O afro-americano Demontaze ‘Juicy’ Duncan e o professor “branco” que o adotou como filho preparam-se para o “combate do século” em dezembro num ringue com regras e “sem racismo”.
“A mãe dele morreu quando ele tinha cinco anos. O pai estava preso e viveu os primeiros anos em casas de acolhimento e mais tarde foi viver com o tio-avô que morreu passado pouco tempo. Nessa altura pediu para viver comigo. Já passava aqui três a quatro dias por semana, em nossa casa, mas pediu-me para ficar aqui para sempre. Pedi a guarda da criança ao tribunal e há três anos que sou legalmente responsável por ele”, diz à Lusa Nicholas Bareis, 38 anos, treinador de boxe.
Formado em Ciências Políticas na Universidade de Louisville, Bareis era executivo de uma empresa que geria restaurantes no Estado do Kentucky, mas fartou-se da rotina e de passar o dia “a fumar marijuana sem qualquer tipo de futuro”.
Consciente das capacidades para liderar equipas de trabalho decidiu primeiro constituir uma equipa de basquetebol, mas quando abriram vagas para formação de treinadores de boxe Nicholas inscreveu-se e conseguiu a autorização para formar pugilistas.
Mudou de vida, despediu-se e instalou um ginásio de boxe na cave da casa onde vive com o irmão Sean, em Southern Heights, não muito longe do local onde nasceu o mítico Muhammad Ali, em Louisville, e começou a treinar “o próximo campeão do mundo”.
“Quando o conheci, Demontaze estava no sexto ano e frequentava escolas especiais por causa de comportamentos violentos. Nessa altura ele tinha muito más notas, mas depois de se disciplinar com o boxe e de muito trabalho da parte dele conseguiu dar a volta e terminou o liceu um ano antes do que é habitual, com distinção, aos 17 anos, no ano passado”, diz o pai adotivo e treinador.
Numa cidade marcada pelo racismo e pela violência policial na casa dos Bareis não há distinção nem de cores e todos são livres de pensar como querem e “acreditarem no deus” que quiserem.
Demontaze “que nunca teve uma família” vive no quarto do primeiro andar frente ao alpendre com duas janelas para o jardim da casa dos Nicholas e Sean Bareis.
“Ele teve uma vida muito dura, mas tomou decisões e foi somando um dia bom a outro dia bom e agora é um atleta número um. Tem um caráter muito forte”, diz Nicholas Bareis enquanto ajuda a preparar o jantar para um total de quatro atletas que acabam de treinar na rua e no ginásio improvisado na cave da casa.
O filho adotivo afro-americano do treinador branco vai concorrer ao campeonato nacional (USA Boxing National Championship) em dezembro no Louisianna e é um dos 65 pugilistas da categoria super-médios (69,85 quilogramas).
Neste momento, é um pugilista “número um e vai mudar agora para a divisão de elite que começa a competir-se a partir dos 18 anos de idade”.
“Até ao momento Demontaze ‘Juicy’ Duncan venceu quatro luvas de ouro (Golden Gloves) nos campeonatos regionais que englobam vários e venceu o título Ringside Worldchampionship (prémio internacional) e vários títulos no campeonato nacional dos Estados Unidos, para a idade dele. Ele é uma estrela”, diz o pai adotivo.
O escritor norte-americano Norman Mailer (1923-2007) no livro “O Combate”, sobre Muhammad Ali, nota que “o pugilista além dos treinos pesados “encara a verdadeira dimensão do aborrecimento e do tédio que provocam muita impaciência, violência e um profundo ódio pela derrota”.
“Há qualquer coisa de especial nas pessoas que praticam boxe que não se pode explicar. São determinados e não têm medo”, diz Nicholas Bareis durante o jantar “com a família” de pugilistas.
Demontaze é o primeiro a terminar a refeição.
“Ele devia comer mais devagar, mas tem de telefonar à namorada até às dez da noite. O pai dela não a deixa falar com ele mais tarde. São as regras”, explica o pai adotivo durante o jantar em que se fala de política, economia, boxe e música.
O dia do campeão chega ao fim, as luvas de combate estão amontoadas num cesto e um comboio apita na noite ao cruzar a zona industrial de Louisville.
Dentro de casa ouve-se o tema de Curtis Mayfield - “People Get Ready” - pela voz de Pat Bareis, o pai do treinador, um popular cantor de música ‘soul’ do Estado de Kentucky.
“Ele vai ser profissional e campeão do mundo. Nós estamos preparados”, diz o treinador, professor e pai adotivo de ‘Juicy’ Duncan na altura em que o pugilista fecha a porta do quarto.
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