No ínício da década de noventa, António Pacheco rescindiu contrato com o Benfica e acabou por rumar ao rival da 2ª Circular juntamente com Paulo Sousa num caso do futebol português que ficou conhecido por 'Verão quente de 1993'.

Esta terça-feira, o antigo internacional português recordou em entrevista ao jornal A Bola alguns dos episódios que marcaram a sua carreira e não deixou de abordar a sua saída do Benfica em 1993 devido a salários em atraso.

O antigo jogador de Benfica e Sporting relatou como foi difícil viver em Lisboa depois de trocar para um clube rival e assume que ainda hoje, 25 anos depois, há pessoas que o abordam na rua para falar sobre a sua saída do emblema da Luz.

"Passou tanto tempo e as pessoas ainda se metem comigo na rua a toda a hora. Constantemente, digo-lhe. Parece que se trata de uma notícia atual! Eu há muitos anos que reajo em consonância com o tom e o conteúdo do que me é dito. Na maior parte dos casos acabo por não dar importância, confesso", começou por dizer António Pacheco.

Questionado sobre como era viver em Lisboa há 25 anos depois de trocar para o Sporting, Pacheco reconhece que era muito mais complicado do que se fosse agora.

"Bastante mais. Muito mais [complicado] mesmo...Os tempos também foram outros, como em tudo, Uma das facilidades dos tempos modernos é o poder para, sendo figuras públicas, nos explicar-nos, nos dirigirmos imediatamente e as vezes que quisermos às pessoas. Na altura era um pouco mais difícil, mais pontual. As pessoas nunca perceberam bem o que se passou, deixe-me dizer-lho. Partiram-me um carro, completamente vandalizado em Lisboa...Vi o meu nome escrito pelas paredes acusando-me de coisas que me magoaram como nunca pensei. E gente, nesses casos já sem qualquer noção do ridículo, encarou-me de frente, procurando agredir-me. Coisas chatas, ameaçadoras", acrescentou Pacheco.

António Pacheco na apresentação do plantel do Sporting para a época 1993/1994
António Pacheco na apresentação do plantel do Sporting para a época 1993/1994 António Pacheco na apresentação do plantel do Sporting para a época 1993/1994. créditos: Lusa

No final da época 92/93, António Pacheco e Paulo Sousa rescindiram contrato com o Benfica alegando salários em atraso. João Vieira Pinto esteve perto de fazer o mesmo, mas acabou por continuar na Luz. Pacheco recorda que os salários em atraso foram a justificação para rescindir contrato por 'justa causa', mas que também houve questões pessoais para sair do Benfica.

"Essa é a ideia que se perpetuou, a de que saí por salários em atraso, e que não corresponde à verdade", disse António Pacheco, acrescentando depois que há uma grande diferença entre 'justa causa' e 'causa'.

"Uma coisa é justa causa, outra a causa! [Para rescindir contrato]. Eu saí do Benfica por questões pessoais, por desacordo pessoal - sublinho - com pessoas que estavam então no clube. É até ridículo partir do princípio, deixar essa ideia para a história, de que eu - e arrisco dizer qualquer jogador do Benfica - sairia do clube por razão de ter um ou mesmo dois ou três salários em atraso, se fosse o caso. Seria ridículo! Não foi isso que aconteceu, na génese. A justa causa, é verdade, foi o mecanismo, a via legal que eu encontrei para ir ao encontro da razão da saída, a tal insatisfação, os tais desencontros com pessoas que estavam no clube", atirou Pacheco, não revelando no entanto sobre quem foram as pessoas.

Apesar da saída do Benfica, Pacheco nunca deixou de ser sócio do clube da Luz durante 31 anos, segundo o próprio.

"Nunca [deixei de ser sócio do Benfica] Sou sócio há 31 anos, rigorosamente. Adoro o Benfica. Por causa de uma situação pessoal estar a envolver outras pessoas pelas quais tenho respeito...não. Se o Presidente do Benfica, ou pessoas com responsabilidade, estiver interessado em saber o que se passou, poderei contar-lho, mas não o quero público", frisou Pacheco sobre a sua ligação ao clube da Luz.

Meses depois de rescindir contrato com o Benfica, Pacheco defrontou a sua antiga equipa no Estádio de Alvalade no célebre jogo que terminou 3-6 e praticamente decidiu o título de campeão nacional de 1993/1994.

"Senti que era o ponto alto, ou se calhar baixo, da opção que fizera. Sair do Benfica foi uma má opção de carreira. Basta ver o que o meu percurso teve no Benfca e depois no Sporting. Não há qualquer dúvida sobre isso", confessou Pacheco.

No entanto, Pacheco assume que se fosse hoje teria rescindido na mesma com o Benfica: "Teria [rescindido]. Tenho de dizer-lhe que sim porque a forma como eu via as coisas na altura e como as vejo agora, à distância de 25 anos, não se alterou. Saí por razões pessoais e a essência dessas não se alterou. É, de qualquer forma, evidente que eu preferia, isso sim, nunca ter sentido necessidade de deixar o Benfica".

Confrontado com a possibilidade do Benfica poder 'vingar-se' do Sporting 25 anos depois, António Pacheco refere que obviamente os casos são diferentes, e que se estivesse na posição dos jogadores leonino após o ataque à Academia de Alcochete também quereria sair do clube, e nem sequer jogava a final da Taça de Portugal.

"Os casos são sempre diferentes, contudo pareceme claro que estas rescisões de jogadores do Sporting estão, no entender dos jogadores, relacionadas com o mau relacionamento com o presidente do clube. Eu compreendo, sobretudo depois do que aconteceu em Alcochete, que tenham querido sair", começou por dizer Pacheco sobre o assunto.

"Eu? [O que teria feito se tivesse vivido, como jogador, as agressões de Alcochete?] Teria saída no dia a seguir! Sem qualquer dúvida. Nem sequer iria jogar aquela final da Taça com o Desportivo das Aves. Foi um erro que os jogadores do Sporting cometeram. Mas a quem eu atribuo mais responsabilidades é a Jorge Jesus, que não deveria ter permitido nunca que a equipa fosse fazer aquele jogo, fisicamente e mentalmente impreparada, como se viu", frisou.

Para terminar, Pacheco não se quis alongar muito sobre a legitimidade moral do Benfica para contratar jogadores rivais depois do 'Verão Quente de 93', mas vincou que os jogadores são livres.

"Sem querer ingerir-me muito sobre o assunto, na verdade eles são jogadores livres. Livres como eu era há 25 anos", sentenciou Pacheco.