Desta vez não houve festa no Alzirão, tradicional parque da Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro. O ‘chopp’ (versão brasileira da imperial) estava mais amargo nos bares de São Paulo. O Olodum e seus tambores ficaram mudos nas ladeiras do Pelourinho, em Salvador. Ao invés de um frenético trânsito, que nas tardes de sexta-feira das grandes cidades brasileiras torna-se caótico, um ritmo mais lento, quase uma procissão, num cortejo fúnebre. É assim a vida no Brasil após a eliminação de um Campeonato do Mundo. As horas seguintes ao desfecho melancólico são de perplexidade, de tentar buscar respostas e orientação para o sentido da vida pós-Mundial. Acredito que nenhum povo sente mais a eliminação de uma Copa, como cá chamamos, do que o brasileiro.
Esta não foi uma eliminação traumática como de quatro anos atrás, em casa, perante os impiedosos alemães e aquela hecatombe que foi a derrota por 1-7. Também não foi com um maçante e pobre futebol como em 2010, quando o Brasil caiu para a Holanda nos quartos de final do Mundial da África do Sul, ou quando, em 2006 na Alemanha, novamente nos quartos, o Brasil mais uma vez foi superado pela França de um génio chamado Zidane. Esta eliminação russa é mais complexa, não tão simples de ser digerida.
O Brasil vinha de resultados nada convincentes pós-Mundial’2014, com eliminações na Copa América e jogos pífios no apuramento para o Campeonato do Mundo da Rússia. Eis que a corrupta e obscura Confederação Brasileira de Futebol sacou Dunga, em sua segunda passagem como selecionador, para promover Adenor ‘Tite’ Bachi, técnico campeão pelo Grêmio de Porto Alegre e multicampeão pelo Corinthians, um dos clubes de maior expressão do futebol brasileiro e sul-americano. Tite trouxe novas ideias, novos padrões de jogo para uma combalida seleção que despencava no ranking da FIFA. A classificação para o Mundial da Rússia veio sem sustos, e impulsionada pela medalha de ouro no torneio de futebol masculino nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro há dois anos, a seleção brasileira voltou a ser temida e respeitada pelo mundo do futebol.
Os bons jogos de preparação contra Croácia e Áustria, entre o fim de maio e o início de junho, somado a volta de Neymar ao ativo, após três meses ausente devido uma fissura no tornozelo, eram sinais de que a sonhada sexta estrela bordada na camisola amarela estava a aproximar-se. Mas as coisas não foram tão bem nos relvados russos. Num grupo com relativo equilíbrio, contando com Suíça, Costa Rica e Sérvia, em nenhum dos três jogos os comandados de Tite convenceram. A estreia, no empate a uma bola com os suíços, ligaram-se os sinais de alerta para um maior poder de fogo dos homens de frente, capitaneados por Neymar, a grande vedeta brasileira e dono da camisola 10 amarela, a de maior peso histórico e simbólico no futebol. Contra Costa Rica, muitas chances de golo criadas, mas que foram concretizar-se somente nos acréscimos, e com Neymar estreando a marcar no Campeonato do Mundo, seu segundo aos 26 anos de idade. O jogo contra a Sérvia foi menos tenso e a vitória por 2-0 confirmou a primeira posição do grupo, tento como vantagem enfrentar o segundo colocado da chave vizinha, o México nos oitavos, que vinha de seis eliminações consecutivas nesta fase em Campeonatos do Mundo.
No primeiro grande teste a serio para o Brasil neste Mundial, o México foi mais uma vez presa fácil, se bem que a primeira parte terminou sem golos, porém com várias chances criadas pelos brasileiros. Neymar e Firmino confirmara a passagem do Brasil aos quartos, e o México traumatizando-se com mais uma eliminação nos oitavos, a sétima nos últimos sete Mundiais. Eis que o destino quis juntar duas das principais forças deste Campeonato do Mundo, que já não contava com as eliminadas Alemanha, Argentina e Portugal, por não falar em Itália e Holanda, que não passaram nem pela fase de apuramento.
O Brasil de Neymar e Tite teria muitas dores de cabeça com o trio De Bruyne, Lukaku e Hazard, que sabiam da importância deste jogo para suas carreiras e para o futebol belga, que poderia volta as meias de final de um Mundial depois de 32 anos. A celebrada geração talentosa da Bélgica teria de provar na Arena Kazan que deveria mesmo ser levada a sério. Thiago Silva quase abriu o marcador para o Brasil, mas o poste estava a ser amigo de Courtois. E a Bélgica respondeu, com a cabeça de Kompany, que contou com um fatal desvio de Fernandinho para a baliza de Alisson. E a Bélgica respondeu outra vez, com uma impressionante aceleração do ‘tanque’ Lukaku, que passou para De Bruyne, e que acertou um excelente remate de fora da área. Aos 30’da primeira parte o Brasil já perdia por 0-2 e errava passes com enorme facilidade. Coutinho, o principal jogador brasileiro no Mundial, estava irreconhecível. Neymar, sempre com o recém-operado tornozelo a incomodar-lhe, não tinha alívio dos marcadores e do trio de centrais Alderweireld, Kompany e Vertonghen. Era outra camisola 10 que destoava no jogo. Hazard, com sua velocidade e exímio controlo da bola dava impressionantes arrancadas em contra-ataque, para desespero de Marcelo e da defesa brasileira.
Tite, fiel à mesma formação desde o início do Mundial, porém sem contar com Casemiro, suspenso, recorreu a Roberto Firmino, avançado do Liverpool, ao intervalo, e pouco depois ao veloz Douglas Costa, sacando Gabriel Jesus, talvez a maior deceção brasileira na Rússia. O golo para o Brasil parecia não sair, até a cabeça de Renato Augusto, outra aposta de Tite para a segunda parte, reascender o jogo e animar mais de 200 milhões de brasileiros. Neymar teve a oportunidade final, mas o chute colocado foi desviado de forma soberba por Courtois, em grande forma neste Campeonato do Mundo junto com sua seleção. Quando o sérvio Milorad Mažić apitou para o final da partida, alguns poucos jogadores brasileiros desabaram no relvado, e junto desses poucos, um país respirou de forma profunda e pesada mais uma eliminação para um adversário europeu, a quarta nos últimos quatro Mundiais. Nesse instante, revejo minhas memórias e relembro os golos de Ronaldo à Alemanha em Yokohama, e lá se vão 16 anos. E ao país que respira o Campeonato do Mundo da forma mais intensa possível, resta limpar o salão de festas e aguardar por mais quatro anos. E que estes próximos quatro anos passem rápido.
Yuri Bobeck é jornalista, com passagens por rádio UEL FM, jornal Lance!, TV Cultura e TV Globo. Escreve para o SAPO neste Mundial’2018.
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