Os desportistas quase nunca estão preparados para as transições que ocorrem nas suas carreiras, embora estejam permanentemente a enfrentá-las, defendeu hoje o professor Paul Wylleman, durante um evento dedicado à saúde mental organizado pela Comissão de Atletas Olímpicos.
“Está na hora de o tema deixar de ser o elefante na sala”, defendeu Diana Gomes, presidente da Comissão de Atletas Olímpicos (CAO), no arranque do Power Talks dedicado à saúde mental na transição de carreira, com o mote a ser ‘agarrado’ pelo especialista nas áreas de psicologia desportiva, gestão de carreira e de desempenho desportivo e saúde mental dos atletas.
Paul Wylleman começou a sua intervenção, na sede do Comité Olímpico de Portugal (COP), em Lisboa, notando que para entender o pós-carreira de um desportista é preciso “entender o que aconteceu antes” no seu percurso.
“É preciso falar com os atletas sobre a carreira, não é suficiente falar apenas sobre o pós-carreira. Todas as carreiras desportivas são uma sucessão de transições. As transições têm sempre um impacto no desenvolvimento, performance e bem-estar do atleta”, argumentou, antes de salientar que “a saúde mental não é determinada pela transição, mas sim pela forma como o atleta lida com ela”.
De acordo com o professor da Vrije Universiteit de Bruxelas, que colaborou com a Missão neerlandesa em Tóquio2020 e que atualmente trabalha com o Comité Olímpico belga e também com o japonês, “os atletas quase nunca estão preparados para uma transição, apesar de estarem sistematicamente a enfrentá-las”.
“O sistema não fornece mecanismos aos atletas para estes se prepararem para a transição”, considerou, defendendo que “o final da carreira é a transição mais importante enfrentada por todos os atletas”.
Numa longa intervenção, em que abordou temas como a importância de dotar os desportistas com “um quadro para que possam entender o seu percurso” ou a existência de problemas de saúde mental mesmo em atletas com “elevados níveis de bem-estar”, Wylleman alertou para o facto de, “às vezes”, se aprender “muito mais a ouvir do que através de testes”.
“Precisamos de olhar mais para os motivos que levam os atletas a caminharem para o fim da carreira”, vincou, já depois de apontar os diversos fatores que podem levar um desportista a pôr termo ao seu percurso competitivo, que variam entre a realização de objetivos, as lesões, a falta de apoio federativo ou do entorno, a vontade de ter tempo para si mesmo e para fazer outras coisas ou a falta de motivação, provocada por stress, ansiedade ou pressão.
No entanto, o pós-carreira apresenta outros desafios, com o especialista a revelar que 29% dos ex-atletas de alta competição enfrentam problemas de ansiedade/depressão, 27% distúrbios alimentares, 23% consumo de álcool, 22% distúrbios de sono e 18% a sensação de angústia – e 16% apresenta, pelo menos, dois sintomas.
Perante uma plateia que contou com a presença de atuais e antigos atletas, como o lançador Francisco Belo, a atleta Cátia Azevedo, o canoísta Emanuel Silva, o triatleta João Silva ou o velejador João Rodrigues, o especialista belga alertou para a necessidade de pensar atempadamente naquilo que farão quando deixarem o desporto, sem esquecer os treinadores.
Para isso, é obrigatório “terem noções de gestão de carreira”, mas também de comunicação da mesma, nomeadamente conseguir explicar a outros quais são os planos que têm, as qualidades e até os defeitos, fomentando o ‘networking’.
O saber lidar com o stress, ter autoconfiança e a capacidade de procurar soluções, numa atitude centrada na resolução de problemas, também são características essenciais, segundo Wylleman, que definiu esta dimensão como a “resiliência da carreira”.
“Penso que, às vezes, os nossos políticos não entendem o que podem fazer além de dar dinheiro e sair na foto com os atletas nos Jogos Olímpicos”, referiu, chamando à atenção para a ausência de programas para o pós-carreira dos atletas.
“Penso que podemos dizer aos nossos políticos que podem fazer um pouco mais com um pouco mais de dinheiro”, reforçou, estimando que os anos que os desportistas dedicam à alta competição deveriam refletir-se nos salários quando estes encontram uma profissão após abandonarem o desporto.
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