Com Portugal a deslumbrar e a fazer história no Mundial de Andebol de 2025, o SAPO Desporto falou com Nuno Alvarez, 'Master Coach' de andebol, que passou pela coordenação técnica do Sporting, tendo treinado os escalões de formação do Benfica, assim como as equipas seniores de CF Belenenses e Boa Hora, e que atualmente orienta uma equipa do escalão principal do campeonato nacional de andebol da Coreia do Sul, os SK Hawks.

Foi precisamente a partir daquele país asiático que esteve à conversa connosco, para olhar para a histórica e "muito competente" campanha de Portugal até ao momento no Mundial 2025, antever a partida desta sexta-feira contra uma Dinamarca que "estsá noutro patamar", dar a sua opinião sobre o desenrolar da competição e falar sobre o desenvolvimento da modalidade em Portugal nos últimos anos.

Acompanhar os jogos, desde o outro lado do mundo, admite, não tem sido fácil. Mas tem compensado, sublinha. "Tenho conseguido ver os jogos. Obriga a uma logística grande e a andar com algumas olheiras, mas tem valido a pena", garante.

O jogo com a Alemanha

Ainda assim, Nuno Alvarez, obviamente, não tem perdido pitada da competição, olhando naturalmente de forma mais atenta para os jogos de Portugal. E foi mais um dos muitos portugueses a sofrer com a épica vitória dos nossos 'Heróis do Mar' sobre a Alemanha, nos quartos-de-final, após prolongamento.

"Acreditei sempre. A partir do momento que me escolheu cruzarmos com a Alemanha e independentemente de saber do poderio deles, acreditei que era possível. E com a entrada que tivemos em jogo, mais ainda. Depois houve muito sofrimento ao longo do jogo, mas pareceu sempre que Portugal estava mais confiante, que as coisas nos estavam a sair de forma mais fluída. E mesmo naquelas alturas, ali na segunda parte, em que acumulámos duas exclusões sucessivas, não perdemos o norte, continuámos dentro do jogo, mantivemo-nos fiéis àquilo que temos feito sempre. E acho que fomos justíssimos vencedores", disse.

O que esperar da meia-final com a Dinamarca

Agora, segue-se a tricampeão do mundo e campeã olímpica Dinamarca. A melhor seleção do mundo. Mas podemos sonhar.

"A Dinamarca contínua a estar num patamar acima de todas as outras. Mas já mostrámos que para nós nada é impossível, embora vá ser difícil. Vai depender muito não só da nossa entrada no jogo, porque acredito que vamos ter uma entrada forte, à semelhança do que fizemos em todos os jogos anteriores, mas também da gestão dos momentos do jogo, porque nós vamos errar, e eles vão errar. A questão é que, quando errarmos, teremos de ter uma recuperação defensiva muito forte. Porque a Dinamarca é letal", lembra.

"A transição ofensiva deles é algo em que têm uma eficácia enorme e falham muito pouco na finalização. É brutal. Mostraram isso no jogo dos quartos de final com o Brasil. Desde o início desse jogo que a Dinamarca marcou essa diferença a esse nível. Mas tenho a certeza que os jogadores portugueses e toda a equipa técnica sabem disso e que prepararam isso com muita atenção", garante.

"É uma meia final, tudo é possível. Quando se chega a uma fase destas, não é preciso motivar ninguém"

"É uma meia final, tudo é possível. Quando se chega a uma fase destas, não é preciso motivar ninguém. Toda a gente está em superação, e toda a gente acredita que podemos ganhar, tenho a certeza que sim.", sublinha

A campanha de Portugal até ao momento

Portugal entrou em cena com um triunfo fácil (e expectável) sobre os Estados Unidos. Seguiu-se uma vitória sobre outra das surpresas deste Mundial, o Brasil, e uma grande vitória sobre a 'velha conhecida' Noruega. Depois, na fase principal, o nível subiu, com Portugal a terminar no primeiro lugar de um grupo do qual faziam também parte as potências Suécia e Espanha.

"Sinceramente, eu esperava uma boa campanha... O nosso grupo inicial, dependeria muito dos resultados que fizéssemos extra Estados Unidos. Nesse jogo  o importante seria que ninguém se lesionasse, que ninguém fosse suspenso, que toda a gente estivesse operacional para os dois jogos que se seguiam, esses sim eram verdadeiras finais. E aí fomos bastante competentes e passámos com muita confiança à Main Round. Sinceramente, esperava um pouco mais da Suécia. No geral, esperava mais da Suécia e da Noruega. A Espanha está em renovação, e ainda não entusiasma a jogar. Mas claro que o nosso apuramento perante estes adversários acabou por ser notável, frisa Nuno Alvarez.

"Acho que temos sido sempre muito competentes. Temos tido entradas muito fortes no jogo, somos muito seguros nos processos. Temos gente ali a defender que, de facto, para quem colocava dúvidas há uns tempos atrás sobre a nossa capacidade defensiva, tem respondido à altura e continua a aparecer gente que consegue desempenhar as mais variadas funções. E temos continuado a evoluir, a demonstrar-nos cada vez mais competitivos".

Balanço da competição

Tem sido um Mundial com várias surpresas, novos países a emergirem, como Portugal e Brasil, outros a desiludirem. Mas o equilíbrio tem sido uma das notas dominantes, como sublinha Nuno Alvarez. A prová-lo, o facto de nos quartos de final três dos quatro embates terem sido decididos por apenas um golo de diferença.

"Tem havido muito equilíbrio, como foi visível nos quartos de final, tirando o jogo do Brasil com a Dinamarca. E o Brasil também surpreendeu para chegar até ali. Ninguém pensaria que o Brasil passasse a Main Roud", lembra.

"Toda a gente esperava mais de Espanha, Suécia e Noruega. As outras foram cumprindo. O Egito, que é uma seleção que eu gosto muito, teve o azar de ser emparelhado com a França nos 'quartos', mas acaba por só perder no último lance da partida e não me surpreende. Surpreendeu-me ver a Croácia tão consistente e chegar mais longe do que eu estava à espera, mesmo jogando em casa e a Arena de Zagreb ter muito peso", diz, sobre os primeiros finalistas deste Mundial.

A evolução no andebol em Portugal

E ao que se pode dever este brilharete de Portugal, a confirmar os passos em frente dados nos últimos anos?

"Penso que este é um processo que já vem de há muitos e muitos anos. Este desempenho pode surpreender, se calhar, algumas pessoas menos atentas, até porque o andebol não é uma modalidade tão vista pelos portugueses como, claro, o futebol. Mas este é o processo que já ocorre há muitos, muitos, muitos anos. Esta geração, que está agora na nossa seleção, já tinha antes dado cartas em mundiais de sub-20, por exemplo, já tinham alcançado feitos internacionais de registo. E eu acho que é a partir daí que, de facto, paulatinamente, Portugal começa a marcar presença em todas as fases finais europeias e mundiais. Houve essa transferência dos escalões jovens para a seleção sénior", explica Nuno Alvarez.

"Um treino com mais qualidade desenvolve atletas com mais qualidade, equipas com mais qualidade e portanto isso acaba por também desaguar nas próprias seleções nacionais"

"Passou a haver também, do ponto de vista dos treinadores e das entidades que certificam e ministram os cursos certificados em Portugal, passou a haver uma abordagem mais séria, um investimento mais sério. E notou-se aí um salto qualitativo. Todo o processo de treino passou a ter mais qualidade. Isso foi notório, porque um treino com mais qualidade desenvolve atletas com mais qualidade, equipas com mais qualidade e portanto isso acaba por também desaguar nas próprias seleções nacionais. Tivemos o FC Porto na Liga dos Campeões, o Sporting agora a dar cartas na Liga dos Campeões, tivemos o Benfica que ganhámos uma Taça Europa e temos a consequência disso tudo, que são atletas a passarem a jogar em grandes equipas e a nossa seleção é o produto disso tudo. É o aglutinar de toda essa qualidade individual, que se torna depois na qualidade coletiva que nós vemos", termina.