O recurso de João Palhinha junto do Tribunal Central Administrativo do Sul para suspender o castigo de um jogo aplicado pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol foi feito dentro da legalidade. Está assim afastada qualquer hipótese de derrota do Sporting na secretaria por suposta utilização irregular do médio no dérbi com o Benfica, da passada segunda-feira, jogo da 16.ª ronda da I Liga.
"Não me parece que tenha sido feito algo de errado, de irregular. Se o Tribunal mandou suspender a eficácia da decisão, a decisão de suspensão foi levantada. O processo e recurso seguiram os trâmites previstos na lei e regulamentação desportiva", garante Fernando Veiga Gomes, advogado da Área de Prática de Direito do Desporto, da Abreu Advogados, em entrevista telefónica ao SAPO Desporto.
O recurso do jogador do Sporting junto de um tribunal fora da esfera desportiva prende-se também com a velocidade dos tribunais desportivos. O jogador recorreu ao Tribunal Arbitral do Desporto mas as decisões deste órgão demoram sempre dias, meses, até porque, primeiro, "há um processo de constituição do júri que demora alguns dias".
"Quando o júri não está constituído, qualquer pessoa que tenha o direito de queixa pode recorrer ao Tribunal Central Administrativo do Sul para colocar uma providência cautelar e suspender os efeitos daquela decisão. E foi isso que foi feito pelo jogador Palhinha. Não é uma decisão final, é apenas o Tribunal Central Administrativo do Sul a dizer que há uma decisão que suspende o jogador, o caso não está totalmente decidido. O jogador recorre porque acha que tem direito e para não ficar prejudicado, senão a suspensão entraria em vigor, ele deixaria de jogar e perdia o efeito útil do direito de recorrer. [O Tribunal Central Administrativo do Sul] suspendeu a eficácia da decisão tomada pelo CD da FPF", esclarece Fernando Veiga Gomes.
Uma das grandes polémicas à volta desta questão prende-se com o facto de o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol ter mantido o amarelo mostrado ao médio [o quinto no campeonato, que vale logo um jogo de suspensão] frente ao Boavista, mesmo depois de o árbitro Fábio Veríssimo ter admitido, mais tarde em sede de inquérito, que terá julgado mal a jogada e que a mesma não seria merecedora de cartão amarelo.
O Sporting contestou a rejeição do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol em despenalizar o médio, mesmo após o árbitro admitir o erro.
"Um Conselho de Disciplina que não privilegia a verdade desportiva não representa os interesses do futebol e não deve ter lugar no futebol português", escreveu o responsável de comunicação do clube, Miguel Braga, nas redes sociais.
Na base da decisão do CD da FPF está um princípio basilar tanto do Tribunal Arbitral do Desporto como do próprio TAS, com sede em Lausanne, Suíça: o 'Field of play decision', ou seja, prevalência da decisão tomada em campo pelos árbitros.
"O árbitro terá, no próprio recurso hierárquico, quando foi chamado a testemunhar, reconhecido que tinha errado e reverteu a sua decisão, em certa medida. Mas a política do TAS e do próprio TAD é o princípio do 'Field of play decision', ou seja a decisão do árbitro dentro do campo. Mesmo que as imagens mostrem que os árbitros erraram, [a decisão] não pode ser alterado à posteriori, salvo em situações de erros grosseiros como vermelhos ou amarelos ao jogador errado e preenchimento de relatórios. O que não é o caso", explica Fernando Veiga Gomes.
Este especialista em direito desportivo recorda que "há quem conteste todo este processo e a natureza automática da sanção, a falta de oportunidade de o jogador ou arguido, clube, treinador, agente desportivo, de poder defender-se", algo que levanta mesmo questões sobre a "constitucionalidade da norma", mas é o que está no regulamento.
A novidade neste caso está no facto de o árbitro Fábio Veríssimo ter admitido que errou, algo que é raro. Fernando Veiga Gomes, especialista em direito desportivo e presidente da Comissão de Direito do Desporto da UIA (Union Internationale des Avocats) desde 2015, diz-nos que, por experiência própria, "quando chamados pelo Conselho de Disciplina para testemunhar, em 99 por cento dos casos, os árbitros mantém a decisão inicial".
Caso pode abrir precedente grave
O recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul para suspender a eficácia de uma decisão disciplinar da justiça desportiva pode abrir um precedente grave no futebol nacional. Em entrevista à BTV na terça-feira 02 de fevereiro, Rui Costa, vice-presidente do Benfica, chamou a atenção para este facto e recordou que durante os jogos há muitos amarelos que são mal mostrados.
"Se olharmos para o exemplo do Palhinha, abriu-se um precedente que não sei como se vai alterar no futuro. Tivemos o caso do Otamendi [n.d.r. Benfica recorreu de um quinto amarelo mas recursou foi negado] e tivemos resposta diferente. E se todos os clubes se manifestarem hoje da mesma forma, quantos cartões amarelos é que vão ser retirados a todos os jogadores? Quantos amarelos foram mal dados em jogos que até não têm a mesma importância que os do Benfica, do FC Porto e do Sporting? Abriu-se aqui um precedente muito perigoso", lembrou o dirigente dos 'encarnados'.
Também Fernando Veiga Gomes aborda a suspensão da decisão do CD da FFP, recordando que não se pode "estar sempre a afastar as decisões dos árbitros" tomadas em campo.
"Este princípio do 'Field of play decision' está consagrado no próprio regulamento Disciplinar da Liga de Clubes, é princípio de afastamento das decisões proferidas pela equipa de arbitragem em campo. Senão, tudo poderia ser revertido, inclusive os resultados dos jogos, e então estaríamos a anular jogos e não faria sentido. O erro é considerado como fazendo parte do jogo", explica-nos este especialista.
O tempo da justiça desportiva
O Caso Palhinha abre ainda outro debate: o tempo da justiça desportiva. Para Fernando Veiga Gomes, da Abreu Advogados, provavelmente o Tribunal Arbitral do Desporto "terá de criar uma secção no futuro para julgar, de forma mais rápida, este tipo de casos", de forma a "dar a hipótese ao arguido de se defender"
Na reação à decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul, o Sporting aproveitou para criticar a velocidade da justiça desportiva.
"O recurso com pedido de medida cautelar formulado pelo jogador João Palhinha deu entrada nos tribunais horas depois, na madrugada de sábado, às 05h46. O senhor presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul notificou o jogador da sua decisão favorável pouco antes das 16h00 de segunda-feira [01 de fevereiro], a cinco horas e meia do início do jogo [com o Benfica]", refere.
O Sporting elogiou a celebridade da resposta do sistema judicial português, mas salienta que "o tempo do futebol profissional não se compadece com a necessidade de reagir judicialmente perante decisões tão clamorosamente ilegais e que comprometem a verdade desportiva".
"A lamentável decisão do Conselho de Disciplina forçou o jogador a uma reação junto dos tribunais em tempo recorde, forçou os tribunais a decidir também com grande prontidão, mas, pelo meio, forçou a Sporting CP - Futebol, SAD a tomar opções desportivas que a prejudicam seriamente. Não é possível preparar adequadamente um jogo – muito menos um desafio com a importância do de hoje [segunda-feira, 01 de fevereiro] – com este tipo de incerteza", defendem.
Em resposta ao comunicado do Sporting, o CD da FPF também deixou reparos à forma como o Sporting optou por se defender neste caso, lembrando que o recurso apresentado não suspende o castigo do médio João Palhinha.
"No caso, o Tribunal Central Administrativo do Sul nem sequer se pronunciou (nem o requerente o terá suscitado) sobre se o CD devia ou não ter anulado a suspensão automática do jogador João Palhinha resultante do quinto cartão amarelo exibido pelo árbitro. Tratando-se de questão estritamente desportiva, a competência para a sua apreciação caberia apenas ao Conselho de Justiça da FPF", esclarece
O órgão federativo explicou que o Sporting "optou por fundar o seu pedido de providência cautelar apenas numa alegação genérica sobre a inconstitucionalidade do sancionamento em processo sumário, alegadamente por não se garantir o exercício do direito de defesa".
"O que muito se estranha, porquanto a SAD empregadora do jogador participou na aprovação do Regulamento Disciplinar que assim desenhou esta forma de processo. Ainda mais surpreendente se torna tal alegação quando no caso já existe uma decisão de recurso na sequência do direito de defesa exercido pelo agente desportivo. Ou seja: o requerente está a reagir a uma decisão administrativa de segundo grau, em que lhe foi garantida plena pronúncia sobre os factos e a sua qualificação jurídica", referiu o CD.
Veiga Gomes explica-nos que "em parte, o CD da FPF tem razão", já que João Palhinha "deveria ter ido para o Conselho de Justiça como recurso, ficando dentro da ordem jurídica desportiva federativa, e não ir para o TAD", como fez o jogador e o Sporting.
Cabe agora o Tribunal Arbitral do Desporto decidir o caso. Até lá, Palhinha poderá ser utilizado pelo Sporting em jogos oficiais.
O médio do Sporting, João Palhinha, foi admoestado com o quinto cartão amarelo da época no desafio com o Boavista, na jornada anterior à do dérbi com o Benfica, e suspenso por um jogo pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.
No próprio dia do encontro entre os dois rivais de Lisboa, o Tribunal Central Administrativo do Sul aceitou uma providência cautelar para despenalizar o jogador dos ‘leões’, que acabou por ser convocado por Ruben Amorim e por entrar na partida já no decorrer da segunda parte, num jogo ganho pelo Sporting por 1-0.
Os 'leões' lideram a I Liga com 42 pontos, mais quatro que o FC Porto. O SC Braga é terceiro com 33 pontos, os mesmos do SL Benfica, quarto colocado.
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