O atleta partilhou o seu testemunho no debate “Viver com dor”, inserido no colóquio da Fundação Grünenthal, entidade sem fins lucrativos que se dedica ao estudo da dor e respetivo tratamento, que se realizou na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
“Sou um vencedor da dor, porque existe muito estigma em relação a mim. Como tive tantas lesões, perguntam-me sempre como estou e se tenho algum problema. Eu não tenho nenhum problema físico. Tenho lesões pontuais, que fazem parte da equação. Levamos o nosso corpo ao extremo e é normal que, algumas vezes, tenha de quebrar, mas a resolução desses problemas tem sido muito bem-sucedida”, frisou Nelson Évora.
Essa resolução assenta na equipa multidisciplinar que o acompanha e que trata da sua saúde física e mental, como o treinador, o fisioterapeuta e o psicólogo, a quem Nelson Évora agradece por o manter saudável, informá-lo das condicionantes e ainda do que pode fazer enquanto ser humano e desportista, apelidando a equipa de “espetacular”.
“Nós é que tornamos físico o trabalho da equipa multidisciplinar. Não o faço sozinho e tenho esta equipa responsável por me ajudar a entrar numa pista de atletismo e, seja qual for a idade, seja uma criança feliz por poder saltar sem dor. Cada medalha é uma montanha enorme que temos de escalar todos os dias”, expressou ainda Nelson Évora.
Aos 38 anos, o campeão olímpico em Pequim2008 salientou que, agora, sente “muito mais receio do que quando tinha 20 anos”, pois não quer “perder tempo” em operações ou fisioterapia, revelando que teve fases de desconfiança e medo de saltar.
“Tive uma fratura de stress em 2009, que se arrastou até 2014. Tive momentos, neste período, em que pensei que nunca ia deixar de sentir essa dor. Tinha de lidar com uma angústia de chegar ao treino, fazer tudo o que os meus colegas faziam e fazer um triplo salto em que iria sentir uma dor horrível. Tinha uma fração de segundos em que tinha de decidir se continuava ou se abortava o salto. Fazemos milhares de repetições e a diferença para o ‘ouro’ é, em mil saltos, abortar o mínimo de vezes possível”, explicou.
Essa dor, contou, “percorria todos os estágios de dor durante diferentes momentos do dia” e, embora tentasse sempre pôr-se “à parte” dos analgésicos e das infiltrações, ao contrário de vários atletas, confidenciou que chegou a recorrer a eles em competições.
“Aguento bem as ‘balas’ e sofria bastante para as grandes competições. Se optasse por tomá-las diariamente, sabia que ia chegar a um ponto que não iriam fazer nada. Sofria na pele não tomar nada para que, naquele dia, não sentisse absolutamente nenhuma dor. Resultava, mas esse sacrifício não compensa. Não aconselho a ninguém”, realçou.
Em relação à nova geração, Nelson Évora entende que o maior acesso à informação os “tem limitado”, pois “acham que é fácil ser um Cristiano Ronaldo”: “É vendido o sonho, mas não dizem o que é preciso passar para poder lá chegar, que é a dor e o sacrifício”.
Para além do ouro olímpico em 2008, Nelson Évora tornou-se também campeão da Europa em pista coberta (2015 e 2017), e ao ar livre (2018), tendo 17,74 metros como recorde pessoal, alcançados em Osaka, Japão, onde foi campeão do mundo, em 2007.
Este debate contou também com as participações das doutoras Ana Pedro, presidente da Associação Portuguesa para o Estudo da Dor (APED), e Cristina Catana, pertencente ao centro multidisciplinar de dor do Hospital Garcia de Orta.
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