Os três “efes” de há 50 anos, quando Paulo VI visitou Portugal durante a ditadura do Estado Novo, modernizaram-se e Fátima apostou no marketing, o fado procurou novos sons e o futebol profissionalizou-se.
“Fátima soube adaptar-se aos tempos através do marketing, o fado evoluiu para novas sonoridades e o futebol profissionalizou-se e tem conseguido conquistas importantes, como o recente título europeu”, argumenta a historiadora Irene Flunser Pimentel, para defender a atualidade dos três ‘efes’, frequentemente referidos como os "pilares" da ditadura do Estado Novo.
A recente vaga de emigração, motivada pela crise que o país tem vivido, é também, segundo a historiadora, uma das razões que tem contribuído para a atualidade da trilogia, uma vez que a religiosidade, o fado e futebol “são fatores que remetem para a saudade de Portugal”.
“Salazar não era adepto de fado, nem de futebol, mas não há dúvida de que o regime utilizou, e bem, figuras como a Amália Rodrigues e o Eusébio”, afirma a historiadora em entrevista à agência Lusa, lembrando que o homem que liderou Portugal entre 1933 e 1968, manteve com a Igreja “uma relação cordial, mas nunca de grande proximidade”.
Irene Flunser Pimentel refere que, apesar de ter acontecido há 100 anos, “o fenómeno de Fátima só começou a crescer e a massificar-se depois do golpe militar de 1926”, acrescentando que até o cardeal Cerejeira – patriarca de Lisboa entre 1929 e 1972 - “demorou bastante tempo a ‘aderir’ a Fátima”.
A investigadora lembra mesmo que o homem que comandou os destinos do país durante mais de quatro décadas viveu “momentos complicados com a igreja”, tendo chegado a afirmar, em 1965,: “Enquanto eu for vivo, o papa Paulo VI jamais virá a Portugal”.
No entanto, explica, “Salazar acabou por perceber que a vinda do papa a Fátima seria um enorme triunfo diplomático”.
Nos 50 anos das “aparições”, Paulo VI tornou-se no primeiro papa a visitar o santuário de Fátima. Meio século depois Francisco será o terceiro papa a marcar presença na Cova da Iria, depois de três visitas de João Paulo II, e de uma de Bento XVI.
Com o país envolvido numa guerra colonial, a ‘colagem’ do Estado Novo ao desporto surge nos anos 60, numa “fase em que Salazar está envelhecido, amargurado e enredado numa guerra desgastante em África”.
As duas Taças dos Clubes Campeões Europeus conquistadas pelo Benfica, nas épocas de 1960/1961 e 1961/1962, às quais se somam três presenças em finais, e o terceiro lugar da seleção portuguesa no Mundial de 1966, contribuíram de forma decisiva para a massificação do futebol, “num regime avesso a espetáculos de multidões”.
“Salazar não gostava de multidões, não era um ditador carismático como Hitler ou Mussolini”, refere a investigadora, considerando que “a ditadura não foi nada boa para o desporto, que é sempre uma via de afirmação social das camadas mais populares”.
Aliado aos sucessos do futebol surge o nome incontornável de Eusébio, que chegou a Portugal em 1960, e que, na opinião de Irene Flunser Pimentel, foi uma figura que acabou por “servir” o regime quase na perfeição.
“Eusébio vinha de uma província ultramarina, o que permitia mostrar a unidade de Portugal, foi uma figura através da qual o regime tentou passar a mensagem de que não existia racismo. Além disso, encarnava o espírito de esforço e o sacrifício, que se pedia ao povo”, explica.
A investigadora, que vê em Cristiano Ronaldo algumas características que o tornam um “Eusébio dos tempos modernos”, lembra que ainda hoje as lágrimas do ‘pantera negra’ após a eliminação na meia-final do Mundial de 1966, frente à Ingalterra, “comovem o país”.
António de Oliveira Salazar manteve também, segundo a historiadora, uma relação distante com o fado, que surge em força na década de 40 do século passado sobretudo pela voz de Amália Rodrigues, figura com a qual, o governante “nunca simpatizou”.
Apesar de se ter pensado que Fátima poderia perder importância no período pós 25 de Abril, Irene Flunser Pimentel considera que “houve muito cuidado na relação com a igreja católica, ao contrário do que sucedeu na I república”, acrescentado que “nos últimos anos, muito devido à crise, há cada vez mais gente a ir a Fátima”.
A visita do papa Francisco a Fátima, onde presidirá à canonização dos pastorinhos Jacinta e Francisco, acontece menos de um ano depois de a seleção de futebol ter alcançado um inédito título de campeã europeu... celebrado com fado.
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