O ex-oficial de ligação aos adeptos do Sporting Bruno Jacinto assumiu hoje em tribunal que omitiu a um agente da PSP a informação de que um grupo da claque Juventude Leonina ia deslocar-se à academia de Alcochete.

O arguido contou que na noite de 14 de maio de 2018 (segunda-feira, véspera do ataque) recebeu um SMS de Tiago Silva, da direção da Juventude Leonina (JL), informando que alguns elementos da claque iriam à academia para confrontar verbalmente a equipa devido à insatisfação pelo não apuramento para a Liga dos Campeões e aos atritos verificados no Aeroporto da Madeira na noite anterior.

Bruno Jacinto disse ao coletivo de juízes que nessa noite reportou a situação por mensagem ao então diretor-geral do clube André Geraldes, na qual mencionava que um grupo da claque ia à academia para falar com a equipa e o treinador Jorge Jesus.

Na resposta, André Geraldes questionou, ainda nessa noite, “quando”, com o arguido a responder “amanhã” (15 de maio).

Em 15 de maio, dia do ataque, por volta da hora de almoço, um elemento dos ‘spotters’ (equipa da PSP responsável pelo acompanhamento das claques), dado o contexto conturbado que o Sporting vivia e depois do que se tinha passado no Aeroporto da Madeira, perguntou a Bruno Jacinto se “ia alguém à academia”, mas o arguido respondeu-lhe que “não sabia se ia alguém”.

A revelação consta de um memorando escrito por Bruno Jacinto em finais de setembro, inícios de outubro de 2018, a pedido de um vice-presidente do Sporting, que lhe pediu para colocar por escrito a sua versão dos factos.

O arguido foi confrontado na tarde de hoje com esse documento, que está junto aos autos, o que levou o coletivo de juízes a questionar Bruno Jacinto sobre as razões que o levaram a não comunicar à PSP, pelo menos, de que havia conversas sobre a ida da claque à academia de Alcochete.

“Não achei relevante. Das outras vezes que as claques foram à academia não se passou nada e não havia ‘spotters’ nem agressões físicas. Não avaliei a situação dessa forma”, respondeu Bruno Jacinto.

Bruno Jacinto foi o único dos 43 arguidos presentes (Fernando Mendes, ex-líder da JL, justificou a ausência devido a questões de saúde) a querer prestar declarações na primeira sessão do julgamento da invasão à academia do Sporting, em Alcochete, distrito de Setúbal, em 15 de maio de 2018, que começou na manhã de hoje no Tribunal de Monsanto, em Lisboa.

Este arguido contou que quando chegou à academia viu cinco elementos da claque JL, arguidos no processo, entre os quais Fernando Mendes, a falar com o jogador William Carvalho e outros elementos do 'staff' do clube, numa altura em que o ataque já tinha acontecido e do qual afirmou nunca ter tido conhecimento.

O ex-funcionário do Sporting relatou ainda que em abril de 2018, um ou dois dias após a derrota em Madrid e o ‘post’ feito na rede social Facebook pelo então presidente do clube Bruno de Carvalho, houve uma reunião na sede da Juve Leo, conhecida como ‘casinha’, junto ao Estádio de Alvalade, na qual marcaram presença Bruno de Carvalho, André Geraldes e entre 40 a 50 elementos da claque Juve Leo, incluindo a sua direção.

O aviso a Geraldes

O arguido contou ao coletivo de juízes, presidido por Sílvia Pires, que não esteve no Aeroporto da Madeira após a derrota frente ao Marítimo, no qual alguns elementos da claque confrontaram os jogadores, acrescentado que só teve conhecimento dos desacatos através das televisões.

Bruno Jacinto explicou que chegou a Lisboa, vindo da Madeira, no dia do ataque, e que, pelas 14:00 teve conhecimento através de uma mensagem de texto (SMS) enviada por Tiago Silva, um dos membros da direção da Juve Leo, de que alguns elementos da claque iriam à Academia, devido à insatisfação pelo não apuramento para a Liga dos Campeões e ao que se tinha passado no Aeroporto da Madeira.

O arguido explicou que “reportou esta situação por mensagem” ao então diretor-geral do clube André Geraldes, de que alguns elementos da claque Juve Leo se iam deslocar à Academia, para falarem com jogadores e com o treinador Jorge Jesus, devido aos maus resultados, e que, desde a sua criação, em 2004, as claques já tinham ido à Academia quatro a cinco vezes.

Pelas 15:00 de 15 de maio, encontrou-se com o arguido Tiago Silva junto ao multidesportivo, o qual lhe confirmou que iam à Academia, mas sem lhe dizer “o que iam lá fazer”, sublinhando que não teve noção “de quantas pessoas” é que se iriam deslocar até Alcochete.

Bruno Jacinto afirmou que tentou falar “novamente” com André Geraldes, o qual disse que reportava ao então presidente do clube Bruno de Carvalho, um dos 44 arguidos, durante várias vezes, por telefone, mas não “obteve resposta” do diretor-geral do Sporting à data dos factos.

Pelas 16:45, como não conseguia falar com André Geraldes, o antigo oficial de ligação aos adeptos “achou por bem” contactar com o então responsável pela segurança da Academia Ricardo Gonçalves, o qual lhe perguntou o que é que os elementos da Juve Leo iam lá fazer.

Bruno Jacinto respondeu que estes elementos da claque iam à Academia para “confrontar” a equipa “pelo somatório de vários acontecimentos”, nomeadamente pelos maus resultados, pelo não apuramento para a Liga das Campeões e os jogadores William Carvalho, Battaglia e Acuna pelos atritos que ocorreram no aeroporto com alguns destes elementos.

O arguido considerou ser “relevante” passar a informação a Ricardo Gonçalves, pois era essa a sua função, depois de não ter conseguido falar com André Geraldes, acrescentando que assim que contactou o diretor de segurança da Academia, se deslocou para Alcochete, no intuito de “articular” a ligação entre os adeptos e a equipa do Sporting.

Arguidos ausentes

Entretanto, a defesa de muitos arguidos pediu que os respetivos constituintes pudessem estar ausentes durante o julgamento, uns por se encontrarem a trabalhar, outros por estudarem.

O advogado de Bruno de Carvalho também pediu que ex-presidente do Sporting pudesse ser dispensado de marcar presença nas audiências, a não ser naquelas que o tribunal entenda necessário.

“Não tem meio de transporte próprio, tem ocupação profissional, duas horas de manhã e duas horas à tarde, e está totalmente depauperado”, justificou o advogado Miguel Fonseca.

A presidente do coletivo de juízes, Sílvia Pires, acedeu aos pedidos de cerca de duas dezenas de arguidos, incluindo o de Bruno de Carvalho.

O julgamento, que pertence ao Tribunal de Almada, mas por questões de logística e de segurança realiza-se em Monsanto, em Lisboa, prossegue na terça-feira e na quinta-feira, com a inquirição de militares da GNR e agentes da PSP: três de manhã e outros três à tarde, em ambos os dias.

Bruno de Carvalho, que disse ser atualmente comentador, Mustafá e Bruno Jacinto, ex-oficial de ligação aos adeptos, estão acusados, como autores morais, de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 crimes de ofensa à integridade física qualificada e de 38 crimes de sequestro, todos estes (97 crimes) classificados como terrorismo.

Os três arguidos respondem ainda por um crime de detenção de arma proibida agravado e Mustafá também por um crime de tráfico de estupefacientes.

Aos arguidos que participaram diretamente no ataque à academia, o MP imputa-lhes a coautoria de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 crimes de ofensa à integridade física qualificada e de 38 crimes de sequestro, todos estes (97 crimes) classificados como terrorismo.

Recorde todo o caso: Uma cronologia dos acontecimentos que levaram Bruno de Carvalho (e não só) ao banco dos réus