O futebolista internacional português Jorge Ribeiro tem refletido sobre o adeus aos relvados durante o confinamento motivado pela pandemia de covid-19, que antecipou uma despromoção “injusta” do ‘secundário’ Casa Pia ao Campeonato de Portugal.
“Neste momento, não estou a pensar em jogar e quero avançar para outra fase da minha vida. Esta pausa serve para pensar muita coisa, descansar um pouco e ponderar o que irei fazer. Não posso dizer que vou jogar até aos 40 ou 41 anos, porque muitos clubes vêm um jogador de 38 com outros olhos. Sinto-me bem fisicamente, mas há outras coisas mais importantes, como a família”, sublinhou à agência Lusa o ex-defesa dos ‘gansos’.
Jorge Ribeiro, de 38 anos, representou o 14.º emblema distinto na carreira entre julho e fevereiro e contribuiu com quatro golos, em 21 encontros, para a estreia do Casa Pia nas ligas profissionais, mas a chegada do treinador Ricardo Peres na viragem do ano civil coincidiu com uma “saída pacífica” de Pina Manique, perto da zona onde cresceu.
“Foi uma decisão pessoal. Senti que tinha condições para acabar a temporada ali, mas falei com as pessoas do clube e decidi, e bem, enveredar por outras opções. Apesar dos convites do Brasil, percebi que o dinheiro não é tudo na vida e o futebol é só uma bola. Vim para Faro e tenho estado ao pé dos quatro filhos e da minha mulher”, partilhou.
Dos relvados para o conforto do lar, o lateral formado no Benfica passou a acompanhar à distância a prestação do Casa Pia na II Liga, cuja segunda volta prolongou a carência de triunfos e foi interrompida devido ao novo coronavírus em 12 de março, deixando os ‘gansos’ no 18.º e último lugar, com 11 pontos, 13 abaixo da zona de salvação.
“Nem todos esperavam a subida, que aconteceu por mérito dos jogadores, treinadores e estrutura. Encontrei uma estrutura boa e forte, só que a II Liga envolve outras coisas e as três mudanças de equipa técnica custaram. Ainda assim, faço um balanço positivo. O Casa Pia tem condições fabulosas e precisa de crescer cada vez mais”, apontou.
O Governo excluiu a continuidade do segundo escalão, suspenso desde 12 de março e com 10 rondas por cumprir, do plano de desconfinamento face à covid-19, ao invés da I Liga e da final da Taça de Portugal, tendo a direção da Liga Portuguesa de Futebol Profissional fixado a despromoção dos lisboetas e do Cova da Piedade, em 05 de maio.
“Mesmo não sendo uma descida no campo, veio fazer com que a estrutura tenha ficado um bocado desacreditada. Isso é normal, porque foi uma decisão injustamente injusta. Independentemente do coronavírus, pelo menos mereciam acabar o campeonato, até porque havia disponibilidade para lutar pela manutenção”, lamentou.
Puxando pela experiência amealhada nas três divisões cimeiras, Jorge Ribeiro alarga as críticas ao desfecho do Campeonato de Portugal, já que a Federação Portuguesa de Futebol optou por indicar Vizela e Arouca, os dois clubes mais pontuados, para a subida à II Liga em 02 de maio, prescindindo dos ‘play-offs’ com outros seis emblemas.
“Se vai dar para concluir a I Liga, porque é que as outras provas também não têm esse direito? Fiquei muito chocado com estas decisões, porque há objetivos em jogo. Já passei pela terceira divisão e sei que há equipas com orçamentos bons que apostam para subir, mas depois aparece uma decisão destas que não tem qualquer cabimento”, reprovou.
O esquerdino aprova a introdução de um novo terceiro escalão a partir de 2021/22, que “vai atenuar” a transição do Campeonato de Portugal para a II Liga, onde competiu entre 2013 e 2016 por Desportivo das Aves e Atlético, antes de baixar às divisões não profissionais para abraçar o início da marcha ascensional do Farense rumo à elite.
“Claro que esta subida me dá gozo. É merecido para uma instituição histórica e especial, com adeptos fervorosos que nos seguiam para todo o lado. Quiseram acabar com o clube, mas este presidente [João Rodrigues] e alguns membros da claque conseguiram subi-lo degrau a degrau. Não foi da melhor maneira, mas não têm culpa disso”, observou.
Essa aventura de dois anos no futebol amador “não chocou” e até “serviu de aprendizagem” para Jorge Ribeiro, que debutou aos 18 anos na Luz, ao lado do irmão Maniche e sob olhar do técnico alemão Jupp Heynckes, num trilho distinguido pela nona e derradeira internacionalização com a seleção das ‘quinas’ em pleno Euro2008.
“Atravessar todos os escalões foi admirável. Se estar na I Liga não me ia fazer mais feliz, fui para as outras divisões pelo prazer de poder jogar e ajudar projetos aliciantes. É de louvar ver jogadores que não pensam em dinheiro, têm dois trabalhos para sustentar a família e ainda se esforçam para treinar e jogar sem ganhar praticamente nada”, ilustrou.
Distanciado do epíteto de irmão de Maniche, que “não chateava nem era um trauma”, mas que o levou a recusar convites de clubes onde estava o campeão europeu pelo FC Porto e finalista do Euro2004, para “evitar confusões e associações”, o lateral guarda “boas amizades” de um futebol “podre, cheio de inveja e egos”, no qual deixou de se rever.
“Não é que não haja motivação, senão não jogava até esta idade, mas sou muito pela espiritualidade e quero ajudar os outros. Posso vir a ser hipnoterapeuta ou abrir um centro de ‘reiki’. É isso que me preenche e não penso em mais nada”, frisou o antigo lateral dos russos do Dínamo de Moscovo e dos espanhóis do Málaga e do Granada, com 118 jogos na I Liga, entre Benfica, Varzim, Gil Vicente, Aves, Boavista e Vitória de Guimarães.
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