Campeão pelo Benfica quatro vezes, e vencedor de outros tantos troféus no Jamor, Álvaro Magalhães começou a jogar futebol no clube da sua terra, em Lamego, antes de saltar para a Académica de Coimbra de Pedro Gomes no final da década de 70.
Pela mão de Mário Wilson estreia-se na primeira divisão do futebol nacional e desperta cobiça de Benfica, FC Porto e Sporting. Acaba por rumar à Luz e logo no primeiro treino sente o peso das 'mística' do clube lisboeta. Faz com Chalana uma das melhores duplas de sempre na ala esquerda da Seleção Nacional no Europeu de 1984 e participa no regresso do Benfica às grandes finais europeias.
A passagem pelo Benfica dura 'apenas' nove anos, mas Álvaro Magalhães deixa a sua marca no 'Terceiro Anel' antes de rumar ao Estrela da Amadora de Manuel Fernandes e José Mourinho. Disputa ao serviço do clube da Reboleira uma Supertaça de Portugal com o FC Porto, mas uma lesão num braço afasta-o vários meses de competição. Pendura as chuteiras em Matosinhos ao serviço do Leixões e começa a sua carreira de treinador em Santa Maria da Feira no Lusitânia Lourosa.
Já como treinador do Santa Clara, Álvaro Magalhães deixa o clube açoriano na primeira posição do seu escalão e não resiste ao convite do Gil Vicente para rumar a Barcelos onde acaba por conquistar o título da 2ª Divisão de Honra da temporada 1998/1999. No regresso à 1ª divisão, o clube de Barcelos alcança o impressionante quinto lugar na classificação, mas um convite do Vitória SC de Pimenta Machado convence Álvaro Magalhães a outros voos. Seguiu-se um regresso ao Estrela da Amadora em 2001 e uma fantástica passagem pela Naval 1º de Maio em 2002.
No clube da Figueira da Foz, Álvaro Magalhães levou a Naval 1º de Maio às meias finais da Taça de Portugal que perde para o FC Porto de Mourinho, mas só depois de eliminar, em Alvalade, o Sporting de Cristiano Ronaldo, Jardel e Sá Pinto nos quarto-de-final.
Em 2003 regressa ao Benfica para ser treinador adjunto de Camacho e conquista uma Taça de Portugal frente ao FC Porto de José Mourinho, futuro campeão europeu de 2003/2004. Na temporada seguinte, o Benfica de Giovanni Trapattoni conquista o título de campeão nacional e Álvaro Magalhães é um dos principais factores de sucesso do técnico italiano em Lisboa.
Os bons indicadores deixados na equipa técnica do Benfica levam Álvaro Magalhães a treinar clubes como Olhanense, Feirense e a uma experiência no estrangeiro ao serviço dos romenos do Gloria Buzău antes de rumar a Angola para assumir o comando técnico do Interclube. Ao serviço dos 'polícias', Álvaro Magalhães conquista o título do Girabola, mas falha a 'dobradinha' nesse mesmo ano ao perder a Taça de Angola nas grandes penalidades.
A boa experiência no futebol angolano permite a Álvaro Magalhães regressar a Portugal para treinar a Naval 1º de Maio, mas não consegue repetir o sucesso da sua primeira passagem na Figueira da Foz e o clube não consegue manter-se na II divisão. Na temporada seguinte, Álvaro Magalhães assume o comando técnico do Tondela mas um problema familiar acaba por afastá-lo por dois anos dos relvados. Na época passada treinou o Gil Vicente e está atualmente sem clube depois de rejeitar recentemente um eventual regresso ao estrangeiro.
Com um percurso tão longo no futebol português, pedimos boleia ao 'Expresso de Lamego' para uma visita na primeira pessoa às suas memórias e à forma como conquistou o seu espaço no panorama desportivo.
Começou a jogar em Lamego, na terra de José Maria Pedroto, uma das maiores figuras do futebol português. Ganhou o gosto pela vitória nos Cracks Clube de Lamego e despertou interesse da Académica de Coimbra para onde acabaria por rumar para estudar e jogar nos juniores. E como todas as viagens têm um início, Álvaro Magalhães não esquece como tudo começou e quem foram os seus 'padrinhos' e 'pais' do futebol.
"Comecei nos juniores da Académica com o treinador Juca e depois passei para os seniores onde tive a felicidade de ter um treinador especializado em subir equipas da segunda para a primeira divisão, o senhor Pedro Gomes, que acaba por ser o meu primeiro pai no futebol sénior, e que me lançou. Ele era um treinador que não olhava para idades, olhava sim para o empenhamento dos jogadores, para aquilo que o atleta fazia dentro, e fora também, do campo, porque ele já na altura era um treinador que estava sempre preocupado com os jogadores e foi o Pedro Gomes que me lançou naquela equipa que acabámos por subir de divisão em 1979/1980", começa por recordar Álvaro Magalhães.
Depois de ajudar a Académica de Coimbra de Pedro Gomes a subir de divisão surge no caminho do jovem Álvaro Magalhães outro treinador, e que o iria marcar para sempre: Mário Wilson.
"Foi o Mário Wilson que acaba depois por apanhar a equipa já na primeira divisão. Um cérebro, um 'genttleman', um mestre, que as pessoas esquecem-se, ou não sabem, ou fazem de propósito, pois o futebol está mais que inventado. O capitão Mário Wilson já estava muito à frente de muitos treinadores, tal como o José Maria Pedroto, mas eu falo do 'Capitão' Mário Wilson porque foi uma pessoa que foi meu treinador e o grande obreiro da minha ida para o Benfica", recorda o antigo internacional português.
E como Mário Wilson e José Maria Pedroto protagonizaram uma das rivalidades mais acesas do futebol português, perguntámos a Álvaro Magalhães se a indicação do 'Velho Capitão' ao Benfica foi uma espécie de 'vingança', mas o antigo lateral esquerdo descarta esse cenário.
"[Foi] porque Mário Wilson tinha uma costela benfiquista, sabia do interesse de outros clubes, nomeadamente o Sporting e o FC Porto, e foi ele quem telefonou para os responsáveis do Benfica para me contratarem rapidamente, porque senão, eu teria ido para o FC Porto ou para o Sporting", contou-nos Álvaro Magalhães.
"Aliás, o Sporting perde-me porque o diretor na altura não soube negociar as coisas, pois queria fazer uma coisa que detesto na vida. Ora, basicamente, o diretor do Sporting queria que continuasse na Académica de Coimbra para que o Sporting não tivesse de pagar nada à Académica. Acho que se ele me quisesse contratar tinha de falar com a Académica, chegar a acordo, e foi isso que o Benfica fez. O Benfica nessa altura já era diferente nesse aspecto, a direção do Benfica falou com a direção da Académica, chegaram a acordo com a direção da Académica, e a partir daí, os diretores da Académica, grandes senhores, falaram comigo sobre o interesse do Benfica e a partir daí foi mais fácil de negociar o meu contrato, e foi assim que aconteceu", revelou o antigo jogador.
Depois de passar o baptismo de fogo da Luz, em que as pernas lhe tremeram no primeiro treino, Álvaro Magalhães deixou de ceder ao nervosismo para encarar jogadores como Sammy Lee, Vialli ou Bruno Conti como mais um adversário.
E se o salto dos Cracks de Lamego para a Académica de Coimbra já tinha sido grande, quando Álvaro Magalhães chega ao Benfica do húngaro Lajos Baróti sente o peso da 'mística' do clube da Luz logo no primeiro treino em que recebe um conselho de Nené.
"No primeiro dia que chego ao Benfica as pernas tremeram. No primeiro treino parecia que não sabia correr. Queria correr mas fiquei parado. Tenho realmente um homem que não vou esquecer, e espero que as lágrimas não me escorram pela face, que foi o Nené. Pela sua experiência, pela sua capacidade e classe, o Nené transpirava classe. O Shéu, o Pietra também. Considero o Pietra como meu irmão, e lembro-me do que disseram nesse primeiro treino: 'Miúdo, está à vontade. Fica tranquilo, não estejas nervoso, é normal. Tu queres correr e não consegues? Quando aqui cheguei, aconteceu-me a mesma coisa. Tentava correr e ficava preso. Na relva parecia que havia alguém a puxar o pé. Portanto, descontrai porque amanhã vai ser diferente. No terceiro dia também e depois vais-te ambientar pois estás em família", recorda Álvaro Magalhães.
Depois de conquistar o seu espaço na equipa do Benfica, Álvaro Magalhães assume-se como um dos titulares indiscutíveis na ala esquerda dos 'encarnados' atrás de Chalana com quem defronta alguns dos maiores jogadores da altura como Vialli, Bruno Conti, Rummenigge, Völler, Ian Rush ou Sammy Lee.
"Vialli, Bruno Conti, Rummenigge. Joguei contra o Völler, joguei contra os melhores da Alemanha, da Itália, de Inglaterra. O Ian Rush, Sammy Lee, joguei com os melhores do mundo, e de outro mundo. As pessoas não podem esquecer. Penso que há jogadores de agora que se enfrentassem esses jogadores coitadinhos. Morriam só de olhar para eles. Não olhavam sequer para as pernas deles ou para as caras deles. Queria lá saber do Sammy Lee, do Vialli, do Bruno Conti, queria era defender a minha instituição. Essa é a força psicológica que muitos jogadores hoje não têm. Sabia que para vencer tinha de correr mais do que ele [o meu adversário]. Podiam até ser melhores tecnicamente do que eu, mas ia tentar destruí-lo. E onde é que posso destruí-lo? Na parte psicológica. Muitas das vezes a parte psicológica é fundamental para se destruir um avançado. A linguagem que se usa dentro do campo consegue-se destruir um jogador. Porque há jogadores fracos de cabeça", atirou divertido Álvaro Magalhães, antes de acrescentar.
"E se pudesse citar nomes, mas não o quero, de grandes jogadores portugueses que as pessoas iam cair para o lado. Que jogaram no Sporting, no FC Porto, fiz deles 'gato-sapato' porque eram fracos psicologicamente. E eles deixavam-me à vontade. Era só isso que eu e o Chalana queríamos, que nos deixassem à vontade e ficávamos ali com o flanco todo aberto, com espaço para nós jogarmos à vontade. Portanto, eles fugiam para o outro lado e nós ficávamos sozinhos", acrescenta o antigo lateral esquerdo do Benfica.
"Joguei contra esses grandes jogadores e nunca tinha medo de nada. O drama do jogador de futebol é o medo. Quem tem medo compra um cão ou vai para casa. Quem tem medo não pode andar no futebol. Quem tem medo não pode estar a representar um clube como o Benfica, o FC Porto ou o Sporting. Ou um Inter de Milão ou uma AS Roma. Não pode. Tem de ter a cabeça a funcionar. Podemos ser bons tecnicamente, tacticamente, fisicamente, só que se a cabeça não funcionar não há condições", frisou Álvaro Magalhães.
"Aliás, costumo dizer aos meus jogadores, 'se fores fraco psicologicamente arranja outro emprego'. Mas aqui na minha equipa, seja no Gil Vicente, no Tondela, na Académica, ou outro clube qualquer, eles têm de jogar como jogam as grandes equipas. Os jogadores têm de estar preparados para a alta competição. Se querem chegar ao alto patamar do futebol português têm de se preparar nos clubes pequenos", sentenciou Álvaro Magalhães sobre a importância do trabalho psicológico no rendimento dos jogadores.
É um crime estar parado
Atualmente sem clube, Álvaro Magalhães já tem saudades da competição e dos treinos. Regressou na temporada passada ao Gil Vicente, mas certas situações do panorama atual do futebol português deixaram-no desiludido com as algumas condições de trabalho dos treinadores em Portugal, nomeadamente as movimentações de empresários e dirigentes em torno das equipas de futebol.
"É um crime estar parado. Estive dois anos sem trabalhar porque tive de dar apoio a um familiar meu já não está entre nós. Tinha de estar presente, tinha de ajudar a minha esposa, pois o pai dela esteve aqui em Lisboa, foi operado, mas já sabíamos o desfecho por causa da própria doença. Quando surgiu a oportunidade de treinar o Gil Vicente em que o presidente me ligou e me perguntou: 'Álvaro, queres vir para o Gil Vicente?' Disse-lhe logo: 'é já'. Nem discutimos as verbas, não foi pelo dinheiro, foi pela paixão que tinha de regressar ao futebol", começou por dizer Álvaro Magalhães.
"Regressei ao Gil Vicente apaixonadamente, em que faço uma época do outro mundo, só um cego é que não vê isso, mas as influências, os tráficos de influências que existem é que muitas vezes prejudicam o trabalho desenvolvido por pessoas competentes. Tive convites no início da época, mas não posso aceitar um convite e só trabalhar com uma pessoa", revelou o Álvaro Magalhães.
"Tenho a minha equipa técnica, tenho quatro homens para trabalhar comigo, homens competentes, com qualidades humanas e técnicas, para além das qualidades tácticas e psicológicas, são pessoas que me acompanham para ser melhor treinador. Mas eles [dirigentes] não [querem], só querem homens da terra, homens que estão no clube há muitos anos, e para quê? Para prejudicar o trabalho de quem entra", acrescentou Álvaro Magalhães.
"Por exemplo, em Janeiro cometi um erro de não ter assinado por um clube estrangeiro. Vim-me embora sem assinar contrato porque quis levar as pessoas da minha confiança e muitas das vezes as pessoas que dizem que são muito ambiciosas às vezes também têm medo. E as pessoas ambiciosas não podem ter medo. Se têm medo, compram um cão. Houve um elemento da equipa técnico que eu tentei dar-lhe condições para que ele pudesse-me acompanhar, mas acabei por me vir embora sem assinar contrato, mas com acordo já feito, mas não há dúvida de que quando alguém vem de um país estrangeiro as pessoas não são parvas e pensam logo que o Álvaro Magalhães, ou uma pessoa qualquer, se vem embora sem assinar contrato é porque não está interessado. E com muita pena minha, porque se calhar estava neste momento a liderar esse campeonato e no ano seguinte estava no Dubai ou no Qatar", frisou o técnico português.
O FC Porto ainda não ganhou o campeonato
Com o FC Porto a liderar o campeonato nacional a quatro jogos do final, Benfica e Sporting estão em desvantagem na corrida ao título. Álvaro Magalhães considera que a vitória do Sporting sobre o FC Porto na Taça de Portugal deu moral à equipa de Jorge Jesus para acreditar na possibilidade de conquistar o título.
"Vai ser uma reta final para campeões. O Benfica perdeu uma grande oportunidade de continuar à frente do campeonato, a liderá-lo, e aumentar a vantagem sobre o segundo classificado, e agora vai a correr atrás do prejuízo. Mas o Sporting também está na luta. Depois do jogo de ontem da Taça de Portugal, o Sporting ainda pensa que pode chegar ao título. Depende agora do resultado de sábado do Benfica. Suponhamos que o Benfica empata, suponhamos que o FC Porto vence o próximo jogo, mas empata no Marítimo e o Sporting ganha. Portanto, se o Sporting se aproximar dos dois que vão à frente eu penso que vamos ter campeonato até ao fim", afirmou Álvaro Magalhães.
"O FC Porto ainda não ganhou o campeonato. Vamos ver como é que o FC Porto recupera deste acidente, com todo o mérito para o Sporting, que não falhou nenhuma grande penalidade. Foi um grande jogo. Houve ali erros táticos, mas mais da parte do FC Porto, ao contrário do que aconteceu contra o Benfica em que foi superior e portanto penso que vamos ter campeonato até ao fim. Até ao final os treinadores não podem inventar mais pois quem inventa…", sentenciou Álvaro Magalhães.
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