Longe vão os tempos em que os jogadores de futebol jogavam às cartas ou ténis de mesa para ocuparem os tempos livres. Mais recentemente, o futebol saltou dos relvados para as consolas, com os craques a baterem-se em videojogos para saber quem é o melhor.
Mas há cerca de dois meses o treinador do Benfica juntou na mesma frase Teqball e João Félix, algo que chamou a atenção do grande público para um desporto que há mais de dois anos seduz futebolistas e antigas glórias.
"Marcou o golo e foi oferecer ao irmão, marca três golos na Liga Europa e no outro dia está a jogar Teqball com os iniciados e juvenis". Estas são palavras de Bruno Lage, treinador do Benfica, numa conferência de imprensa após o jogo que opôs o Benfica ao Vitória de Setúbal e no qual João Félix marcou um golo.
Mas afinal o que é isto do Teqball? Esta terá sido, muito provavelmente, a pergunta que muitas pessoas fizeram depois desta conferência de imprensa. A verdade é que este desporto já conta com alguns anos e tem como grandes embaixadores antigas glória do futebol mundial, como Nuno Gomes, Simão Sabrosa, William Gallas, Christian Karembeu ou Ronaldinho Gaúcho.
Antes de lhe explicarmos o que é isto do Teqball, abrimos-lhe o apetite com este vídeo onde quatro jogadores da seleção brasileira - Neymar, Coutinho, Daniel Alves e Gabriel Jesus - deliciam-se com esta modalidade que é, tal como afirmam os seus praticantes, altamente viciante.
Ficou com vontade de experimentar? Já lhe contamos como pode fazê-lo, mas antes disso damos a palavra a quem já conhece, e bem, o Teqball, um desporto que está na linha da frente em Portugal.
Ideia húngara que chegou a Portugal em 2016
Tudo começou em 2014 quando dois cidadãos húngaros criaram este desporto que se inspira no futebol, juntando-lhe um toque de ténis de mesa. O Teqball pratica-se numa superfície curva (a teqboard), não existe contacto físico entre jogadores e tem como objetivo aprimorar a técnica, a concentração e a resistência dos seus praticantes.
"Há cinco anos dois húngaros criaram esta modalidade. No início pensaram utilizar uma mesa de pingue-pongue, mas depois chegaram a um acordo de que a mesa tinha de ser curvada para que a bola ressalte sempre face ao adversário. Esta é uma modalidade desportiva que cresceu até agora e está a ser divulgada no mundo inteiro", começou por explicar ao SAPO Desporto Karoly Henczi, presidente da Associação Portuguesa de Teqball (APTQ), cidadão de nacionalidade húngara, e que desde 2016 tem sido o principal impulsionador do Teqball em Portugal.
"Este jogo foi criado para ser um complemento ao futebol profissional. Há muitos futebolistas que estão a usar o Teqball nos treinos diários para aquecer depois de alguma lesão. O facto de não há contacto físico com o adversário também é usado para recuperação. Como exististem muitos toques e várias regras, melhora muito o primeiro toque que é muito importante no futebol. A prática do Teqball melhora muito o toque da bola e a habilidade dos profissionais".
Por ser jogado numa mesa semelhante às de pingue-pongue, uma das vantagens do Teqball é a de ajudar a desenvolver o toque de bola.
"O Silas, atual treinador do Belenenses SAD, disse-me há um ano ou dois que jogando Teqball quando ainda era profissional no Cova da Piedade melhorou muito o jogo de cabeça e que depois usou isso nos jogos de futebol", contou Karoly. Mas, afinal, porque é que a mesa é curva? "A mesa foi criada de uma forma mais côncava precisamente para que a bola ressalte diretamente para o adversário."
A comparação com o ténis de mesa é inevitável, mas Karoly esclarece que ao contrário desta modalidade, o Teqball não permite o uso das mãos.
"Eu acho que é mais parecido com o ténis de mesa. À primeira vista, a teqboard parece uma mesa de pingue-pongue. Quando comecei a divulgar este desporto em Portugal a primeira ideia das pessoas é que era uma mesa de pingue-pongue curvada. Claro que tem semelhanças, mas ao contrário do ténis de mesa, não se pode jogar com as mãos. Todas as outras partes do corpo, como a cabeça, os ombros, o peito, pernas, pé, podem tocar na bola, menos as mãos. É completamente diferente do que é o ténis de mesa. E a bola também não se parece nada com a de pingue-pongue porque a bola utilizada no Teqball é uma bola normal, do mesmo tamanho da que se usa quando se joga futebol."
Mas vamos lá às regras. O Teqball pode ser jogado em pares ou em singulares. Só podem ser dados até três toques até enviar a bola para o outro lado e não pode haver dois toques seguidos com a mesma parte do corpo. Por exemplo, se a receção é feita com o pé direito, então o passe para o colega ou remate têm de ser feitos com o pé esquerdo ou a cabeça. E quando se joga em pares, quem recebe o serviço não pode enviar logo para o outro lado, uma vez que a bola tem primeiro de ser passada ao companheiro.
Estes três aspetos são os mais importantes na distinção que deve ser feita entre o Teqball e o futevólei, um desporto também muito apreciado pelos futebolistas.
"Os atletas que praticam futevólei são os que mais rápido aprendem a jogar Teqball. Pela habilidade que têm com o futevólei, praticamente em algumas horas já se habituam. Os movimentos são muito semelhantes. Aqui a diferença está no campo", salientou Karoly Henczi.
Se já está com curiosidade em experimentar, então tenha cuidado. É que Karoly disse ao SAPO Desporto que é totalmente viciante. E nem o facto de os futebolistas poderem ver este desporto como uma possível brincadeira lhe retira confiança.
"Não, não concordo com essa ideia porque são jovens, quase miúdos. Os futebolistas são miúdos, gostam de brincar com tudo, e com o Teqball também. Por exemplo, os jogadores do Sporting perguntaram ‘Quando é que chega a mesa?’ porque queriam brincar no balneário. Eles não vão ser profissionais deste desporto, mas gostam de brincar uns com os outros. Isto é uma luta entre os jogadores. Eu já falei com o Beto (Team Manager) e o Hugo Viana (Diretor Desportivo) e eles disseram que os jogadores estão a jogar com força mesmo sem saberem as regras. É um vício. Quem começa a jogar não deixa de jogar porque é um vício. Os jogadores começam a jogar e querem logo ganhar ao outro", atirou.
Aceitação em Portugal e a Liga profissional de Teqball
Como todas as coisas novas, a entrada do Teqball em Portugal em 2016 passou por um período de provação e aceitação. Karoly Henczi recorda que a reação dos clubes, no início, não foi muito positiva.
"Como era uma coisa nova não foi muito fácil. Quando chega uma coisa nova que é muito parecida com o futebol e se quer entrar num clube a primeira reação muitas vezes não era positiva. O que eu sabia era que as crianças e até os mais velhos gostavam de jogar Teqball . Quando o Teqball aparece na rua para um evento, muitas pessoas chegam lá para ver e depois querem mesmo praticar. Eu vi isto em vários países. Numa praça onde passamos com uma teqboard, paramos e há muita gente que quer experimentar. Isto não depende de estarmos em Lisboa, Paris ou Budapeste, todos gostam de jogar. Como se joga com uma bola de futebol, que é o desporto-rei no mundo, as pessoas gostaram sempre, gostam agora e vão gostar no futuro", salientou. Este húngaro, há muitos anos em Portugal, garante que está a tentar que o nosso país seja o primeiro a ter uma Liga a sério.
O primeiro passo está dado. A Associação Portuguesa de Teqball já existe, mas no futuro poderá passar a Federação. A integração numa já existente também está em cima da mesa.
"Temos mantido contacto com a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), mas há muito tempo que não é um contacto regular. Ainda não sabemos se com a FPF ganhamos ou perdemos independência. Estamos a tratar deste assunto. É uma ideia porque a integração pode ser uma coisa boa. Ainda não sabemos, estamos a dar os passos para fazer um update para Federação, que também vai demorar. Somos uma associação pequena, com pouca força", disparou Karoly.
"Para passarmos a Federação precisamos de ter muitos clubes. Os clubes pagam uma quota às federações. Sem dinheiro, a nossa Federação não consegue funcionar como deve ser. Eu acho que a nossa associação/federação vai crescer, também com o apoio de patrocinadores que vêem com cada vez mais interesse o Teqball. Por exemplo, quando cheguei a Portugal em 2016 ninguém sabia nada sobre o Teqball. Se queria vender ou emprestar uma teqboard havia gente que não queria nem mesmo de borla. Agora, três anos depois, já nos ligam para alugar mesas para eventos. As pessoas estão a comprar as teqboard que antigamente não queriam nem de borla. As coisas estão a evoluir e vamos ver onde chegamos."
Mas, primeiro, há que fazer chegar aos clubes o Teqball, não apenas com a mesa para praticar, mas como modalidade desportiva.
"Os grandes clubes já têm todos mesas nos balneários. Benfica, Sporting, SC Braga, Guimarães. O que ainda não sabemos é onde pode chegar enquanto modalidade desportiva. Por exemplo, o Sporting está muito aberto ao Teqball. Estão a criar um espaço na Academia de Alcochete, já compraram várias mesas para integrar no treino diário. Avançamos pouco a pouco, passo a passo. Cada país é diferente, mas em geral pode dizer-se que as pessoas gostam de Teqball", vincou, antes de revelar a sua ambição:
"Há duas questões. Um coisa é ter uma mesa de teqball para os treinos diários como uma coisa complementar. A outra coisa é ter uma modalidade desportiva como vários clubes que têm hóquei em patins, futebol, natação, entre outros. É mais difícil, claro, ter uma modalidade num clube. Vai demorar muito mais tempo. Ter uma mesa a integrar os treinos já existe. O João Félix, por exemplo, já admitiu utilizar o teqball nos treinos. O Marcel Keizer adora teqball e comprou uma mesa para uso privado. Isto do teqball ser utilizado nos treinos pelos mais jovens ou pelos seniores já conseguimos alcançar. Agora, quero se que torne uma modalidade, mas isso vai demorar mais tempo."
Antes da passagem a Federação, a Associação Portuguesa de Teqball vai promover esta modalidade através de uma Liga promocional que arranca já no próximo ano.
"O que nós queremos é fazer uma liga promocional, que nós designamos como circuito nacional de Teqball, para o ano que vem e há muitos clubes, grandes e pequenos, que estão interessados em participar. A prova terá três ou quatro etapas, em cada mês uma etapa. Vão entrar clubes de primeira liga com jogadores já reformados, mas muito conhecidos. Não vai ser um torneio, mas uma liga promocional. Vai durar três ou quatro dias e vai ser em cidades diferentes. Depois somando os pontos alguém vai ganhar a liga. Já estamos a trabalhar nisso."
E para quando uma Liga profissional? Karoly prefere não estabelecer um prazo, mas acredita que Portugal pode ser pioneiro nesta competição.
"Não sei, depende de como vai responder o mercado à Liga de promoção. Imagine, eu tenho uma visão de que a Liga promocional de Teqball no próximo ano vai atrair muitas pessoas, muitos patrocinadores, muitos interessados como a televisão. Se a televisão se interessar pelo Teqball, se os clubes forem dando notícias sobre o Teqball, vai despertar o interesse das pessoas. Quando chego ao aeroporto de Lisboa e pergunto ao taxista que me vai levar se sabe o que é o Teqball ele não sabe o que é. Mas se lhe falar da mesa curvada onde jogam o Ronaldinho, o Simão Sabrosa, o Nuno Gomes, o Luís Figo já sabem o que é. O nome Teqball não é muito conhecido, mas pela mesa já sabem o que é", atirou, antes de acrescentar.
"Acho que Portugal pode ser o primeiro país com uma Liga profissional de Teqball. Estou a trabalhar muito nisto e, como nós dizemos em Portugal, ‘daria um dedo’ se Portugal conseguisse ser o primeiro país a ter uma Liga, e não um torneio, de Teqball. É muito importante para nós."
Para praticar esta modalidade vai precisar de uma mesa específica. Karoly explicou-nos que, para já, a mesa só pode ser adquirida online e que vem com transporte. Os preços não são muito baratos, mas a marca está a trabalhar nisso.
"As mesas são mesmo de competição. Pesam 164 quilos montadas. Têm um material que é à prova de qualquer tipo de clima. E por isso o custo é muito elevado. Custa 2000 euros a mesa que não é dobrável e a mesa que é dobrável são mais 500 euros. Mas estamos a criar umas mesas muito mais baratas de outro material que se podem comprar online. Assim, vai ser muito mais acessível a outros pequenos clubes que vão poder criar uma modalidade nova que é o Teqball. Esta mesa nova vai ter o custo de 600/700 euros", sublinha.
A título de curiosidade: as mesas de Teqball, como o próprio site oficial indica, podem ser utilizadas para teqvólei, teqpong e teqténis, ainda que, segundo Karoly, estas modalidades não sejam muito praticadas.
"Esta é uma multimodalidade. Pode-se jogar teqténis, teqvólei, outra forma é lançar a bola ao adversário que é o quatch (fusão entre andebol e squash) que é um muito bom treino para os guarda-redes. A mais importante modalidade é o Teqball, com a mesa que é a teqboard. As outras modalidades não são tão praticadas", atira.
Campeonato do Mundo de Teqball e a participação nos Jogos Olímpicos
Apesar de ser um desporto algo recente, o Teqball já conta com uma federação oficial. A Fédération International de Teqball (FITEQ) foi criada em 2017 - a sede é na Suíça - e tem dado passos muito rápidos para a organização e popularização do desporto. A FITEQ já organizou dois Campeonatos do Mundo de Teqball - na Hungria e em França - que contaram com a presença não só de atletas federados profissionais, como também de antigos futebolistas que já se renderam a esta modalidade.
"Como não há competições de seleções como no futebol, onde as equipas têm de passar por uma fase de qualificação, no Mundial de Teqball as coisas processam-se de uma maneira diferente. Aqui os países são convidados e em alguns países, mas muito poucos, realizam-se torneios para encontrar as pessoas que vão ao Mundial. Noutros países, como o caso de Portugal, havia várias pessoas que gostavam muito de jogar Teqball e essas foram escolhidas para ir ao Mundial", explica Karoly. "O Mundial de Teqball já tem qualificações, tem vários dias de jogos, há competições de singulares e de pares."
O último Campeonato do Mundo, no ano passado, foi disputado em França e teve a presença de 42 países. O Teqball tem praticantes em mais de 50 países e fornece o equipamento para equipas como Arsenal, Chelsea, Flamengo, Manchester United, Shakhtar Donetsk e Milan.
"Existe também a All-Stars Cup, que no ano passado decorreu no Luxemburgo, e temos os Beach Cup. Em junho vamos participar nos Jogos Africanos de Praia, que se realizam em junho na ilha cabo-verdiana do Sal, e o Ronaldinho Gaúcho vai ser o embaixador da competição. Temos também o Beach Cup Series, porque o Teqball também pode ir para a praia", indicou Karoly Henczi.
Apesar de não existirem praticantes profissionais em Portugal, Karoly Henczi apontou quem são, na sua opinião, os melhores jogadores de Teqball. "Temos dois Ronaldos, mas são portugueses. São o húngaro Adam Blazsovics que venceu o 1.º Campeonato do Mundo de Teqball e o romeno Barna Szecsi que venceu o segundo Mundial"
Robert Pirès, antigo internacional francês, é, a par de Simão Sabrosa, Nuno Gomes, Figo, William Gallas e Karembeu, Ronaldinho ou Materazzi, um dos antigos futebolistas que já se rendeu a esta nova modalidade e até já garantiu que tudo fará para que seja um desporto olímpico. Karoly também tem esse objetivo, mas aponta com cautelas para essa meta.
"Vai depender de muitas coisas. Se existirem competições reais nos países, isso avançaria nessa direção. Para ser um desporto olímpico é preciso cumprir muitas condições, e isso não é fácil. Há muitos desportos que querem chegar a modalidade olímpica, mas não é fácil porque há várias condições a respeitar", salientou.
O mais próximo que o Teqball vai estar de uma competição olímpica são os Jogos Asiáticos de 2021. "Estamos a crescer de uma maneira muito rápida. Por exemplo, o Teqball já foi aceite como modalidade desportiva nos Jogos Asiáticos de 2021. A ideia dos fundadores é crescer de tal maneira que algum dia seja considerado um desporto olímpico."
Ficou com curiosidade de experimentar? Espreite então os sítios onde pode dar uns toques ou que sabe iniciar a prática de Teqball.
Locais para experimentar
LISBOA
Est. do Seminário, Complexo Desportivo, Alfragide
PORTO
Vitalis Park, campo de treinos do FC Porto, na rua da Constituição
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