No planeta dos desportos de combate, existem países e regiões especiais por serem fundadores de artes marciais, como a Tailândia (pátria do Muay Thai), o Brasil (pátria do Jiu-Jitsu Brasileiro) ou o Japão (pátria de várias artes marciais); e por serem a casa de milhares de praticantes e atletas condecorados, como é o caso dos EUA. Contudo, há uma região remota e desconhecida de grande parte do mundo ocidental que se tem vindo a revelar uma verdadeira fábrica de campeões – o Daguestão.

Para compreender o sucesso dos lutadores desta pequena região com quase três milhões de habitantes, mas com um espírito guerreiro gigante, importa compreender a sua história.

O Daguestão é uma periférica e pobre república da Federação Russa, situada nos confins do montanhoso Cáucaso Norte.  A par da vizinha Chechénia, o território que hoje conhecemos como Daguestão foi disputado por diversos povos e impérios como o Persa e o Russo, tendo estado sempre em “estado de guerra” até a anos mais recentes, nomeadamente com o turbulento impacto dos movimentos armados fundamentalistas islâmicos de independência face ao domínio russo. O Daguestão moderno é o resultado de todos esses conflitos que originaram uma população caucasiana multiétnica e fortemente marcada e unida pelo islão.

Os desportos de combate representam um caminho alternativo e glorioso para aqueles que não enveredam pelo lado negro do crime organizado e do terrorismo islâmico, que tornou o Daguestão numa das regiões mais inseguras da eurásia. Os atletas desta região são o produto de dois ingredientes: uma história e cultura guerreira aliada a uma ética de alta competição olímpica, herdada da União Soviética.

Falar do Daguestão, é falar de wrestling (luta olímpica, em português). O wrestling está para esta região como o rugby está para a Nova Zelândia. Trata-se do desporto nacional praticado por todos os jovens desde tenra idade. O resultado tem sido estrondoso: nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, os wrestlers desta pequena república conquistaram cinco medalhas; nos campeonatos nacionais russos é comum constatar que a maioria dos medalhados são originários do Daguestão; e o atleta mais dominante da atualidade é o campeão olímpico e tetra campeão mundial Abdulrashid Sadulaev.

Foi a partir do wrestling que entretanto nasceram os novos super-heróis do Daguestão – os lutadores de MMA, encabeçados por Khabib Nurmagomedov, Magomedsharipov e Islam Makhachev. As três estrelas do UFC são os exemplos mais populares de uma legião de atletas que cada vez mais se destaca nas principais organizações de MMA. Muitos destes atletas emergem do clube Eagles MMA, um viveiro de futuros campeões co-fundado pelo próprio Khabib.

Para além do wrestling, os lutadores de MMA do Daguestão têm tipicamente uma formação sólida em sambo, uma arte marcial soviética moderna com origens no judo, kickboxing, wrestling, entre outras.

São incontáveis os atletas provenientes desta pequena região que se têm notabilizado nos desportos de combate, como por exemplo Sultan Ibragimov, ex pugilista campeão do mundo de pesos pesados da WBO, ou, mais recentemente, Dzhabar Askerov um nome forte no circuito mundial de kickboxing.

Os desportos de combate, nomeadamente o MMA, têm desempenhado um papel crucial no desenvolvimento desta região. Por um lado, representam uma escola de valores para os jovens praticantes, afastando-os da marginalidade e dando-lhes a hipótese de construírem um futuro melhor; e, por outro lado, colocam o Daguestão no mapa pelas melhores razões, atraindo investidores, atletas e fãs de todo mundo.

Países como Portugal poderão ter como referência este notável exemplo, no sentido de mudar a vida de muitos jovens atletas e também participar na cada vez mais milionária indústria dos desportos de combate.

David Pimenta

Gestor e Politólogo, autor do blogue “Fight Corner” (https://fightcorner.blogs.sapo.pt/)