O Brentford marcou o seu regresso à Premier League em grande estilo, ao vencer o Arsenal por 2-0, na ronda inaugural da prova. Os 'bees' (abelhas) como são conhecidos, demoraram 74 anos a regressar à elite do futebol inglês, num caminho feito com muitas quedas, a pior de todas em 2007.

Nesse ano, o clube estava na quarta divisião do futebol inglês e à beira de cair para os escalões não profissionais. Mergulhado numa grave crise financeira e desportiva, os adeptos do emblema londrino faziam recolha de donativos à volta do estádio em dias de jogo para manter o clube a funcionar.

Entre os milhares de adeptos, um se destacou e entrou para a história do clube. Matthew Benham, antigo jogador profissional de póker, investiu três milhões de libras no clube, ajudou a pagar as dívidas e lançou as bases para subida até a Premier League.

Uma subida difícil, de altos e baixos, mas feito sempre com os mesmos métodos e sem pânico. Era preciso acreditar na estratetégia.

Após duas temporadas na League Two, 4.º escalão, o Brentford subiu à Ligue One, 3.º escalão do futebol inglês, em 2009. Apenas em 2014 o clube conseguiu chegar ao Championship, antecâmara de acesso à Premier League. E por lá permaneceu durante vários anos, quase sempre nos 10 primeiros colocados, mas longe da tão ambicionada subida, excepto em duas ocasiões:  Logo no primeiro ano no Championship conseguiu entrar nos play-off mas apenas em 2021 lograriam a tão ambicionada promoção à elite do futebol inglês, após afastar o Fulham em Wembley.

Comprar barato e vender caro. É fácil mas dá trabalho

Por detrás do sucesso do clube está, claro, Matthew Benham, que o resgatou da falência, e ainda o sueco, Rasmus Ankersen. Matthew Benham, antigo profissional de póker, dono de uma casa de apostas e de uma empresa de análise de dados, usou os seus conhecimentos na área dos números para construir um Brentford à base de matemática e probabilidades.

Matthew Benham
Matthew Benham Matthew Benham

A estratégia delineada com o sueco Rasmus Ankersen (no clube desde 2015) passava (e ainda passa) por encontrar jogadores esquecidos nos seus clubes mas muita margem de progressão, investir neles, faze-los crescer e depois vender por muitos milhões de euros na hora certa.

Assim, compraram Said Benrahma ao Nice por 1,7 ME em 2018 e venderam-no por 23 ME ao West Ham: pagaram 7 ME ao Exeter por Ollie Watkins em 2017 e venderam o seu passe por 34 ME ao Aston Villa; o clube pagou menos de cinco milhões de euros para ter James Tarkowski, Andre Gray, Moses Odubajo, Scott Hogan, Jota e John Egan e foram vendidos por mais de 40 milhões de euros; Neal Maupay foi recrutado ao AS Saint-Étienne por dois milhões de Euros e vendido Brighton & Hove Albion por 22 milhões, dois anos depois.

"Não podemos ganhar a gastar mais do que podemos. Então, temos de fazer diferente. Quais são as deficiências no futebol enquanto sistema e como podemos explora-los?", questionou Rasmus Ankersen, diretor desportivo do clube, numa entrevista há quatro anos. O clube passou a ser gerido com base em números ou 'big data', o mesmo modelo aplicado nas franquias de basebol nos EUA.

Em 2016 o Brentford encerrou a sua academia mas criou uma equipa B porque nenhum jogador formado no clube tinha conseguido chegar à equipa  principal desde 2005: os melhores jogadores saíram para outros clubes antes dos 16 anos, quando não há compensação pelas transferências.

Matthew Benham: porque o futebol também são números

No clube há uma estratégia, uma ideia partilhada por todos e que guia todos os passos. O presidente Matthew Benham, que detém a totalidade do clube, investiu também no Midtjylland da Dinamarca, recrutou o diretor desportivo Rasmus Ankersen e o atual treinador Thomas Frank, todos eles dinamarqueses.

A ligação à Dinamarca é inevitável, como se vê pelos seis dinamarqueses do plantel (Mads Rasmussen, Christian Norgaard, Mads Bidstrup, Mathias Jensen, Luka Racic e Mads Sorensen).

Licenciado em física pela Universidade de Oxford e antigo vice-presidente do Bank of America, Matthew Benham sabe do que fala quando o assunto são números. A sua empresa, a SmartOdds, reúne dados estatísticos e desenvolve algoritmos que permitem prever mais facilmente o desfecho de um jogo de futebol.

O problema que acontece regularmente no futebol é que muita gente se limita a ver um jogador durante quarenta minutos e decidem ser videntes

E foi na SmartOdds que foi buscar os dados para utilizar no Brentford e no Midtjylland da Dinamarca, o clube do seu amigo Rasmus Ankersen.

"Se quero saber quão bom é o jogador, quero falar com alguém que tenha visto esse jogador jogar pelo menos cem vezes e em todas as condições possíveis. O problema que acontece regularmente no futebol é que muita gente se limita a ver um jogador durante quarenta minutos e decidem ser videntes", explicou Benham.

Na utilizado dos 'big data', as vitórias e derrotas não são medidas do sucesso de uma equipa.

"Não me importa que uma equipa ganhe ou perca, que marque ou não marque porque há sempre aquilo que chamamos de ruído estatístico. Eu quero olhar para os números e qualidade das oportunidades que a equipa vai criando. Se quiser analisar um avançado decididamente não vou olhar para o seu recorde estatístico em termos de golos. Para mim o que importa saber é como é que a equipa se comporta coletivamente, ofensiva e defensivamente, dentro de um contexto de performances individuais", sublinhou o dono do Brentford.

Em campo, tudo gira a volta de números. Por exemplo, a equipa aposta muito em jogadas de bola parada (o Arsenal sofreu dois golos de bola parada na 1.ª ronda), que representam cerca de 30 por cento dos golos marcados no futebol. Um dos momentos de jogo cada vez mais importantes no futebol moderno.

E, por falar em golos, é preciso ter em atenção ao que Ivan Toney vai fazer esta temporada na Premier League. Na época passada marcou uns impressionantes 33 golos no Championship, um recorde na prova. Toney quer bater o recorde de 17 golos marcados por Patrick Bamford, do Leeds, na época passada, na sua primeira época na Premier League após subida, mas será díficil. É que é bem provável que seja vendido em janeiro de 2022, tantos são os interessados no seu passe.

O primeiro golo no regresso à elite do inglês foi apontado pelo espanhol Sergi Canós, avançado de 25 anos que já passou por Barcelona, Liverpool, entre outros. O próprio explicou como os dados são utilizados no dia a dia com os jogadores.

Se quiser analisar um avançado decididamente não vou olhar para o seu recorde estatístico em termos de golos

"É algo que o clube tem vindo a fazer há muitos anos e que funciona. [...] Monstram-nos, com percentagens, quais as probabilidades que temos de marcar em diferentes situações, como defender certas jogadas, etc. É muito interessante, faz-te concentrar muito mais em tomar a decisão certa [...] No ano passado, o treinador-adjunto Brian Riemer e eu fizemos um plano para melhorar algumas coisas do meu jogo. Criámos umas páginas de Excel com um monte de dados sobre as minhas jogadas para ver em que situações era mais aconselhável cruzar, rematar ou driblar. Ajudou-me muito e fiz a minha melhor época de sempre no futebol, até subir à Premier League", elogiou Canós, em declarações ao 'El País'.

Os nove golos e nove assistências assim o dizem.

Pemanecer na Premier League após a subida é sempre difícil mas o Brentford tem uma estratégia que o pode ajudar a manter-se na elite. Mas se cair, não há problema. O modelo criado tem bases sólidas para os devolver à Liga Inglesa.

A importância dos 'big data' no futebol já nã pode ser ignorado. Clubes como o Lille 'atacam' o mercado de acordo com dados recolhidos da performance dos atletas. E aqui destaca-se  o português Luís Campos. No Sevilha é Monchi Lopez, em coordenação com o treinador, quem gere todo o departamento de recrutamento. O RB Leipzig dá cartas também com os 'big data', algo que parece ser mais importante em clubes de pequena e média dimensão. Nos 'tubarões', há mais margem para errar e menos tempo para esperar.