Luís Filipe Vieira, que hoje renunciou a todos os cargos que tinha no Benfica, esteve envolvido numa longa lista de processos judiciais, a maioria diretamente associada a quase duas décadas de presidência do Benfica.

Detido a 7 de julho no âmbito da operação 'cartão vermelho', que averigua negócios e financiamentos superiores a 100 milhões de euros (ME), suscetíveis de causar prejuízos para o Estado e outras sociedades, incluindo a SAD do clube lisboeta, o 33.º presidente e o mais duradouro da história dos 'encarnados' é suspeito dos crimes "de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação, fraude fiscal e branqueamento”.

Vieira, que já tinha sido condenado uma vez, está envolvido em outro processo judicial por suspeitas de crimes económico-financeiros, dois meses após ter sido ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as perdas registadas pelo Novo Banco.

Considerado o segundo maior devedor desta entidade, viu uma das suas empresas gerar durante quatro anos perdas de 225,1 ME, numa dívida total de 760 ME, embora tenha reiterado por diversas vezes não ter tido “nenhum perdão de dívida, nem de juros”.

Luís Filipe Ferreira Vieira, de 72 anos, tem sido alvo de um interesse crescente das autoridades desde 2015, ao colecionar processos movidos em diferentes ritmos, com a maioria a aguardar por sentenças e alguns a cercarem as 'águias' na justiça desportiva.

No caso 'Saco Azul', em curso desde 2018, foi constituído arguido há precisamente 12 meses, a par do administrador da SAD Domingos Soares de Oliveira, tendo em conta alegados crimes de fraude fiscal suscitados numa investigação da Autoridade Tributária.

Já em setembro de 2020, Vieira tornou-se um dos 17 arguidos na 'Operação Lex', ao ser acusado pelo MP de recebimento indevido de vantagem, em coautoria com o vice-líder das 'águias', Fernando Tavares, e o advogado do presidente do clube, Jorge Barroso.

Menos adiantado está o caso 'Mala Ciao', que gerou buscas na Luz em novembro do ano passado, até porque recaiu sobre os lisboetas a suspeita de controlar clubes de menor expressão através da transferência de atletas para garantirem vantagens desportivas.

Luís Filipe Vieira é um dos principais visados neste inquérito, desencadeado em junho de 2018 e finalmente englobado num megaprocesso dedicado a e-mails que teriam exposto uma alegada teia de influências entre colaboradores das 'águias' e agentes desportivos.

Um ano antes, o FC Porto divulgara no Porto Canal mensagens de correio eletrónico do rival, sobre o qual levantou suspeitas de tráfico de influência e corrupção passiva e ativa, com o MP a pronunciar Paulo Gonçalves, antigo assessor jurídico da SAD do Benfica.

À investigação dos e-mails foi anexado outro caso independente, o dos vouchers, com origem numa denúncia em 2015 de Bruno de Carvalho, então presidente do Sporting, sobre ofertas do Benfica a árbitros, observadores e delegados antes dos seus jogos.

O processo desportivo foi arquivado há três anos, mas prossegue na justiça desde 2017, ano que precedeu a operação 'E-toupeira', relativo ao acesso indevido a processos com envolvência do Benfica e até de clubes rivais, tendo a SAD sido ilibada em sede de instrução, enquanto Paulo Gonçalves e dois funcionários judiciais vão a julgamento.

A título pessoal, Luís Filipe Vieira viu ser arquivadas em abril as acusações de burla qualificada, falsificação de documentos e branqueamento num processo ligado ao BPN, à imagem do caso da transferência de Pedro Mantorras do Alverca para a Luz, em 2007.

O cadastro judicial deriva de 1993, quando enfrentou 20 meses de prisão por ter roubado um camião nove anos antes, embora duas leis de amnistia lhe tenham valido o perdão total das penas, e ainda está implicado, indiretamente, na operação 'Porta 18', associada ao tráfico de estupefacientes num veículo do Benfica pelo seu ex-motorista José Carriço.

Fora dos tribunais, o empresário controlou a oposição interna crescente e foi reeleito em outubro de 2020 para um sexto mandato seguido, que assumiu ser o último à frente do Benfica, num percurso iniciado em outubro de 2003, quando rendeu Manuel Vilarinho.

Luís Filipe Vieira tinha chegado à Luz dois anos antes, em maio de 2001, na condição de diretor desportivo, concluindo uma década na presidência do Alverca, marcada pela subida da antiga II Divisão B até à I Liga e pela modernização do clube ribatejano.

Criado no Bairro das Furnas, em São Domingos de Benfica, estudou até à quarta classe, filiou-se nos rivais FC Porto e Sporting e variou o rumo profissional antes da vida próximo dos relvados, ao vender pneus e criar empresas no setor imobiliário e na construção civil.

Eleito seis dias depois da inauguração do novo Estádio da Luz, Vieira beneficiou da credibilidade institucional reposta por Manuel Vilarinho, após o mandato turbulento de João Vale e Azevedo, e fez recuperar um Benfica moribundo na viragem do milénio.

O regresso à estabilidade financeira e competitividade desportiva ficou expresso na conquista de sete campeonatos nacionais de futebol, três taças de Portugal, sete taças da Liga e cinco supertaças Cândido de Oliveira, intercaladas com duas finais da Liga Europa perdidas.

Além da melhor década das modalidades, os lisboetas construíram dois pavilhões, uma piscina, o Museu Cosme Damião e o centro de estágios do Seixal, pilar onde crescem talentos, que já renderam quase 480 ME e viabilizaram sete anos seguidos de lucros.

Só que esse vigor financeiro não foi sinónimo de 'pentacampeonato' e encarou fracassos sucessivos na fase de grupos da Liga dos Campeões, que o Benfica falhou em 2020/21, quando fez regressar o treinador Jorge Jesus, seduzido por um investimento de 105 ME, sem acrescentar títulos e deixar de somar polémicas diretivas, judiciais e reputacionais.

Depois de Luís Filipe Vieira ter anunciado a suspensão de funções “como presidente do Sport Lisboa e Benfica, bem como de todas as participadas do clube”, na sexta-feira, a direção do Benfica reuniu-se e o vice-presidente Rui Costa acabou por assumir a presidência do clube, bem como a liderança da SAD 'encarnada’.

Em plena pré-temporada e a pouco menos de um mês da disputa das pré-eliminatórias da ‘Champions’, a prisão domiciliária e demissão de Luís Filipe Vieira afigura-se um duro revés na estratégia desportiva e financeira das ‘águias’.