Na antecâmara da estreia portuguesa no Campeonato do Mundo de futebol feminino, nada como ouvirmos uma voz acreditada na matéria. Trata-se de Carla Couto, eleita a jogadora do século para a FPF. A antiga avançada, e hoje com um papel preponderante no Sindicato de Jogadores, como embaixadora do futebol feminino, não esconde o orgulho pelo trabalho que tem sido realizado nos últimos anos, que culminou no apuramento inédito para a prova rainha da modalidade.

“Foi um trabalho que se iniciou há algum tempo, da ação dos próprios clubes, do sindicato, das federações (...) E quando a nós, que não éramos profissionais, já trabalhávamos na promoção da jogadora portuguesa, da evolução do futebol feminino. Tem sido um trabalho que tem vindo a ser feito com muita seriedade, subindo os degraus com muita consistência e culminou com toda a justiça no apuramento para uma fase final de um campeonato do mundo. Foi muito tentada por outras gerações e foi esta que conseguiu”, começa-nos por dizer, não tendo dúvidas sobre a forma com a equipa de Francisco Neto se vai apresentar na prova que vai decorrer na Austrália e na Nova Zelândia.

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“Podemos esperar empenho, muita seriedade, como é apanágio da seleção portuguesa. É uma seleção que joga olhos nos olhos contra qualquer seleção, sabendo que os Países Baixos e os Estados Unidos são grandes seleções. Uma foi campeã da Europa, outra foi várias vezes campeã do mundo. Vamos fazer o nosso melhor, jogar o jogo por jogo, valendo-nos das nossas arma. Mas é pelo coletivo que nós somos muito fortes. As jogadoras estão muito motivadas, e certamente vão demonstrar muito empenho e muita vontade em representar a seleção portuguesa.”

Kika Nazareth, uma das estrelas da nova geração, deu voz à ambição lusa no Mundial. Passar a fase de grupos, mesmo com a seleção portuguesa integrada num grupo, com os campeões do Mundo Estados Unidos e os Países Baixos, vicefinalista em campeonatos do Mundo. Uma das jogadoras mais internacionais de sempre por Portugal, alinha por esta linha ambiciosa, do crer e do acreditar a cada minuto pela vitoria.

“Claro que sim, mal seria se fossemos para a fase de grupos e não tivéssemos intenção de seguir em frente. Sabemos que é um grupo difícil, que não vai ser fácil, mas também temos as nossas armas, valemos como um todo. Vamos lutar cada minuto pela vitória. Se vamos conseguir ou não, não faço futurologia, mas sei que vamos dar o nosso melhor. Tendo a consciência que não vai ser fácil, mas a nossa seleção é ambiciosa, mas vamos dar tudo por tudo, e quem sabe passar à fase de grupos”, atirou.

Com um papel ativo e determinante na evolução no futebol feminino, Carla Couto viu-lhe fugir por entre os dedos uma oportunidade real de carreira no futebol. O profissionalismo, em Portugal, viria mais tarde, já para jogadoras de outra geração. Viu-se também arredada de participar nas grandes provas e não esconde alguma pena por não ter vivido essa realidade. Mas a sua geração ajudou a “desbravar o caminho”. A luta agora faz-se por fora, nos bastidores, e não se irá vai deixar de bater para que as jogadoras possam usufruir de cada vez melhores condições para exercerem a sua profissão.

“Sinto pena de não participar nesta fase que estamos a viver no futebol feminino. Nunca fui profissional, mas acho que comparar as duas realidades, masculino e feminino não é correto. Estamos a fazer o nosso trajeto, a conquistar as nossas batalhas. Num futuro próximo espero que mais equipas possam dar condições à jogadora portuguesa, que a nossa liga cada vez mais tenha equipas profissionais, para também encurtarmos distâncias, para termos um campeonato mais competitivo, que nos permitisse atrair outras jogadoras. Continuar a trabalhar na formação, porque só assim vamos aumentar o número de praticantes em Portugal e nós sabemos que a base é o mais importante."

"Neste momento temos 10 mil praticantes, teremos a médio prazo 20 ou 30 mil praticantes", afirma Carla Couto

“Dar continuidade às seleções distritais, às seleções jovens, tudo isto é importante para a sustentabilidade do futebol feminino. Neste momento temos 10 mil praticantes, teremos a médio prazo 20 ou 30 mil praticantes, para aumentar o leque de boas jogadoras que possam dar ainda mais qualidade à nossa liga. É isso que eu ambiciono. Tenho pena de não estar a viver este momento, mas alguém teve que desbravar o caminho. A minha geração lutou, como outras já o tinham feito, como esta geração está a lutar por ter títulos, por conquistou melhores condições para o futebol feminino. Para que gerações futuras possam usufruir de melhores condições, melhores contratos, melhores campos, é isso que eu desejo."

Alheio à evolução também não foi o papel dos vários organismos, tais como a Federação Portuguesa de Futebol, o Sindicato de jogadores e os clubes, elo fundamental para o recrutamento e formação de jogadoras. Os resultados trouxeram maior aposta e maior visibilidade e isso tem dado frutos.
“Tem sido uma aposta muito grande, falando da Federação, não estando lá, desde que o Dr. Fernando Gomes foi eleito presidente da FPF, o futebol feminino tem sido olhado de outra forma.

Os resultados trazem uma nova aposta, sejamos justos. Com a seleção a ganhar é mais fácil, agora tem havido um esforço muito grande dos clubes na formação. O trabalho tem sido desenvolvido por todos os organismos que têm vindo a melhorar o futebol feminino em Portugal. É um esforço conjunto e a seleção feminina ter conseguido ir ao Campeonato do Mundo veio trazer uma maior visibilidade, mais pessoas estão atentas, os jornalistas também. Fala-se mais do futebol feminino. Temos jogadoras a fazer contratos de publicidade, algo que não acontecia no meu tempo. Aquilo que o futebol feminino está a conquistar deve-se muito ao sucesso da seleção nacional.

"Temos jogadoras a fazer contratos de publicidade, algo que não acontecia no meu tempo"

Formada por um coletivo forte, num misto entre juventude e experiência, as convocadas de Francisco Neto valem pelo seu todo, mas obviamente há jogadoras que se evidenciam e podem imprimir, com as suas características, maior qualidade aos jogo da equipa das quinas.

“A seleção vale por um todo e não podemos ser injustos, mas temos jogadoras de grande qualidade. Temos a Catarina Amado que para mim é das melhoras jogadoras portuguesas, temos uma Kika [Nazareth] e uma Jéssica [Silva] que são desequilibradoras, temos a Tatiana Pinto que pensa muito bem o jogo. São jogadoras que têm aproveitado as experiências no estrangeiro. Temos as jogadoras profissionais que jogam em Portugal nos maiores clubes, atletas que fizeram toda a sua formação nas seleções jovens e que estão na seleção A. Há um misto de experiência de juventude. Temos valores individuais muito bons. Mas a seleçao vale pelo seu todo. Pela entreajuda e pelo espírito de camaradagem que elas têm umas pelas outras. A nossa seleção vale por um todo sendo que há jogadoras que se destacaram tanto no estrangeiro no futebol.”

Com a maior visibilidade dos clubes portugueses nas grandes competições, a participarem na Champions e obterem bons resultados, como foi o caso do Benfica e com as seleções a marcarem presença nas fases finais, o interesse pelo que é português aumenta. Mais jogadoras de qualidade estão dispostas a mudar-se para o campeonato português, algo que não acontecia no passado. Em Portugal, a realidade também é outra, com todas as jogadoras da seleção a já serem profissionais, como relembra Carla Couto.

“Quanto melhores trabalhares no clube, melhor as jogadoras estão preparadas para a seleção nacional. O facto de termos várias jogadoras no estrangeiro também ajuda. Mas neste momento, todas as que foram chamadas são profissionais, treinam todos os dias, que têm um leque de pessoas a trabalhar com elas, seja a nível psicológico, a nível físico e alimentar. Elas são todas profissionais, trabalham com muita qualidade, têm boas condições e ainda bem que assim é. Não nos podemos esquecer da prestação [do Benfica] na Liga dos Campeões, tudo isto vai abrindo portas para que outros campeonatos olhem para o nosso e que outras jogadoras queiram vir. Daí a necessidade de melhorar o nosso campeonato, para ser apetecível, e para outro tipo de jogadoras virem para o nosso país. No entanto relembra: "Mas a base lá está, terá que ser a formação”.