Os atletas, as organizações e os agentes desportivos têm de ter formação para saberem responder a situações de assédio, defendeu hoje Cristina Almeida, representante do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ).
Durante a conferência virtual 'O abuso e o assédio sexual no futebol', promovida no âmbito do Plano Nacional de Ética no Desporto, Cristina Almeida referiu existir uma estratégia, a implementar nos próximos quatro anos, que visa sensibilizar, dar resposta a denúncias, aconselhar, apoiar e dar formação especializada.
“Os atletas têm de ser sensibilizados e formados para terem consciência dos comportamentos que não são aceitáveis e terem o poder de dizer que não lhe podem fazer isso”, acentuou a representante do IPDJ, que sublinhou ser importante quem é alvo ou assiste a gestos desadequados saber onde se pode dirigir ou com quem falar.
A diretora da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) Mónica Jorge frisou que se trata de “um problema silencioso” e por isso é difícil chegar “a quem sofre”, para se fazer a denúncia, alertando para a necessidade de as pessoas estarem atentas, terem conhecimento e sensibilidade para o assunto.
“Acho que as crianças e jovens ainda têm muita falta de conhecimento sobre o que passa para lá da linha do normal”, vincou Mónica Jorge, para quem são importantes “ações de sensibilização”.
A dirigente da FPF considerou que quem está à frente das organizações desportivas tem de saber “que tem as pessoas certas” para se poder reagir quando existe um problema.
“Têm de saber o que está certo e o que não está certo, para se poder ajudar”, pormenorizou Mónica Jorge, enfatizando o posicionamento “na linha da frente” no combate a esses comportamentos por parte da FPF.
A gestora da rede CARE da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), Carla Ferreira, adiantou estarem a ser acompanhadas pela organização “algumas situações” ligadas a “vários desportos”, nomeadamente à ginástica e ao futsal, que acredita não serem representativas da realidade, por estar convicta de que “há situações que não viram ainda a luz do dia”.
Segundo a criminologista, essas situações acontecem “numa lógica de continuidade”, casos que muitos conhecem e “ninguém fez nada”. Em algumas ocorrências, por “razões válidas, mas que têm de ser desconstruídas”. Por exemplo, o receio de a pessoa pôr em risco a carreira desportiva, para se libertar do abuso, ou por não querer defraudar as expectativas do clube ou da família.
“A maior parte dos episódios, quando existe abuso sexual, nos casos mais graves, dá-se na sequência de um processo que vai havendo de aproximação, e que vai encurralando”, explicou o psicólogo e investigador Miguel Nery.
Segundo o docente da Universidade Europeia, normalmente há uma série de fatores que convergem e que levam a que haja uma maior tendência para que os abusos aconteçam “com determinadas pessoas e em determinadas situações”.
Os predadores costumam procurar “miúdos mais novos, mais isolados, muitas vezes com um isolamento social geral, não só no clube”. Muitas vezes os abusos acontecem em áreas mais isoladas, como balneários, em casa ou no carro do treinador, “por vezes em contexto de competição, quando há viagens para fora, partilha de espaços, hotéis”, alertou Miguel Nery.
O psicólogo do desporto Jorge Silvério pediu atenção a identificar sinais, como mudanças de comportamento, alterações de humor, de atitude, de hábitos de sono ou alimentares, ao querer abandonar a atividade desportiva ou sentir raiva em situações aparentemente sem nexo.
Segundo o clínico, vários destes sinais, juntos, “podem ser um sinal” e devem “acender uma luzinha de aviso”.
Jorge Silvério realçou a importância de “convencer a vítima a procurar ajuda” e recomendou que quando se percebe que se passa alguma coisa e se sente que a pessoa não tem as competências para ajudar, deve encaminhar a vítima para um serviço especializado.
Cristina Almeida, do IPDJ, destacou a atenção dada a “todas as formas de abuso, sejam físicos, psicológicos ou sexuais.
“Se nos focarmos apenas no abuso e no assédio sexual, estamos aqui a manifestar uma desvalorização para outro tipo de abusos que são tão gravosos e tão prejudiciais como os sexuais”, disse.
A responsável acrescentou estar previsto que algumas medidas no âmbito do Roteiro para a Proteção de Jovens Atletas “sejam estendidas aos atletas adultos”. A meta é em 2023 ter um “guardião das organizações desportivas” em cada uma das federações e no ano seguinte cada clube ter na sua estrutura um destes agentes “protetor das crianças e jovens”.
Comentários