A ex-nadadora paralímpica Maria João Morgado elogia Alex Roca, que, com uma incapacidade de 76%, concluiu a maratona de Barcelona, mas alerta para a necessidade de contextualizar, antes de se assumir que o espanhol conseguiu “um feito inédito”.
“Não se pode desvalorizar o feito de uma pessoa com paralisia cerebral ter conseguido correr uma maratona, mas é essencial perceber as características físicas”, disse Maria João Morgado à agência Lusa, lembrando que as tabelas de incapacidade não são uniformes na Europa.
A antiga nadadora paralímpica, que marcou presença nos Jogos Sydney2000 e Atenas2004, considera “pouco preciso dizer, como se tem dito nas notícias” que Álex Roca se tornou, no domingo, a primeira pessoa com uma incapacidade de 76% a concluir os 42,195 quilómetros da maratona de Barcelona em 5:50,51 horas.
“Elogio a pessoa com os pés na terra, mas é abusivo dizer que é o primeiro. Será, provavelmente, o primeiro com aquelas características”, afirma, deixando um lamento: “É muito mais bombástico escrever isto de ser o primeiro, do que fazer um texto contextualizado e explicar que as pessoas são diferentes e têm capacidades diferentes”.
Maria João Morgado, que tem paralisia cerebral e uma incapacidade de 80%, duvida muito que Álex Roca, que tem o lado esquerdo do corpo imobilizado, seja o primeiro a conseguir terminar uma maratona com um grau de incapacidade de 76%.
“Além das pessoas que fazem a maratona em cadeira de rodas, há, quase de certeza, atletas nas competições adaptadas com um grau de incapacidade idêntico que já o fizeram”, refere Maria João Morgado, admitindo que a sua opinião pode fazer com que algumas pessoas a olhem como “bruta e insensível”.
“É muito complicado não passar por bruta e insensível. Muitas vezes sinto que só somos vistos de duas formas: ou somos super-heróis, porque conseguimos algo que os outros acham fantástico, ou somos desgraçadinhos, porque precisamos de ajuda”, afirma, assumindo-se “cansada da dicotomia de pessoas com deficiência versus pessoas sem deficiência”.
Aos 44 anos, a antiga atleta, que vive em Almada e trabalha numa empresa de consultoria em sustentabilidade, deixa um alerta: “Não somos nós [pessoas com deficiência] contra vocês [pessoas sem deficiência], nem vocês contra nós, temos de ser todos com todos, porque todos ganhamos se as coisas estiverem acessíveis a todos”.
“Se eu quero que os outros se ponham no meu lugar, também tenho que me pôr no dos outros. Não me ponham nunca como a desgraçadinha a apelar ao sentimento, eu não sou especial. Especial é o menu do dia, eu sou a Maria João, com os meus defeitos e as minhas virtudes, como qualquer pessoa”, prosseguiu.
Maria João Morgado assume que ela e o marido, também deficiente, tentam “desconstruir de forma natural muitos mitos” que existem sobre incapacidades, tendo “um emprego e uma vida normal”.
“Eu quero ser como o comum dos mortais. Não vivo só na redoma da deficiência, sou muito mais do que a minha deficiência”, assume.
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