Quando a felicidade é uma rotunda todos os caminhos vão dar ao Marquês de Pombal. No momento em que Jorge Sousa apitou para o final do jogo da 34.ª jornada entre Benfica e Santa Clara, já milhares de adeptos 'encarnados' se concentravam no coração da capital portuguesa para celebrar o 37.º título de campeão nacional depois de uma recuperação de quatro meses que culminou com uma das melhores segundas voltas de sempre no campeonato e o registo histórico de 103 golos.
Mas no início de janeiro, poucos adeptos do Benfica acreditavam que a reconquista fosse possível. Depois de uma derrota surpreendente em Portimão por 2-0 os 'encarnados' caíram para o quarto lugar da tabela classificativa com sete pontos de atraso para o primeiro lugar, quando ainda faltava uma segunda volta com deslocações a Alvalade, Dragão, Guimarães e Braga. Rui Vitória acabou por ser despedido e Bruno Lage, treinador da equipa B, foi o escolhido por Luís Filipe Vieira para assumir o comando técnico da equipa quando faltavam duas jornadas para o final da primeira volta. E o resto, como se costuma dizer, é história. Bruno Lage liderou uma autêntica 'revolução' e em quatro meses tudo mudou, a começar desde logo no modelo de jogo. A equipa do Benfica recuperou os níveis de confiança a jogar em 4x4x2, entraram jogadores da formação, João Félix passou a jogar ao lado de Seferovic e as goleadas começaram a ser uma constante. E o que começou por ser a reconquista dos adeptos terminou com o renascimento de uma equipa campeã.
Na ressaca do adeus ao 'penta'
Depois de perder a possibilidade de fazer história na época passada ao perder o título para o FC Porto na Luz, o Benfica começou a temporada com a pressão de inverter o ciclo das vitórias dos 'dragões, e a obrigatoriedade de entrar, desde logo, na fase de grupos da Liga dos Campeões. Apesar do afastamento de Luisão, a equipa comandada por Rui Vitória conseguiu alcançar o primeiro objetivo da época com o apuramento para a Liga dos Campeões, mas as exibições da equipa não convenciam, e chegavam mesmo a ser sofríveis em alguns momentos.
O triunfo sobre o FC Porto por 1-0 à 7.ª jornada deu algum alento à equipa, mas duas derrotas consecutivas frente a Belenenses SAD (2-0) e Moreirense (3-1 na Luz) iam deitando tudo a perder. Na Liga dos Campeões, o Benfica foi goleado pelo Bayern Munique por 5-1 e a queda para a Liga Europa era cada vez mais uma certeza após uma derrota e um empate frente ao Ajax.
Confirmada a 'despromoção' à Liga Europa com um triunfo sobre o AEK pela margem mínima, a equipa de Rui Vitória ia-se mantendo na corrida ao primeiro lugar do campeonato nacional com vitórias tangenciais. Rui Vitória chegou a estar com um pé de fora da Luz, mas Luís Filipe Vieira manteve a aposta no técnico. Os 'encarnados' golearam o SC Braga por 6-2 no último jogo para o campeonato em 2018, mas uma derrota por 2-0 em Portimão na jornada seguinte deixou o Benfica em quarto lugar, a sete pontos da liderança.
Chegada de Bruno Lage e a reconquista dos adeptos com o regresso às boas exibições
Com a saída de Rui Vitória, Luís Filipe Vieira apostou em Bruno Lage para assumir o comando técnico da equipa. O treinador da equipa B passou por vários escalões de formação do Seixal mas nunca tinha comandado uma equipa do primeiro escalão na sua carreira. Logo na estreia frente ao Rio Ave, o Benfica de Bruno Lage apresentou algumas mudanças, nomeadamente ao nível do modelo de jogo. O técnico recuperou o 4x4x2 em detrimento do 4x3x3 de Rui Vitória, e o Benfica venceu a formação de Vila do Conde por 4-2 depois de uma desvantagem de dois golos na primeira parte. João Félix e Seferovic destacaram-se com dois golos cada, e nas bancadas da Luz voltou a acreditar-se que o título era possível.
Esta vitória do Benfica sobre o Rio Ave deu início a um ciclo impressionante de vitórias da formação comandada por Bruno Lage no campeonato nacional. O técnico natural de Setúbal recuperou alguns jogadores do plantel encarnado que não faziam parte das contas de Rui Vitória, nomeadamente Samaris, e a equipa passou com distinção os desafios frente a Vitória de Guimarães, Sporting e FC Porto. O triunfo por 2-1 em pleno estádio do Dragão permitiu ao Benfica ascender à liderança do campeonato, mas um empate surpreendente em casa, na jornada seguinte, frente ao Belenenses SAD deixou 'águias' e 'dragões' em igualdade pontual com 'nove' finais pela frente.
Nove vitórias consecutivas para chegar ao Marquês de Pombal
Após o desaire caseiro frente ao Belenenses SAD, a equipa do Benfica perdeu a vantagem de dois pontos que tinha sobre o FC Porto e estava obrigada a vencer todos os jogos para garantir o título. Em Moreira de Cónegos, João Félix e Samaris abriram o marcador antes do intervalo para um triunfo final de 4-0. Seguiu-se então uma receção ao Tondela na Luz resolvida por Seferovic a poucos minutos do apito final. A equipa de Bruno Lage começava a dar sinais de algum nervosismo nos jogos em casa e na jornada seguinte, na deslocação ao reduto do Feirense, o Benfica precisou de uma reviravolta no marcador para somar os três pontos.
Com seis finais pela frente, o Benfica ainda tinha compromissos europeus na Liga Europa. João Félix fez história no triunfo por 4-2 sobre o Eintrach Frankfurt na primeira mão dos quartos de final ao tornar-se no jogador mais jovem de sempre dos 'encarnados' a apontar um 'hat-trick' em jogos europeus, mas uma derrota polémica por 2-0 na Alemanha afastaria o Benfica das meias-finais da competição.
No entanto, o afastamento dos 'encarnados' da Liga Europa não afetou o rendimento da equipa naquele que era o principal objetivo da época. Apesar de jogar quase sempre depois do FC Porto, o Benfica recuperou sempre o primeiro lugar com triunfos categóricos na receção a Vitória de Setúbal e Marítimo. Em Braga, a equipa de Bruno Lage chegou ao intervalo a perder por 1-0, mas conseguiu dar a volta ao marcador na segunda parte para vencer por 4-1. Depois de recuperar nove pontos ao FC Porto, o Benfica aproveitou o deslize dos 'dragões' em Vila do Conde para se isolar novamente na liderança quando faltavam três jogos para o fim do campeonato nacional. Com um triunfo sobre o Portimonense por 5-1 e outro sobre o Rio Ave por 3-2, o Benfica chegava à última jornada do campeonato a precisar de apenas um ponto frente ao Santa Clara para alcançar o tão desejado 37.
A receção apoteótica dos adeptos para o jogo do título
Na última jornada do campeonato, o estádio da Luz teve lotação esgotada para o jogo entre Benfica e Santa Clara. Horas antes do apito inicial, milhares de adeptos do Benfica reuniram-se junto à rotunda Cosme Damião para uma receção apoteótica ao autocarro que transportava a comitiva encarnada.
Depois de várias 'finais' ultrapassadas, a equipa de Bruno Lage chegava ao último jogo da época com a possibilidade de conquistar o título apenas com um empate frente ao Santa Clara. Com uma vantagem de dois pontos sobre o FC Porto, os adeptos do Benfica deram corpo a uma autêntica 'maré vermelha' na chegada da equipa ao Estádio da Luz para um pedido especial: "Benfica, dá-me o 37!".
Goleada ao Santa Clara para selar a reconquista
A noventa minutos da conquista do título, as bancadas do Estádio da Luz agitaram-se para ver o pontapé de saída dado por Seferovic. O Santa Clara entrou bem na reduto encarnado e até criou perigo nos instantes iniciais do jogo.
No entanto, um passe longo de Samaris permitiu a Haris Seferovic marcar o 100.º golo do Benfica no campeonato e abrir o marcador. Instantes depois, João Félix numa jogada genial tirou um adversário da frente com uma simulação e rematou para o 2-0.
O 'vulcão' da Luz entrou definitivamente em erupção com o golo de João Félix e antes do intervalo Rafa Silva ampliou a vantagem encarnada para 3-0. No segundo tempo, Seferovic fez o 4-0 para o Benfica e as bancadas da Luz começaram logo a cantar 'o campeão voltou'. O Santa Clara ainda reduziu para 4-1, mas a festa benfiquista já estava em marcha e prolongou-se noite a dentro.
No momento em que Jorge Sousa apitou para o final do jogo da 34.ª jornada as bancadas já gritavam 'o campeão voltou'. Os jogadores e equipa técnica do Benfica deram então início às celebrações em pleno relvado da Luz enquanto que nas bancadas os adeptos festejavam efusivamente a conquista do título de campeão. Bruno Lage regressou ao relvado da Luz com uma camisola de Jaime Graça numa sentida homenagem ao antigo internacional português do Benfica.
Entre o compasso de espera pela chegada de Pedro Proença, presidente da Liga de Clubes, ao Estádio da Luz para a entrega do troféu, eis que surge em pleno relvado Eliseu. O antigo jogador apareceu 'montado' na célebre lambreta da conquista do 'Tetra' e a Luz 'veio abaixo'.
Maré vermelha, paixão encarnada
Após a entrega da taça de campeão nacional em pleno relvado do Estádio da Luz, a comitiva do Benfica seguiu num autocarro panorâmico rumo ao Marquês de Pombal onde se concentravam mais de 500 mil adeptos para receber a equipa.
Mas a festa do título do Benfica não se confinou à rotunda do Marquês de Pombal. Um pouco por todo o país, milhares de adeptos encarnados saíram à rua de norte a sul para dar mais cor às celebrações pela conquista do 37.º título de campeão. E a cidade do Porto não foi excepção, com milhares de adeptos do Benfica a juntarem-se na Rotunda da Boavista para as habituais celebrações.
Apesar do epicentro da festa do 37 ter sido no Marquês de Pombal, também no mundo lusófono as celebrações dos adeptos do Benfica foram notícia. De Luanda a Paris, passando por Maputo ou Nova Iorque, milhares de adeptos encarnados saíram à rua para festejar o título de campeão.
Em Paris, por exemplo, a conquista do Benfica foi vivida com tanta ou mais euforia do que em Portugal, com declarações de amor ao clube, bifanas e muita festa à mistura. A festa ‘encarnada’ só não prosseguiu nos Campos Elísios devido aos coletes amarelos, mas a Casa do Benfica de Paris fez o impensável na noite do título. Foi obrigada a recusar adeptos que acorreram às centenas ao 14.º bairro da capital francesa para ver o jogo frente ao Santa Clara.
Também em Maputo centenas de pessoas ‘invadiram’ a praça Robert Mugabe, considerada a Praça Marquês de Pombal da capital moçambicana, para festejar o triunfo do Benfica num ambiente "pintado" a vermelho.
A noite dos festejos do título foi longa e prolongou-se noite dentro. Bruno Lage discursou perante uma plateia de meio milhão de pessoas para fazer um apelo aos adeptos do Benfica num dos momentos altos das celebrações pela conquista do 37.º título de campeão.
"Chegámos justamente ao título, é mais do que merecido. Que este título, que estava perdido, seja também a forma de dar mérito a quem ganha. Quando os adversários ganharem, temos de lhes dar mérito. Só assim eles nos darão mérito a nós. Há coisas mais importantes do que o futebol, se vocês tiverem esta mesma exigência noutros temas da sociedade portuguesa, o nosso país vai ser melhor. Vamos reconquistar os valores de Portugal", afirmou Bruno Lage.
E a festa continuou até segunda-feira na Praça do Município
Dois dias depois dos festejos no Marquês de Pombal, a comitiva do Benfica voltou a ser 'engolida' por um 'mar de gente' na Praça do Município em Lisboa.
Os campeões nacionais mostraram o troféu conquistado num ambiente fantástico, de muita festa e cor por parte dos adeptos do Benfica, ainda a saborear um título que parecia quase impossível em janeiro.
Depois de uma temporada em que esteve a sete pontos da liderança, o Benfica conseguiu fazer uma recuperação fantástica e mostrar que não há impossíveis no futebol. Bruno Lage foi o grande obreiro da conquista do título depois de recuperar um balneário que parecia perdido numa 'rotunda sem saída'. O jovem técnico mudou o modelo de jogo do Benfica e introduziu uma nova metodologia de treino para levar os 'encarnados' a uma reconquista.
Tal como a fénix que renasce das cinzas, também o Benfica renasceu com a reconquista deste título. Depois de perder o histórico 'penta' na época passada para o FC Porto, o Benfica terminou a época com o título de campeão nacional e consolidou a hegemonia no futebol português ao conquistar o quinto troféu em seis anos. Para o ano há mais...
Comentários