Finalmente consagrado campeão, o Sporting CP motivou discussões sem fim ao longo da época sobre os motivos que possibilitaram esta época até ao momento praticamente irrepreensível.
A curiosidade é grande sobretudo porque as probabilidades não pareciam estar do lado dos leões: é Rúben Amorim a única explicação? Passará por ele a resposta, não há como o negar, mas será este título um ‘one man show’? E a tão badalada estrelinha? Foi sorte?!
Do papel do jovem técnico aos factores incontroláveis, entre o campo da tática, do planeamento e da liderança, seleciono 5 pilares que ajudam a entender como foi possível surpreender tudo e todos e fazer os verdes e brancos regressar aos títulos nacionais.
O trabalho e a preparação psicológica
Amorim já várias vezes o referiu e admitiu: na sua formação como treinador, além de buscar conhecimento com outros técnicos, também recorreu a psicólogos para conseguir compreender e lidar melhor com os seus jogadores. Numa fase em que se analisa e disseca cada vez mais (e melhor) a esfera táctica do futebol, nem sempre se sublinha e atribui a devida importância à componente psicológica – tão relevante quanto qualquer outra no desenrolar
de um jogo e de uma temporada.
No contexto do Sporting CP, aliás, esta esfera psicológica é ainda mais importante do que é usual. Perante um clube dividido, com adeptos em fações opostas, onde reina um constante clima de desconfiança perante jogadores, treinadores e dirigentes, num ambiente em que ganhar é a exceção, gerar confiança e um acreditar comum foi fundamental.
Rúben Amorim fê-lo, mesmo após a eliminação caseira das competições europeias diante do LASK Linz, com todo o sucesso. Para isso muito contribuiu uma comunicação sempre clara, coerente e assertiva, que não provocou criar expetativas desmedidas à massa adepta. Em simultâneo, no plano interno, a confiança passada aos jogadores foi muita e o grupo mostrou sempre estar totalmente unido em torno do seu líder. “Nesta equipa, onde vai um vão todos e vai ser assim até final da época” foi uma das frases fortes da temporada e que prova precisamente este ponto.
A convicção nas suas ideias: o 3-4-3 do início ao fim
Há, em Portugal e fora, cada vez mais treinadores que fazem da flexibilidade tática um dos seus trunfos. Nagelsmann é assim, o próprio Guardiola ajusta bastante os posicionamentos dos seus jogadores de fim-de-semana para fim-de-semana e, pensando à escala nacional, Silas foi também alguém com este perfil em Alvalade. Num dia jogam num sistema, no seguinte apresentam-se num outro e há até alguns que durante o mesmo encontro também variam a
sua estrutura. Não é algo negativo – pode até ser bastante positivo – mas o seu contrário também tem vantagens indesmentíveis.
Olhando para o trabalho de Amorim, é possível ver que na sua curta carreira o 3-4-3 tem sido praticamente inegociável. Poderá ser mais previsível a forma como joga, dirão alguns, mas dados os resultados obtidos (não só ao comando dos leões) isso não parece ser problemático.
Sobre isso, aliás, o próprio Rúben Amorim já se pronunciou, na altura ainda em Braga: “a ideia é que se consiga entender o que o SC Braga vai fazer, mas não seja fácil de parar”. E, de facto, não é. O treinador utiliza o tal 3-4-3 desde os tempos no Casa Pia, passando por Braga, e em Alvalade colocou-o em ação logo no seu primeiro jogo.
Desde então nunca abdicou dele: estivesse a ganhar ou a perder, contra o primeiro ou contra o último. Esta continuidade e coerência facilita a absorção das tarefas e funções de cada um e o conforto com as ideias e sistema de Amorim é visível em campo.
A obra-prima de Amorim: a sua linha defensiva
Foi sendo dito ao longo da época e não há como fugir disso: o Sporting CP não foi nesta temporada uma equipa espetacular. Comparativamente a outros campeões do passado, este não foi um dos que mais capacidade ofensiva demonstrou. Contudo, pelo contrário, esteve sempre presente uma segurança defensiva que faz com que os leões tenham quase metade (!) dos golos sofridos do seu principal perseguidor, o FC Porto.
Este número é arrebatador – são 15 golos sofridos em 32 jogos, o que perfaz em média menos de um golo sofrido a cada dois jogos. Os dragões encaixaram 29. Para o entender há que ver que a linha defensiva dos verdes e brancos é muitíssimo bem trabalhada e conferiu uma segurança fora do comum.
Regressando ao sistema tático, o mesmo dita que em momento defensivo a equipa mantenha uma linha de 5 atrás. As vantagens são claras: com mais um elemento na sua linha defensiva do que as equipas que defendem a 4, é mais fácil controlar toda a largura do campo e também há uma maior facilidade em ajustar após a saída de um dos defesas quando os mesmos vão pressionar um adversário (médio ou avançado).
Além disso, foi sempre claro que os princípios defensivos estavam muito bem adquiridos na formação leonina. Os alinhamentos ao pormenor, o bom controlo do cruzamento e do fora-de-jogo foram uma das imagens de marca deste Sporting CP. A inacreditável época de Coates ajudou, mas mais do que um mérito individual, trata-se de um trabalho coletivo de excelência.
A composição do plantel: entre a formação e a experiência
Embora Rúben Amorim seja um nome incontornável na temporada do Sporting CP, é justo e mesmo obrigatório referir que o clube proporcionou ao seu treinador um equilíbrio ajustado entre aquilo que é a qualidade da sua formação e uma série de jogadores mais experientes.
No primeiro lote, destaque para Nuno Mendes, Gonçalo Inácio, Daniel Bragança e Tiago Tomás que foram importantes e cresceram em Alcochete, além dos um pouco mais experientes João Mário e João Palhinha ou dos menos utilizados Jovane Cabral, Eduardo Quaresma ou Luís Maximiano.
Depois, não se pode ignorar o peso dos muito experientes Adán, Feddal, Coates e mesmo João Mário, além daqueles que não tiveram tantos minutos, mas certamente assumiram um papel de destaque no balneário verde e branco, como Luís Neto, João Pereira ou Antunes.
Por fim, de realçar a aposta cirúrgica no mercado nacional, de onde chegaram Pedro Gonçalves, Nuno Santos e depois Paulinho e Matheus Reis. Hugo Viana e Frederico Varandas formaram um grupo de origens diferentes, mas que se complementou na perfeição e, sem fugir à identidade leonina muito ligada à aposta na formação, proporcionou ao seu treinador um grupo ambicioso e com qualidade.
A Estrelinha
Discutiu-se e discute-se vezes sem conta quanto do sucesso deste Sporting CP tem a ver com a ‘estrelinha’ e com a sorte. Desde logo não me parece que ambos sejam sinónimos. A estrelinha é uma componente que envolve alguma sorte, sim, mas que também é provocada e, como tantas vezes se diz, procurada.
Já abordei este tópico no passado, aqui, por isso não o vou dissecar novamente ao pormenor, mas não posso deixar de sublinhar a ligação próxima que me parece haver entre o início e o fim deste artigo: sem a tal capacidade psicológica fomentada por Amorim, traduzida numa união e confiança sem precedentes, em quantos dos jogos em que o Sporting CP marcou no final os jogadores continuariam a procurar o golo como o fizeram?
Houve sorte nalguns momentos essenciais, sim, mas até essa sorte deu trabalho. E, como foi bom, os resultados também o foram.
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