquesa, à exceção dos líderes da Jumbo-Visma.
Entre os portugueses, Nelson Oliveira (Movistar) foi o melhor, na 52.ª posição, a 51 segundos, enquanto Ruben Guerreiro (EF Education-Easy Post) perdeu 01.38 minutos.
Lampaert, que lidera a geral com as mesmas diferenças registadas no ‘crono’, vai estrear-se de amarelo no sábado, na segunda etapa da Volta a França, uma ligação de 202,2 quilómetros entre as cidades dinamarquesas de Roskilde e Nyborg, em que os ventos laterais podem desempenhar um papel fundamental.
*artigo atualizado às 19h59 com mais informações
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