“O grupo gostava de ser provocado. Muitos jogadores saíam de casa para trabalhar cedo e em tenra idade e estavam habituados a ser competitivos. Desafiar não era deixá-los à sorte, mas fazer com que se transcendessem cada vez mais, até ao ponto de um dia naturalmente acontecer o que aconteceu”, frisou à agência Lusa o treinador, de 62 anos.

Então a disputar a III Divisão, logo abaixo da I e II Ligas e da extinta II Divisão B, o clube de Sandim começou por deixar pelo caminho Juventude de Ronfe (2-0), Cabeceirense (4-2) e Elvas (2-0), todos do quarto escalão, sempre após prolongamento e como visitante.

“A primeira coisa que os atletas faziam era chegar ao balneário no outro dia de manhã e apostar sobre que adversário iria sair no sorteio. Independentemente da consciência das dificuldades, sentia-se que nunca se davam como derrotados. Eram grandes homens e hoje é muito difícil encontrar um grupo de trabalho que pense desta maneira”, lembrou.

Seguiu-se novo êxito fora de portas frente ao Paços de Ferreira (1-0), que seria campeão da II Liga em 1999/00, e um triunfo no único jogo caseiro, frente ao ‘vizinho’ Vilanovense (2-0), da II Divisão B, antes da reviravolta sobre o Estrela da Amadora (2-1), da I Liga.

“Fomos criando uma série de desafios psicológicos durante semanas e percebia-se que desafiar nesse dia uma equipa do nosso campeonato ou o Estrela da Amadora era uma tarefa muito idêntica. O grau de dificuldade era maior, mas não queríamos falar disso, porque teríamos bem mais capacidade olhando para o percurso em vez do final”, notou.

Na Reboleira, os pupilos de Ulisses Morais ainda sofreram um autogolo de Elísio logo no minuto inaugural, mas Pinheiro tornou-se ‘herói’ em Sandim, ao ‘bisar’ aos 23 e 90+2, afastando o vencedor da prova ‘rainha’ em 1989/90, então treinado por Jorge Jesus.

“É evidente tem que haver um conjunto de fatores. Temos de nos superar, de encontrar o adversário num dia em que provavelmente esteja um pouco menos concentrado e de haver jogadores que aproveitam para fazer o ‘último dia’ da sua oportunidade. A Taça de Portugal era um meio que tínhamos para chegar um bocadinho mais além”, assumiu.

Os Dragões Sandinenses voltavam a eliminar o Estrela da Amadora nos oitavos de final, tal como sucedera em 1996/97, no mesmo estádio e com idêntico resultado, para se cruzar depois com o Sporting, prestes a sagrar-se campeão nacional ao fim de 18 anos.

“O clube era gerido ao tostão e as pessoas pediam porta a porta em alturas específicas para ajudar a cumprir com os salários. Todos tinham uma comparticipação monetária e o clube não sobrevivia sem a carolice do povo. Era o exemplo que os clubes procuravam, mas só estava ao nível de regiões bairristas. Estiveram quatro ou cinco mil adeptos em Alvalade e falamos de uma localidade que tinha pouco mais do que isso”, enalteceu.

Em 09 de fevereiro de 2000, os gaienses subiram ao relvado com Jorge Baptista, Teófilo dos Santos, Paulo Bento, Elísio, Armindo Almeida, Alex, Paulo Gomes, Pinheiro, Hugo Robalinho, Paulo Sousa e Lourenço e foram resistindo ao expectável domínio ‘leonino’.

Só que, quando os adeptos da casa já assobiavam os jogadores do Sporting, o espanhol Toñito acabou com a esperança dos Dragões Sandinenses, ao marcar aos 76 minutos, numa contagem avolumada pelo brasileiro Marcos, aos 83, e Afonso Martins, aos 90+4.

“É evidente que ir a Alvalade e estar numa expectativa de 80 minutos cria um sentimento amargo, mesmo sabendo que o desafio após cada eliminatória se tornava cada vez mais perto do impossível”, admitiu Ulisses Morais, face a um Sporting que tinha superado na ronda anterior o Benfica, ‘carrasco’ dos gaienses nos quartos de final (1-5), em 1996/97.

Se os ‘leões’, orientados por Augusto Inácio, viriam a perder a final da Taça de Portugal com o FC Porto, num jogo de desempate, o conjunto de Sandim falhou em 1999/00 a subida à II Divisão B, ao ficar no quinto lugar da Série B da III Divisão, com 54 pontos.

“O desafio não atemorizava o grupo. Sentia isso no campeonato como nesta prova, em que só nos derrotaram nos últimos 15 minutos em Alvalade. Não sendo uma proeza fácil, naquele tempo era tão ou mais difícil. As diferenças hoje reduzem-se, mas afastavam-se muito na altura. O mérito é todo do grupo, do clube e de uma região fantástica”, vincou.

Mais de duas décadas depois, o Leça, do Campeonato de Portugal, voltou a colocar um clube do quarto escalão nacional nos oito finalistas da Taça de Portugal e vai receber o campeão nacional Sporting na terça-feira, num jogo deslocado para Paços de Ferreira.

Pela 21.ª vez em 82 edições, a prova ‘rainha’ tem representação daquela divisão nos ‘quartos’, tendência vulgarizada entre as décadas de 1940 e 1970 por emblemas dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, ainda ausentes dos campeonatos nacionais.

Já durante a vigência da II Divisão B enquanto terceiro escalão, de 1990/91 a 2012/13, a III Divisão foi ganhando representação entre os oito finalistas graças aos inesperados Trofense (1993/94), Dragões Sandinenses (1996/97 e 1999/00) e Freamunde (1997/98).