O que têm Thierry Henry, Didier Drogba, Van Persie, Frank Lampard, David Beckham ou Steven Gerrard em comum, além de terem jogado na Premier League? Foram donos de alguns dos melhores golos marcados na melhor liga do Mundo.
Muitos desses golaços, marcados de fora da área, ficaram eternizados na história da prova. Volta e meia são partilhados nas redes sociais por alguns saudosistas quando olham para o panorama atual da Premier League.
Os dados mostram que os remates de fora da área caíram em desuso e é cada vez mais raro esses momentos que faziam os estádios tremerem com os gritos e entusiasmo dos adeptos nas bancadas.
Estudo mostra que se remata menos de fora da área
Um estudo realizado pela Stats Perform e citado pela BBC demonstra a decadência dos remates de longe e avança com alguns fatores que podem explicar o pouco uso dos tiros de meia distância.
A diferença é abismal se considerarmos que na temporada de 2006-07 da Premier League cerca de 22,3% dos golos marcados, que não foram convertidos através de grande penalidade, resultaram em golos de fora da área. Em 2023-24, esse número desceu para 12,4%.
Estas estatísticas são representativas daquilo que têm sido as abordagens aos jogos por parte das equipas, onde se vê cada vez menos as tentativas de remate de longa distância.
Na época 2003-04, ano em que os dados começaram a ser recolhidos pela StatsPerform (empresa de dados e conteúdos desportivos) , de todos os disparos feitos à baliza (5038 no total) nos jogos na Premier League, 13,3% eram remates de fora de área. Em 2023-24 apenas 9,1% do total dos remates (3439) foi foram feitos de longa distância.
A distância a que os jogadores da Premier League rematam à baliza tem vindo a diminuir e, segundo dados da Driblab, as épocas de 2022-23 e 2023-24 tiveram as médias mais baixas, com 15,9 e 16,13 metros de distância, respetivamente.
Esta tendência não é exclusiva da Premier League. Verifica-se, tal como demonstraram os dados da Driblab, que as restantes principais quatro ligas europeias - La Liga, Bundesliga, Ligue 1, Série A - também têm tido uma quebra no número de remates de longe.
As equipas procuram que os remates sejam cada vez mais eficazes e, para isso, quanto mais perto se estiver a baliza, maior é a probabilidae de o remate terminar em golo.
Uma das razões para este forte declínio nos tiros de longe é o facto de o número de passes por jogo ser cada vez maior. Enquanto que há dez anos, o número médio de passes por jogo era inferior a 800, desde a temporada 2017-18 que o número tem sido, habitualmente, superior a 900 passes por partida. A eficácia de passe também tem crescido de uma forma substancial, com um aumento de 69,8% para 82,9%.
James Yorke, diretor de futebol da StatsBomb, empresa de dados estatísticos, analisou a probabilidade de um jogador marcar um golo com base na distância à baliza.
"Se a distância [para a baliza] for de 22 metros, a hipótese de um remate se transformar em golo é de cerca de 0,03, ou seja, só um remate em cada 33 é que acaba em golo. A partir de 18 metros, a hipótese de duplica, mas a hipótese é de apenas 0,06 (dois golos a cada 33 remates).
Mesmo a 10 metros de distância - pode-se pensar, 'ok, marca de penálti, é uma boa possibilidade' - mas a hipótese de marcar ainda é de um remate em cada seis", concluiu, citado pela BBC Sport.
Quem está a mudar quem?
Para além de existir a possibilidade de as estatísticas estarem a mudar os modelos de jogo, há quem pense que os novos modelos de jogo é que estão a alterar as estatísticas. Isto deve-se ao facto de as equipas fazerem uma pressão cada vez mais alta, jogarem com defesas mais subidas, diminuindo assim o espaço no ataque, enquanto que no passado, os médios tinham mais liberdade de movimentos para explorar espaços porque as equipa jogavam com linhas defensivas mais baixas.
No entanto, a realidade dos jogadores de há uns anos comparativamente com os de agora é bastante diferente. A pressão, vinda de fatores externos, pode estar a influenciar a forma como os futebolistas parecem querer correr menos riscos e sentem que os remates de longa distância não são uma boa opção, dado o risco elevado de não serem concretizados em golos, motivado pelas críticas por cada remate falhado.
Outro dado curioso no estudo da Stats Perform demonstra que o documentário de David Beckham para a Netflix originou um aumento da tentativa de remates de fora da área na Premier League, uma vez que o jogador inglês era um especialista nos tiros de longe, principalmente em lances de bola parada, o que pode ter influenciado os jogadores da atualidade.
Ainda assim, apesar de os jogadores da atualidade rematarem de fora de área com menos frequência, são mais bem sucedidos.
Desde que os dados são recolhidos na Premier League, a partir de 2003-04, os jogadores com maiores taxas de sucesso nos remates de longa distância foram Matheus Pereira, Bernardo Silva e Phil Foden. Na passagem do ex-Sporting pelo West Bromwich, 11,9% dos remates resultaram em golos. O internacional português e o seu companheiro de equipa surgem destacados com 11,3% e 11%, respetivamente.
O estudo também aponta uma das ajudas para os grandes golos: a própria bola de futebol. O Campeonato do Mundo de 2010 caracterizou-se por um elevado número de golos de meia distância, numa altura em que os guarda-redes se queixaram que a bola Jabulani da Adidas dava ao remate uma trajetória imprevisível.
Tendo em conta que o futebol dos dias de hoje é cada vez mais objetivo e tático, há quem sinta a falta de momentos de puro espetáculo promovidos por surpreendentes remates de meia distância que agitam qualquer estádio.
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