Marcou 39 golos em 132 internacionalizações. É ainda hoje a melhor marcadora de sempre da seleção nacional feminina e não esconde a emoção por ver a atual geração de jogadoras - muitas das quais com quem ainda chegou a jogar - alcançarem um sonho que também foi dela: estar na fase final de um Campeonato do Mundo.

Edite Fernandes, agora com 43 anos, despediu-se da seleção em 2017, depois de ter ajudado ao apuramento para a fase final do Campeonato da Europa Feminino de 2017, primeira grande competição de futebol feminino disputada por Portugal, na qual acabaria depois por não marcar presença. Pendurou as chuteiras há dois anos, mas continua ligada ao futebol e a acompanhar de perto o percurso das navegadoras. Um percurso que, diz, a enche de orgulho e para o qual acredita ter dado também um pequeno contributo.

À conversa com o SAPO Desporto pouco antes da estreia de Portugal no Mundial 2023, na Nova Zelândia, frente aos Países Baixos, Edite Fernandes falou sobre como viveu o momento em que viu Portugal selar o apuramento, sobre a evolução do futebol feminino no nosso país, sobre o selecionador Francisco Neto, às ordens de quem ainda trabalhou na Seleção, e sobre as suas expetativas para o torneio.

Uma evolução gradual, notória, e um momento marcante

"Há 20 anos não era assim. As condições não eram assim, eram ainda muito amadoras. Acaba por ser uma evolução gradual, mas bastante grande", começa por nos dizer Edite Fernandes, que representou a seleção nacional durante quase 20 anos, entre 1998 e 2017.

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"Eu continuo a dizer que o momento que marca e comprova esta viragem é quando de facto conseguimos a qualificação para o EURO 2017. A partir daí acho que houve um crescimento ainda maior, até no que toca à visibilidade, com um maior acompanhamento por parte da comunicação social, daquilo que é o futebol feminino no nosso país", explica.

Existem, porém, outros fatores determinantes, na opinião da antiga avançada, que ao longo da sua carreira representou 11 clubes, em Portugal e em países como China, Noruega, EUA e Espanha. Edite Fernandes aponta, entre outros aspetos, o investimento da Federação Portuguesa de Futebol, a preocupação crescente com as camadas jovens e, claro, a entrada em cena de clubes de maior nome, como SC Braga, Sporting e Benfica.

"A FPF começou a investir mais, os clubes também foram apostando mais na base, na formação, com as associações distritais também inseridas. Julgo que a base de tudo o que estamos a viver é essa. Porque isso levou, naturalmente, a um crescimento qualitativo. Muito graças a essa aposta na formação, criando condições para as meninas começarem a jogar. No meu tempo não havia essas condições. Quando comecei tinha de ir para o Boavista e ficava a quase uma hora de casa. Não havia muitos clubes e hoje isso já não acontece. Há outras condições, há mais clubes, há espaço para as meninas aparecerem", sublinha.

"Teve também muito impacto, claro, a entrada das equipas grandes profissionais. Quando o Braga entrou eu entro nesse projeto, como profissional. No mesmo ano entrou o Sporting e no ano a seguir entrou o Benfica. Isso teve grande impacto e foi um fator que veio ajudar bastante a este crescimento", prossegue.

Mas, claro, é fundamental não esquecer as gerações anteriores, que abriram o caminho para que a geração atual concretizasse, enfim, o sonho de muitas.

"Há também o trabalho de todas as gerações para trás, que desbravaram o caminho para que esta geração", lembra Edite, que chegou a jogar ao lado de muitas das futebolistas que agora vão representar Portugal neste Mundial.

"Convivi muito com esta geração, porque as vi crescerem comigo. Fomos colegas e muitas delas passaram pelas mesmas dificuldades, de não terem as condições que agora existem, com exceção de algumas, mais jovens. E mesmo as mais jovens sabem e reconhecem o papel de quem as antecedeu para que fosse possível chegar aqui, reconhecem o papel de quem veio antes e que ajudou a trilhar este caminho", salienta.

"Apanhei muitas das jogadoras desta geração, fiz a campanha de qualificação para o EURO 2017, embora depois tenha acabado por não ir à fase final", lembra, reconhecendo que ficou com pena de não ter, depois, estado nesse torneio.

"Acabou por ficar uma magoazinha, porque acabava por ser o culminar de um percurso, o cumprir de um sonho. Mas percebi que em termos competitivos não dava. Embora tivesse sido bonito, para o marcar do fim de uma etapa com o cumprir de um sonho, compreendi e é algo que aceitei. Respeitei, embora, obviamente, tivesse gostado", reconhece.

Edite Fernandes em ação pela Seleção
Edite Fernandes em ação pela Seleção Edite Fernandes em ação pela Seleção

A experiência no estrangeiro, "uma realidade ainda bem diferente"

Edite Fernandes terá sido uma das primeiras futebolistas portuguesas a alinhar no estrangeiro. Entretanto, várias outras já seguiram o exemplo, mas na sua altura foi uma pioneira. Foi o desejo de ser profissional, explicou-nos, que a levou a dar esse passo.

"Quando fui para o estrangeiro foi com o intuito de ser profissional, porque naquela altura era completamente impossível sê-lo em Portugal. Fui à procura dos sonhos, dos meus objetivos e isso deu-me muita coisa", conta.

Lá fora, passou pela China, Noruega, EUA e Espanha, ou seja, algumas das potências do futebol feminino na altura e ainda na atualidade.

"O nosso campeonato não era competitivo como é hoje. Embora agora ainda esteja longe de outros, na altura as diferenças eram abissais. Agora já estamos um bocadinho mais perto, mas ainda falta alguma coisa", ressalva.

Apuramento vivido com grande emoção

E como viveu, na manhãzinha de 22 de fevereiro, Edite Fernandes as emoções do jogo com Camarões, que valeu o apuramento de Portugal para o Mundial?

"Para mim e para muitas gerações, mas para mim que estive lá na seleção antes, foi um motivo de orgulho e uma grande emoção. Uma felicidade total. Foi como se estivesse a viver aquele momento com elas, porque elas sabem que estou sempre com elas, quando falo com elas", começa por recordar.

"É como se estivesse a viver este momento com elas. Vão concretizar o sonho de muitas gerações. Elas vão viver o meu sonho e têm consciência de que muito daquilo também é meu e de quem por lá passou antes. Vivi tudo com muita emoção e, como sou uma chorona, quando as vejo...Porque eu vivo muito a seleção e, claro, vivi intensamente o concretizar deste sonho  por parte delas", explica.

A importância de Francisco Neto

Na etapa final dos seus tempos na seleção, Edite Fernandes trabalhou ainda às ordens do selecionador nacional, Francisco Neto, a quem deixa bastantes elogios, enumerando as suas características e qualidades enquanto treinador.

"Muito do mérito também passa por ele. Tecnicamente é muito bom", começa por dizer.

"E a nível pessoal, é um treinador que agrega e sabe passar muito bem a mensagem daquilo que pretende. Puxa muito pelo espírito de grupo e pela união e isso também ganha jogos e vale qualificações. Ele passa muito essa mensagem, de estarem todas juntas, de superação. Lembra sempre que não há impossíveis. Acaba por ser um elemento forte, a sua presença deu frutos e obviamente tem tido um trabalho muito positivo à frente da seleção", conclui.

Edite Fernandes abraçada por Francisco Neto
Edite Fernandes abraçada por Francisco Neto Edite Fernandes abraçada por Francisco Neto créditos: LUSA

Primeiro jogo pode ser fundamental

A estreia de Portugal está marcada para domingo, ante os Países Baixos. Para alguém que conhece tão bem a realidade da Seleção, como Edite, o que esperar?

"A mensagem que elas têm passado é a certa: há um grande entusiasmo e muita gente não conhece a realidade, mas é bom ter os pés bem assentes na terra, ser humilde e perceber que vamos enfrentar seleções muito fortes. Ainda assim, Portugal já provou que joga olhos nos olhos com essas seleções mais fortes, sem qualquer receio. Temos, claro, de ter consciência de que vamos estar a jogar contra as melhores do mundo. Ainda assim, acredito que vamos fazer um bom papel e estou certa de que o povo todo se irá orgulhar delas, porque elas nunca viram a cara à luta, lutam até ao último minuto e vão certamente fazer bons jogos. Vão de certeza orgulhar-nos a todos da prestação delas", diz.

"O que poderá fazer a diferença é a união e pelo espírito que elas têm. Depois, o trabalho técnico o treinador passa a ferramenta e elas só têm de o tentar colocar em prática. Passa muito pelo compromisso que elas têm com elas mesmas, o sonho que estão a viver", acrescenta.

Edite Fernandes diz que o primeiro jogo pode revelar-se fundamental e que, se Portugal entrar com o pé direito, pode surpreender.

"Muito importante será o primeiro jogo correr bem e Portugal. Se conseguir pontuar no nesse jogo pode aspirar a uma passagem aos oitavos de final. E digo-o francamente. Sinto que se começarmos bem este Mundial, a pontuar, podemos mesmo aspirar a isso", afirma.

"Já temos duas presenças em Europeus, mas o Mundial é uma competição diferente e claro que haverá um nervosismo inicial, mas a partir do momento em que a bola começar a rolar, isso vai passar. Se pontuarmos contra os Países baixos arriscamos a ir mais longe", vaticina.

Edite Fernandes comenta alguns jogos de futebol feminino e vai estar a fazê-lo também neste Mundial, para a Sport TV. Para além de desempenhar ainda funções de coordenadora no Futebol Benfica, onde colabora com a equipa sénior, trabalha das 9h as 17h na Junta de Freguesia de Benfica, num projeto de inclusão social do pelouro da educação. Algo que não a impedirá de se levantar bem cedo para ver os jogos de Portugal.

“Obviamente, vou conseguir ver os jogos de Portugal, mesmo sendo naquele horário, e vou também acompanhar outros de madrugada. Vai ser uma luta, mas vou estar muito por dentro do Mundial e acredito que vai correr tudo bem”, conclui.