Sorte, mérito, coração, competitividade, união ou força psicológica. Elementos diferentes, com origens distintas, mas todos sinónimos daquilo que no futebol se chama a estrelinha – algo indefinido, difícil de materializar, por isso de mérito duvidoso. Sabe-se somente que costuma estar com quem ganha, nomeadamente com os campeões, mas pouco mais.
O Sporting CP, diz-se, tem tido estrelinha. Na verdade, sendo mais rigorosos, o mesmo já era referido sobre o SC Braga de Rúben Amorim, que chegou a conquistar a Taça da Liga na época passada e que bateu o pé a vários grandes ao longo do seu curto trajeto na equipa minhota. Temos, por isso, o primeiro ponto comum: além de estar com quem ganha, a estrelinha está com o agora treinador dos leões. Curioso.
Se se trata de algo não controlável, casual e aleatório, a palavra certa será aquela que iniciou o artigo: sorte. Rúben Amorim não tem o curso necessário nem tão pouco a experiência muitas vezes apregoada como essencial, mas tem sorte desde que chegou ao principal escalão do futebol nacional. Parece-me redutor.
A sorte e o azar existem – duvido de que com relação exclusiva com qualquer das partes –, são visíveis vezes sem conta no futebol. Já todos vimos equipas a controlar o jogo do ponto de vista técnico-tático de força exímia, apresentar uma exibição de nível mais alto do que o rival, mas fazer menos golos do que o adversário. Tiveram azar. E a outra equipa teve sorte. Não há nada de errado com isto apesar de haver quem negue que no futebol a sorte e o azar existam. Os treinadores não controlam tudo, os analistas não fazem pior o seu trabalho por incluírem nas suas análises essa fortuna e os méritos não são beliscados por se fazerem acompanhar da tal pontinha de sorte que umas vezes aparece, outras não, e que não raras vezes marca as diferenças entre dois conjuntos de valor semelhante e competência equiparável.
Em suma, acho que o Sporting CP tem tido sorte mais vezes do que azar. Tal como a esmagadora maioria das equipas que ganham e que enfrentam concorrência de nível próximo. Ao contrário do ano de 2015/16, em que teve mais azar do que sorte. Mas João Mário escreveu nas redes sociais, e quando João Mário nos escreve, devemos ouvir: “a estrelinha dá muito trabalho”.
Que trabalho é esse? Há méritos do ponto de vista técnico-tático que são evidentes. Por um lado, excelente articulação entre a linha defensiva e boa capacidade para controlar os espaços sem bola, o que faz o Sporting CP, por larga margem, ser a defesa menos batida da liga; por outro, a forma como carrega consecutivamente a defesa adversária através de um jogo agressivo, de muita procura pelo espaço nas costas dos defesas, ora com movimentações sem bola, ora mesmo com passes a tentar encontrar os avançados desmarcados, o que exige muito de quem defende.
Contudo, parece-me consensual, o futebol que os verdes e brancos praticam não explica, por si só, o registo histórico alcançado e a diferença tão grande na classificação. Todos nos lembramos de várias equipas, dos rivais ou do próprio clube, que jogavam mais e melhor do que esta equipa de Rúben Amorim, mas sem tão bons resultados.
Por isso, repetimos: que trabalho é esse de que fala João Mário? O treinador trabalha apenas as questões técnico-táticas? Nem de longe. Amorim falou, no final do último jogo com o Santa Clara, “no coração” que os seus jogadores têm. Quando falta o resto – a estratégia, a inspiração individual e as soluções coletivas do modelo de jogo – o coração resiste. Mas como se traduz concretamente esse coração? É uma expressão abstrata, sujeita à interpretação de quem a ouve, mas que nos leva para a dimensão psicológica que, nos cursos de treinadores, também é abordada. Dizem-nos os formadores que no futebol existem quatro dimensões – a técnica, a tática, a física e a psicológica. Esta última é a mais difícil de avaliar e medir, mas nem por isso menos importante.
É recorrente falarmos nela quando as coisas não correm bem. Quando se instauram as crises, dizemos que os jogadores não têm confiança e que se deixam abater pela pressão. É da dimensão psicológica que falamos. Pelo contrário, quando as equipas ganham, é raro o adepto ou mesmo o treinador que faça menção a essa força mental, união ou… coração, como lhe chamou Rúben Amorim. Mas mal: é que, tal como afeta quando os resultados não são bons, a dimensão psicológica também ajuda – e muito! – quando a equipa entra numa espiral positiva.
Assim, parece-me que analisar esta temporada do Sporting CP, até há pouco tempo um clube que parecia quase irreversivelmente dividido, sem focar claramente o trabalho existente no campo psicológico é totalmente errado.
Cresceu no plantel uma união que é facilmente visível (note-se como quem não joga celebra os golos daqueles que estão em campo, e como os que estão em campo procuram os que não estão na hora de celebrar um momento que tantas vezes significa protagonismo individual para o marcador do golo), esse sentimento extrapolou da equipa para o clube e respetivos adeptos (o mote “Onde vai um, vão todos” tornou-se viral entre os sportinguistas) e, hoje, os jogadores acreditam em si próprios em contextos mais difíceis do que aqueles que anteriormente bastavam para os derrotar.
Sorte, mérito, coração, competitividade, união ou força psicológica. Elementos diferentes, com origens distintas, mas todos sinónimos daquilo que este Sporting CP significa.
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