Iker Casillas, guarda-redes detentor de um palmarés único no futebol, fez a defesa da sua vida no passado dia 1 de maio, quando sofreu um enfarte agudo do miocárdio durante um treino do FC Porto, no Olival. O guardião espanhol, de 37 anos, deu entrada no Hospital CUF Porto e foi submetido a um cateterismo cardíaco, acabando por receber alta cinco dias depois. Na altura, as manchetes “Casillas internado de urgência” ou “Casillas sofre enfarte do miocárdio” deixaram o mundo do futebol (e não só) em sobressalto. Rapidamente surgiram mensagens de apoio um pouco por toda a parte, nomeadamente dos clubes rivais.
O FC Porto também não perdeu tempo e emitiu um comunicado oficial dando conta do problema de saúde do atleta e que o mesmo estava “bem, estável e com o problema cardíaco resolvido". Horas depois naquele dia, foi o próprio Casillas a tranquilizar publicamente os seus seguidores. Na conta de Twitter, o guarda-redes partilhou uma fotografia onde surgia acamado, de polegar levantado e sorriso no rosto: “Tudo controlado por aqui, um susto grande, mas com as forças intactas.”
Casillas acabaria por deixar o hospital cinco dias depois de ter sido internado. Na breve declaração que fez à saída da unidade hospitalar, onde o esperavam dezenas de jornalistas, o guarda-redes do FC Porto fez questão de agradecer todo o apoio recebido, mas não desvendou o que vai acontecer no futuro.
"Tive um episódio que pode acontecer a qualquer um e tocou-me a mim. É difícil falar, mas tenho de estar agradecido a todos os que se preocuparam comigo e me fizeram sentir apoiado. Não posso deixar de agradecer ao hospital, ao doutor Nélson [Puga], a todos no FC Porto que agiram rápido para atenuar o efeito do enfarte", começou por referir o experiente jogador, visivelmente emocionado.
"Agora segue-se um repouso de um par de semanas ou meses, não sei. Sei que todos querem saber o que vai suceder, mas vamos ter de esperar. Não sei o que será o futuro. O mais importante era estar aqui e poder falar de forma tranquila", acrescentou.
É precisamente sobre o futuro de Iker Casillas que reside a grande questão. Apesar de o médico da equipa principal de futebol do FC Porto, Nélson Puga, ter referido, em declarações ao Porto Canal, que o guardião ficaria "completamente recuperado de saúde", mantêm-se as dúvidas sobre se o jogador irá regressar à alta competição.
"É muito cedo para nos pronunciarmos. Vai depender de muitos fatores, da medicação que vai precisar tomar, da avaliação que faremos de como tudo vai acontecer, não só em situações de repouso, mas também de stress e no exercício físico. E vai depender também da vontade dele em continuar. Só depois de muito diálogo é que se vai decidir se vai continuar. Mas a verdade é que ele vai ficar completamente recuperado", afirmou há cerca de duas semanas Nélson Puga.
Casillas não foi o primeiro nem o único atleta de alta competição a ser traído pelo coração. Contudo, no caso específico de um enfarte do miocárdio, é unânime entre os especialistas que o que aconteceu ao guarda-redes, de 37 anos, é uma exceção. O SAPO Desporto falou com Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia (FPC), para saber mais sobre esta doença cardíaca, que é responsável por milhares de mortes em Portugal, todos os anos.
O que é um enfarte do miocárdio?
Um enfarte do miocárdio (mais conhecido por ataque cardíaco) ocorre "quando uma das artérias coronárias entope subitamente, bloqueando o acesso de sangue e oxigénio a uma zona do músculo cardíaco". "O entupimento deve-se na sua esmagadora maioria à aterosclerose, uma doença em que se acumulam depósitos de colesterol na parede das artérias, que levam à diminuição do seu calibre. Se o fornecimento de sangue for interrompido completa e prolongadamente, as células do músculo cardíaco da zona afetada sofrem gravemente, e acabam por morrer, provocando a dor própria do ataque cardíaco", explica Manuel Carrageta.
Segundo o empresário de Iker Casillas, o guarda-redes "estava a treinar, de forma intensa" quando se sentiu mal. "Começou a sentir dores no peito, boca, braços (...) Ele nunca desmaiou. Mas não sabia o que lhe estava a acontecer", explicou Carlo Cutropia à Rádio COPE.
"O sintoma mais comum de ataque cardíaco é a dor no peito, que os doentes descrevem como um aperto, uma sensação de peso, uma queimadura, geralmente localizada na parte central do peito. Esta dor pode espalhar-se para o braço esquerdo, pescoço, maxilar inferior", esclarece o presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia.
Como proceder numa situação de enfarte do miocárdio?
Num enfarte agudo de miocárdio, os especialistas concordam que o tempo é essencial. Se o tratamento for rápido, as sequelas podem ser diminutas ou nulas. "Se o diagnóstico de ataque cardíaco estiver confirmado, o doente deve fazer terapêutica de reperfusão o mais rapidamente possível. O objetivo é restaurar o fluxo sanguíneo à zona do coração comprometida o mais depressa possível de modo a reduzir mais deterioração do músculo cardíaco. Quanto mais cedo for realizada, maior é a quantidade de músculo que se pode salvar", adianta Manuel Carrageta.
Foi precisamente o que aconteceu com Iker Casillas, que foi socorrido e levado de imediato para o Hospital CUF Porto. "Por sorte, foi diagnosticado rapidamente. Os procedimentos correram bem. Pedimos imediatamente para ter uma equipa, ainda no Olival, em alerta. Quando suspeitámos que estaríamos perante este cenário, que acabou por se confirmar, já tínhamos uma equipa de prevenção no hospital. Confirmado o diagnóstico, foi logo intervencionado, fizemos o cataterismo. Correu tudo muito bem e o problema foi resolvido na hora", adiantou na altura Nélson Puga, médico do FC Porto, ao Porto Canal.
"Estive no futebol durante 26 anos e não tive nenhum caso parecido com o do Iker Casillas. Não é normal", diz Domingos Gomes
Carlo Cutropia concorda que o facto de o enfarte ter sido diagnosticado rapidamente foi fundamental para este desfecho. "Teve toda a sorte do mundo. A chave aqui é que aconteceu enquanto treinava. É algo que se acontece em casa poderia ter consequências tremendas e imprevisíveis", considera o agente do guarda-redes.
Quanto ao tratamento, Manuel Carrageta diz que a medida ideal a tomar passa pela "reperfusão mecânica". "O doente é levado para a sala de cateterismo onde um cateter é introduzido por uma artéria, geralmente da perna, ao nível da virilha e as artérias coronárias são visualizadas através de uma injeção de contraste nas coronárias para localizar a obstrução que está a causar o ataque cardíaco. O passo seguinte é o de introduzir outro cateter, com um pequeno balão, que, depois de colocado na zona de estreitamento da artéria, é insuflado para esmagar o coágulo e a placa de aterosclerose, restaurando deste modo o fluxo de sangue à área afetada do coração. A este procedimento chama-se angioplastia", informa.
"Em muitos doentes, é de seguida colocado um pequeno anel de rede metálica, chamado 'stent', na zona previamente dilatada, para manter a artéria aberta", acrescenta. Foi justamente o que aconteceu a Iker Casillas.
É normal um atleta de alta competição ter um enfarte aos 37 anos?
A probabilidade de um indivíduo sofrer um enfarte do miocárdio, afirma Manuel Carrageta, depende em grande parte do nível dos seus fatores de risco. São eles o tabaco, uma dieta rica em gorduras, a presença de níveis elevados de colesterol LDL (o chamado 'mau' colesterol), a falta de exercício físico, o excesso de peso, antecedentes familiares de enfarte, diabetes, hipertensão arterial, o stress e o género masculino ou, no caso das mulheres, a menopausa.
Noutros casos, o fluxo de sangue ao coração é interrompido por um espasmo numa artéria coronária. É algo que pode acontecer subitamente, mesmo tendo feito exames previamente que nada detetam.
Domingos Gomes, que foi responsável pelo departamento clínico do FC Porto durante mais de duas décadas, não tem dúvidas que o caso de Iker Casillas é uma exceção à regra, tendo em conta todo o contexto à volta do guarda-redes - atleta de competição há muitos anos, com um estilo de vida saudável. "Estive no futebol durante 26 anos e não tive nenhum caso sequer parecido. Não é normal num atleta como ele", começa por dizer ao SAPO Desporto o especialista em Medicina Desportiva, que aponta para a "questão genética".
"É importante saber se houve algum familiar que tenha tido morte súbita até aos 55 anos, familiares que tenham patologias que lhe foram transmitidas geneticamente. Se for esse caso, a prática de exercício físico não altera nada. E é preciso também ter em conta os fatores de stress", explicou Domingos Gomes, acrescentando que "a parte cardíaca é uma máquina muito complexa".
Nuno Cadim, especialista em cardiologia desportiva explicou à Rádio Renascença que quando se trata de um problema de saúde num atleta de alta competição, existe uma “divisão arbitrária dos 35 anos”. Quando o atleta tem menos de 35 anos, “a principal causa são doenças cardíacas hereditárias”. Quando se trata de um desportista com mais de 35 anos, “são problemas das artérias coronárias, que é precisamente o que o Casillas teve”.
E porquê só agora foi detetado este problema em Casillas, um profissional tão monitorizado durante a sua longa carreira? De acordo com o antigo médico do FC Porto, "por vezes só quando o jogador apresenta queixas, se sente mal num treino, desmaia ou tem uma arritmia é que se vai à procura do problema cardíaco."
Domingos Gomes revela que não existe uma normativa da UEFA que obrigue os clubes a seguirem um modelo de prevenção cardíaca, mas adianta que Portugal é porventura o país "onde se tem mais cuidado com o coração". "Nos Estados Unidos, o exame médico-desportivo traduz-se apenas na auscultação. Depois há quem defenda exames mais completos, que incluem um eletrocardiograma, uma prova de esforço e um ecocardiograma. Há ainda um outro método que em certas pessoas e em certas situações vale a pena fazer que é uma TAC com contraste. Eu defendo que se deva fazer todos os exames e mais alguns para prevenir uma tragédia", remata.
Iker Casillas poderá voltar aos relvados?
Só daqui a três meses é que se saberá, com toda a certeza, se Iker Casillas poderá continuar a carreira de futebolista profissional. Para Manuel Carrageta, que por razões de ordem ética não quis abordar a situação do guarda-redes, a melhor maneira de assegurar uma recuperação completa "é participar num programa de reabilitação cardíaca".
"Este programa pode ter várias modalidades, mas habitualmente consiste num programa de atividade física supervisionada, preferivelmente incluindo monitorização eletrocardiográfica. Em adição o programa, oferece educação alimentar, apoio emocional, ensina técnicas de controlo do stress e de cessação tabágica", indica o presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, acrescentando que o referido programa "tem habitualmente a duração de três meses".
Nélson Puga, o atual médico do FC Porto, considera que ainda é prematuro para falar no regresso do guardião ao futebol. No entanto, não deixou esse cenário de parte.
"É muito cedo para nos pronunciarmos. Vai depender de muitos fatores, da medicação que vai precisar tomar, da avaliação que faremos de como tudo vai acontecer, não só em situações de repouso, mas também de stress e no exercício físico. E vai depender também da vontade dele em continuar. Só depois de muito diálogo é que se vai decidir se vai continuar. Mas a verdade é que ele vai ficar completamente recuperado", afirmou o responsável pelo departamento clínico dos 'dragões'.
Domingos Gomes, mais cauteloso, prefere citar uma famosa frase de João Pinto. "Prognósticos só no fim do jogo. Vai ser preciso esperar e ver o que acontece", começa por dizer. O antigo médico do FC Porto refere, contudo, não ter conhecido ao longo da sua carreira um caso em que um jogador tenha regressado aos relvados depois de um enfarte do miocárdio.
"Tenho conhecimento de patologias valvulares de jogadores que voltaram a jogar. Mas no que toca à parte elétrica do coração não conheço nenhum atleta que voltasse à competição depois de um enfarte do miocárdio. É preciso ter em atenção que o coração é uma bomba, é o órgão do amor mas também das partidas. Mas, para já, é difícil prever o que vai acontecer. É preciso tempo", remata.
Adeus prematuro ao futebol e vida nova: o caso de Fábio Faria
A 4 de fevereiro de 2012, com apenas 22 anos e um futuro promissor pela frente, Fábio Faria sentiu-se mal nos minutos finais de uma partida entre o Rio Ave, onde alinhava por empréstimo do Benfica, e o Moreirense, para a Taça da Liga.
Ao SAPO Desporto, o antigo futebolista recorda que foi após uma disputa de bola com um adversário que se baixou para puxar a meia para cima e limpar o sangue. E o que na altura julgou ser uma quebra de tensão era apenas o início de um processo doloroso que quase lhe tirou a vida, levando-o a abandonar o futebol um ano mais tarde.
“Na altura achei um bocado estranho, pensei que fosse uma quebra de tensão ou o cansaço de já estar no final do jogo. Lembro-me que nesse dia estava muito frio, e também podia ser por isso. Virei-me para o meu colega e disse-lhe que me estava a sentir mal e foi quando me deitei no chão e chamei a equipa médica para entrar”, começa por contar Fábio Faria.
Já depois de ter recolhido ao balneário, a situação piorou. “Quando me levantei da maca para ir à casa de banho não sentia as pernas e caí no chão. Alguns minutos depois já não conseguia mexer o pescoço, não conseguia levantar os braços, sentia o corpo frio… Aí os meus colegas perceberam que algo não estava bem. O médico nunca me transmitiu que estava preocupado, mas eu sentia que ele estava muito tenso”, lembra.
"Percebi que era algo grave, mas naquele momento os médicos não quiseram dizer o que se passava. Só no dia seguinte, quando o médico me trouxe os jornais e olhei para as manchetes é que me dei conta da gravidade da situação", diz Fábio Faria
Fábio Faria ainda se recorda de ter visto o pai (Chico Faria, também ele ex-jogador do Rio Ave) no caminho para a ambulância, que chegou a Moreira de Cónegos 30 minutos depois, porque tinha ido para o estádio errado, até que “apagou completamente” quando se dirigia para o hospital de Guimarães. “Só caí em mim quando acordei com o desfibrilhador”, acrescenta o antigo defesa central, que teve de ir para os cuidados intensivos. Mas o choque veio na manhã seguinte.
“Percebi que era algo grave, mas naquele momento os médicos não quiseram dizer o que se passava. Só no dia seguinte, quando o médico veio perguntar como é que eu estava e me trouxe os jornais é que percebi. Olhei para as capas dos jornais e vi ‘Fábio Faria teve um ataque cardíaco’, ‘Fábio Faria com a carreira em risco’ e aí é que tive noção da gravidade do que me tinha acontecido e fiquei logo preocupado”, diz o atual treinador adjunto da equipa B do Rio Ave.
Fábio Faria recorda que Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, disponibilizou-se prontamente a ajudá-lo. “Disse ao meu pai para não se preocupar, que já tinha uma equipa médica à minha espera em Lisboa para tratar de mim”, conta. Após ter sido a sujeito a um cateterismo em Lisboa, o ex-jogador fez vários tratamentos, e tudo indicava que o problema cardíaco não seria impeditivo para voltar à competição. Fábio Faria lutou “com todas as forças” para isso acontecer e começou a treinar para perceber como o corpo reagia. Mas o coração assim não quis.
No final de uma de muitas corridas que fazia ao lado do pai, voltou a sentir-se mal e desmaiou durante uns dez segundos. Foi nesse momento que decidiu ‘pendurar as chuteiras’. “Quando estava a chegar a casa caí inanimado e abri a cabeça no passeio. Estive cerca de dez segundos apagado, o meu pai teve de me dar dois socos no coração para voltar ao normal. Quando acordei disse-lhe: ‘Pai, não quero voltar a jogar futebol, não quero passar mais por isto. Vai custar-me muito mas é a melhor decisão que vou tomar’”, confidencia.
O momento que se seguiu ao adeus definitivo aos relvados foi “o pior momento” da vida de Fábio Faria, na altura com 23 anos, que admitiu ter ficado bastante traumatizado com a situação.
“Tive uma depressão muito forte porque não conseguia aceitar o que me tinha acontecido. Tinha conseguido chegar ao Benfica, tinha uma carreira promissora e abandonar tudo de um dia para o outro… Senti-me completamente perdido. Cheguei a ter medo de adormecer, porque pensava que podia não acordar. Se não fosse a ajuda de uma psicóloga e de um psiquiatra, as coisas teriam sido bem piores”, revela o ex-futebolista.
Fábio acabou por montar um negócio - em conjunto com a namorada criou a sua própria marca de roupa, a D"ja vu, com peças à venda online, algo que também era um objetivo. Entretanto, também abriu uma loja de artigos de praia na Póvoa de Varzim juntamente com a irmã da namorada. Mantém-se ligado ao futebol através do Rio Ave, sendo treinador adjunto da equipa B, e diz ter uma "vida perfeitamente" normal e que apenas toma "todos os dias um comprimido para baixar o ritmo cardíaco".
“Hoje em dia estou bem com a minha vida, já aceitei o meu problema e consigo viver com isso”, assegura o antigo defesa central.
O problema cardíaco que lhe foi diagnosticado (arritmia) é muito diferente do de Iker Casillas, mas o infortúnio que se abateu sobre o guarda-redes do FC Porto fez Fábio Faria recuar no tempo, quase sete anos depois. “Estava a brincar com o meu cão em casa, liguei a televisão e vi logo a notícia de que o Iker tinha sido internado de urgência com problemas no coração. Fez-me lembrar tudo aquilo que eu vivi naquele dia. Sei perfeitamente o que ele passou, são momentos muito duros porque não sabemos o que nos vai acontecer, só queremos estar perto da nossa família”, diz o antigo jogador do Rio Ave, deixando um conselho ao experiente guardião.
“Tive oportunidade de ler um pouco sobre o problema do Casillas, que é diferente do meu. Ele já tem 37 anos, não tem de provar mais nada a ninguém. Acredito que não seja a melhor forma de terminar a carreira, mas em primeiro lugar está a nossa saúde e a nossa família. No lugar dele terminava a carreira e acredito que essa vá ser a sua decisão”, vinca.
Outros episódios marcantes
Miklós Fehér
Mais de 15 anos depois, continua a ser o caso mais marcante da memória desportiva portuguesa. A 24 de janeiro de 2004, milhares de pessoas assistiram em direto ao último sorriso do avançado húngaro, então de apenas 24 anos, antes da queda fatal no relvado do Estádio Dom Afonso Henriques, em Guimarães, em pleno Vitória-Benfica.
Féher foi assistido ainda no relvado e transportado para o hospital, onde acabaria por ser confirmada a morte do jogador, vítima de uma paragem cardiorrespiratória originada por uma cardiomiopatia hipertrófica que nunca tinha sido diagnosticada.
O caso deixou marcas no clube da Luz, que desde então promoveu várias iniciativas para homenagear o avançado húngaro: dedicou-lhe a conquista da Taça de Portugal nessa temporada, o número ‘29’ foi retirado do plantel, colocou um busto do jogador no átrio da porta 18 do Estádio da Luz e ainda criou o Prémio Miklós Fehér, que todos os anos distingue professores e alunos que se notabilizam em diversas áreas na antiga escola do avançado, em Gyor, na Hungria, e que os traz anualmente a Lisboa.
Pavão
Foi um dos dias mais negros da memória do FC Porto. Ao minuto 13 da jornada 13 do campeonato nacional, na época 1973/74, numa receção ao Vitória de Setúbal, Fernando Pascoal das Neves, mais conhecido por Pavão, passou a bola a Oliveira e caiu inanimado em pleno relvado das Antas. O então capitão dos ‘azuis e brancos’ tinha 26 anos.
Os adeptos ficaram a saber da morte de Pavão pela instalação sonora do estádio, no final da partida. Até hoje permanece dúvida sobre a origem da paragem cardíaca. Uma coisa é certa: naquela altura os futebolistas profissionais não eram devidamente acompanhados.
“Na altura faziam-se os exames no Centro de Medicina Desportiva. Esses exames consistiam apenas num eletrocardiograma e numa observação médica. Só se houvesse alguma alteração preocupante nos resultados é que se avançava para outro teste mais complexo”, explica Domingos Gomes, antigo médico do FC Porto, que apesar de sublinhar que “a cardiologia avançou bastante desde então”, continua a considerar o coração de um atleta “um mistério”.
Davide Astori
Contrariamente a outros episódios de morte súbita devido a problemas cardíacos, o então capitão da Fiorentina colapsou fora do campo. A 4 de março de 2018, o italiano foi encontrado morto no quarto do hotel onde os ‘viola’ estagiavam para o jogo com a Udinese, depois de os colegas estranharem a ausência do jogador durante o pequeno-almoço.
A morte de Astori acabaria por ser atribuída a causas naturais e à presença de extrasístoles ventriculares, a principal causa de morte de atletas em atividade. No passado mês de março, dois médicos italianos foram formalmente acusados de homicídio involuntário por não terem submetido o defesa a mais exames quando, em 2016, lhe detetaram extrassístoles ventriculares. Segundo a justiça italiana, um diagnóstico mais profundo sobre o que levou ao problema cardiovascular de Astori numa fase inicial teria colocado um ponto final na atividade física do jogador.
Marc-Vivien Foé
A morte do camaronês aconteceu meses antes da de Fehér, e também ela fora testemunhada em direto por milhares de adeptos estarrecidos. Em junho de 2003, a seleção dos Camarões disputava a Taça das Confederações, em Lyon, quando o médio caiu inanimado aos 72 minutos da partida das meias-finais, frente à Colômbia, sem que estivesse envolvido em qualquer lance.
Os jogadores das duas equipas rapidamente solicitaram a entrada da equipa médica no relvado, para que lhe fossem prestados os primeiros socorros, acabando por deixar o relvado pouco depois em maca. Segundo a FIFA, os médicos tentaram a reanimação cardíaca do jogador durante 45 minutos, “mas os seus esforços foram em vão”. Foé acabou por falecer devido a uma hipertrofia do miocárdio originada pelo hiperdesenvolvimento da válvula esquerda.
Antonio Puerta
A 25 de agosto de 2007, Antonio Puerta, que representava o Sevilha, desmaiou aos 35 minutos do jogo contra o Getafe. O espanhol de 22 anos foi assistido, recuperou a consciência e acabou por caminhar sozinho até ao balneário, deixando a ideia de que tudo não tinha passado de um susto. Aí voltou a perder os sentidos, dando entrada imediata nos cuidados intensivos. Três dias depois, confirmou-se a morte de Puerta devido a falência multiorgânica e a danos cerebrais irreversíveis causados por vários ataques cardíacos sofridos durante a partida.
Daniel Jarque nem chegou a iniciar a época que se avizinhava. O capitão do Espanyol tinha 26 anos quando sofreu um ataque cardíaco enquanto falava ao telemóvel com a namorada, que estava grávida de sete meses, durante um estágio de pré-temporada dos catalães em Florença, Itália, em agosto de 2009.
Fábio Mendes
É o caso mais recente em Portugal e aconteceu na segunda divisão de futsal. No passado dia 16 de março, Fábio Mendes, de 28 anos e atleta do Centro Social de São João, colapsou durante uma partida contra o Portimonense, no pavilhão dos Montes de Alvor, vítima de um ataque cardíaco fulminante.
Em março de 2002, Paulo Pinto, um dos nomes mais conhecidos e reconhecidos do basquetebol português, havia falecido também aos 28 anos pelo mesmo motivo durante a partida entre o Aveiro Basket e o Benfica. O jogador foi homenageado pela Liga portuguesa de basquetebol, pela totalidade dos clubes mas principalmente pelo Sanjoanense, que batizou o pavilhão do clube com o nome de Paulo Pinto.
Abdelhak Nouri
Num jogo da pré-temporada de 2017/18, o jovem de 20 anos, apontado como uma das grandes promessas do Ajax, sofreu um ataque cardíaco aos 72 minutos do particular contra o Werder Bremen, na Áustria. Os médicos entraram de imediato em campo e estiveram largos minutos a assistir o médio, que acabou por abandonar o estádio de helicóptero para uma unidade hospitalar. A partida acabou por ser suspensa.
Cinco dias depois, porém, o clube de Amesterdão anunciou que Nouri tinha sofrido “danos cerebrais graves e permanentes”, que o afastavam para sempre dos relvados. O médio ficou em coma até agosto de 2018, e segundo a imprensa holandesa, consegue reconhecer familiares e amigos e comunica mexendo a boca e as sobrancelhas.
Em junho do ano passado, na sequência de uma investigação do Ajax, a família de Nouri processou a Federação Holandesa de Futebol, alegando que a demora na reanimação do jovem foi a causa dos danos cerebrais. O médio é frequentemente homenageado por antigos colegas de equipa, nomeadamente Van de Beek, uma das referências da equipa, que faz questão de lembrar Nouri a cada golo.
Cristiano Ronaldo foi operado ao coração quando tinha 15 anos
Entre paragens cardiorrespiratórias, enfartes ou arritmias, vários jogadores de futebol enfrentaram problemas preocupantes, ainda que menos graves. Tal como Fábio Faria, também Doni, ex-guarda-redes do Liverpool, teve de deixar a carreira em 2013, igualmente por anomalias cardíacas. Rúben de la Red, médio do Real Madrid, viria a deixar o futebol em 2008, com apenas 23 anos, depois de sofrer uma síncope cardíaca durante um jogo para a Taça do Rei. Cerca de três anos depois, foi a vez de Fabrice Muamba, do Bolton, sofrer um susto que lhe valeu 78 (!) minutos de paragem cardíaca, em pleno relvado.
Mais recentemente, Sami Khedira, da Juventus, ou Ivan Strinic, do AC Milan, falharam jogos das suas equipas para examinar e regularizar problemas cardíacos.
"Um telefonema de um médico do Sporting deixou-me gelada. As minhas pernas enfraqueceram. O meu filho teve um problema", conta Dolores Aveiro
Com apenas 15 anos, quando já atuava nas camadas jovens do Sporting, Cristiano Ronaldo foi operado ao coração devido a uma arritmia que lhe foi detetada. A situação foi partilhada pela mãe do internacional português, Dolores Aveiro, no seu livro ‘Mãe Coragem’: “Um telefonema de um médico do Sporting deixou-me gelada. As minhas pernas enfraqueceram. O meu filho teve um problema. ‘É muito cedo para um diagnóstico definitivo, mas o seu filho pode não voltar a jogar futebol’, foi o que me disseram.”
A carreira de Ronaldo esteve, de facto, em risco, mas por pouco tempo. “Semanas depois já andava a correr”, acrescenta a mãe do avançado da Juventus. Em 2013, quando tinha 19 anos, Gonçalo Paciência teve as primeiras suspeitas de problemas cardíacos, tendo por essa razão falhado o Mundial de sub-20. Desde então o avançado português do Eintracht Frankfurt é seguido atentamente por um cardiologista.
Domingos Gomes apela à prevenção de possíveis problemas cardíacos desde cedo. “Vejo muita gente a falar nos atletas de alta competição, mas não nos podemos esquecer dos miúdos entre os 4 e os 18 anos. O coração de um jovem que está em crescimento está sujeito a mudanças partir de determinado momento. É preciso acompanhar essas mudanças com regularidade, para prevenir problemas futuros”, explica o reconhecido médico.
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