A noite de 21 de julho de 2020 ficará durante muito tempo gravada na memória do futebol português. Felizmente, e ao contrário do que até se podia esperar, não terá necessariamente de ser pelos piores motivos.
Nada apaga, claro, tudo o que se passou ao longo dos últimos dias à volta de um encontro cuja realização chegou a estar em risco. Mas aquele primeiro minuto de jogo, em que os jogadores do Aves permaneceram estáticos, em forma de protesto simbólico face a tudo o que estão a viver, enquanto os do Benfica, solidários, se limitavam a trocar a bola no seu meio campo, não só terá provocado um arrepio na espinha de todos os que a ele assistiram, como poderá ajudar a abrir os olhos de quem precisa de agir para que situações como esta não se venham a repetir.
E, no fim, um jovem de 19 anos precisou de apenas oito minutos em campo para nos lembrar que, afinal, o futebol, em Portugal ou noutro país qualquer, será sempre, por mais que as polémicas e as histórias mal contadas se sucedam, aquele lugar mágico onde os sonhos se podem realizar.
Um jogo que contava para pouco, mas que nos ensinou muito em termos do que é a honra e o orgulho de um conjunto de jogadores, e nos relembrou como o futebol português tem o dom de continuar a produzir talentos, apesar de tudo...
Partida 'a feijões', mas com muitas histórias para contar
Com as respetivas posições na tabela classificativa definidas e o destino traçado - o Aves, lanterna vermelha, vai descer ao segundo escalão e o Benfica, segundo classificado, vai disputar as pré-eliminatórias de acesso à Liga dos Campeões - as duas equipas entraram em campo sem nada em jogo, a não ser o orgulho.
E, nesse campo, os jogadores do Aves marcaram um 'golo' mal a bola começou a rolar, com o tal protesto simbólico que, no mínimo, dará visibilidade à difícil situação que estão a viver.
No outro campo, porém, o do 'jogo jogado', foi o Benfica que marcou, e também bastante cedo. Pizzi, com um passe fantástico, isolou Rafa e este não perdoou.
Era tudo o que o Aves não precisava, perante tudo o que está a viver: ver-se tão cedo em desvantagem no marcador. Assim - e era difícil que fosse de outra forma, perante tantas contrariedades,treinos cancelados, rescisões de contrato e seis jogadores da equipa de sub-23 no 'onze' inicial - os homens da casa não conseguiam contrariar o futebol do adversário. O Benfica foi criando várias ocasiões e os da casa raramente incomodavam Svilar, que com surpresa foi titular na baliza dos forasteiros.
O 2-0, porém, só surgiu na segunda parte. Estavam decorridos 50 minutos de jogo quando Pizzi converteu com êxito uma grande penalidade, marcando um golo que lhe permite isolar-se no topo da lista de melhores marcadores da I Liga, a uma jornada do fim da prova.
À medida que os minutos iam passado, os jogadores Aves pareciam acusar cada vez mais o desgaste - físico e psicológico - da semana que viveram. Mas, apesar das várias ocasiões de golo que o Benfica ia criando, o 2-0 ia-se mantendo.
Gonçalo Ramos salta do banco para nos lembrar que o futebol, a final, é isto e não aquilo
Até que, aos 85 minutos, Nélson Veríssimo fez saltar do banco um jovem de 19 anos para se estrear oficialmente pela equipa principal do Benfica. Gonçalo Ramos substituiu Pizzi e, dois minutos depois, assinalava a estreia com um golo pleno de classe. Mágico, mas não mágico o suficiente para ofuscar todos os aspetos negativos que envolver o jogo.
Era preciso fazer ainda mais para que a história do jogo fosse outra, que não a de mais uma memória triste para o futebol português. E Gonçalo Ramos fez mais: no terceiro minuto do período de descontos, assistido por Dyego Sousa, bisou na partida. A história do jogo, afinal, poderia ser positiva: a de um novo 'menino de ouro' a nascer para os lados da Luz.
O Momento
Primeiro minuto de jogo. Os jogadores do Benfica dão o pontapé de saída e a bola começa a rolar. Mas os jogadores do Aves não se mexem. Permanecem estáticos, sem saírem das suas posições durante 60 segundos. E os adversários, cientes do que se está a passar, limitam-se a trocar a bola entre si, à espera que esse minuto acabe. No fim, aplausos de todas as partes. Arrepiante, marcante e sintomático daquilo que os jogadores do Aves estarão a viver...
O Melhor em Campo
Gonçalo Ramos brilhou a grande altura nos cerca de oito minutos que esteve em campo. Dois golos no jogo de estreia pela equipa principal do Benfica e uma noite para jamais esquecer. Mas foi o homem que ele substituiu aos 85 minutos o responsável por lançar as 'águias' para a vitória.
Pizzi fez a assistência para o golo com que Rafa abriu o marcador, assinou o segundo na conversão de uma grande penalidade e esteve em praticamente todos os lances de perigo que o Benfica criou enquanto esteve em campo. O título de melhor marcador da I Liga poderá estar ao 'virar da esquina', para premiar mais uma época notável do internacional português.
As reações
Nuno Manta: "Vamos continuar a dignificar a camisola do Aves enquanto nos permitirem"
Nélson Veríssimo: "Sabíamos que íamos ter um jogo de dificuldade acrescida"
Afonso Figueiredo: "Um país campeão europeu não devia estar a passar por isto"
Pizzi: "Jesus é um grande treinador e vai ajudar-nos muito"
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