Ter Paulo Futre num painel é motivo de regozijo. Quem o conhece sabe que, assim que começar a falar, o antigo internacional português vai prender a plateia com a sua forma peculiar de contar histórias. Porque Futre é espontâneo. Apaixonado. Sem filtro. E foi isso que fez esta tarde, no primeiro dia do IV Congresso 'O Futuro do Futebol' no Pavilhão João Rocha, organizado pelo Sporting.

Num painel subordinado ao tema 'Liderança em tempos de crise', Paulo Futre recordou o dia em que foi nomeado capitão do Atlético Madrid. Ou melhor, o dia em que foi obrigado a ser capitão do Atlético Madrid, aos 22 anos. Um português, jovem, a comandar um balneário cheio de internacionais espanhóis, jogadores da casa, por imposição do malogrado Jesús Gil y Gil.

"Quando chego ao estádio, um dos funcionários veio ter comigo para me avisar que o presidente queria falar comigo. O antigo capitão tinha sido destituído e ele disse-me que ia ser o próximo capitão. Eu? Pânico. Medo. Disse-lhe, 'Presidente, tenho 22 anos, há aí jogadores com 30 anos, alguns da formação, com vários anos de casa, outros internacionais e você vai buscar um português? Não quero'. E ele, 'vais ser tu e está decidido'. Obrigou-me.

E foi aí que me lembrei do Manuel Fernandes e o dos meus tempos no Sporting. Com 15 anos, treinava de manhã com os seniores do Sporting e a tarde com os juniores ou juvenis. Ele dizia-me sempre, 'Paulinho, não tenhas medo, vai para cima deles'. A preocupação dele era o grupo e vi isso quando cheguei aos seniores. Íamos e vínhamos todos os dias entre Lisboa e Sarilhos Grandes.

Voltamos ao Atlético. Quando cheguei ao balneário, com um ambiente de 'cortar a faca', foi-lhes comunicado que eu ia ser o capitão. Todos me queriam matar e com razão. Eu não tinha perfil para capitão. Ainda por cima um português, com 22 anos. E eu disse-lhes que não queria ser capitão. Mas ali aprendi a ser líder e a ganhar o balneário aos poucos. Consegui que o presidente aumentasse os prémios de jogo. Nesse ano, em setembro, éramos últimos, com um ponto, abaixo da linha de água e já eliminados da Taça UEFA.

Mas há uma história que mudou tudo. Nesse ano, em 1988, há um miúdo da formação que sobe a equipa principal o Carlos Aguilera, com contrato profissional. Só que começa a sentir dores na tíbia, faz exames e descobre-se que tem cancro na tíbia. Foi um drama no balneário, mas também na imprensa espanhola. Então Gil y Gil, então presidente do Atlético Madrid, disse que ia renovar o contrato do miúdo por cinco ou seis anos. Entretanto o miúdo é operado, volta aos treinos e eu todos os dias perguntava-lhe 'Já renovaste?', e ele 'Não, ainda não'. Então todos os dias passei a chatear o presidente com o assunto.

Depois toca a renovar comigo. Toda a imprensa no escritório dele em Madrid, ele pega na caneta e assina, dá-me a caneta e quando vou assinar, digo-lhe: 'Vai chamar o miúdo [o Aguillera] e vais assinar com ele e só depois comigo. Então veio o miúdo, o empresário dele e assina. Depois quando entrou no balneário, é a primeira vez que vejo respeito nos olhares dos companheiros. Foi a primeira vez que me senti líder.

Uns anos depois sou diretor desportivo do Atlético Madrid. A 6 de novembro de 2000, reinava o caos total no clube. Nessa noite não dormi, porque tínhamos perdido nas Ilhas Canárias. Foi quando o Gil y Gil disse aos jornalistas: 'Não há avião, não há barco, eles vão ter de vir a nado'.

Os jogadores tinham mais medo do presidente do que dos adeptos radicais.

E eu a pensar: 'Como vou resolver isto?

Nessa altura o capitão do Atlético era exatamente o Aguillera. Pedi a ele que contasse a história de quando fui feito capitão, disse-lhes que o capitão não ia entrar no balneário. E foi o que aconteceu. A partir daí começamos a ganhar jogos.

Nessa altura, o Salva Ballesta [avançado do Atlético Madrid], disse à imprensa após essa derrota com o Tenerife que, para sairmos da situação em que estávamos, tínhamos de ter 'huevos' [traduzido para português será algo com tomates]. Quando cheguei ao balneário, perguntei-lhe o que ele tinha dito. Então tirei a o cinto, baixei as calças, as cuecas e mostrei 'huevos'. Depois disso começamos a ganhar.

Ninguém se faz líder aos 22 anos: uns nascem líderes, outros fazem-se líderes e outros são obrigados a ser, como eu", contou Paulo Futre.

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