A seleção portuguesa feminina de futebol conquistou, em fevereiro, o histórico apuramento para o Campeonato do Mundo da FIFA de 2023, que agora arranca na Austrália e na Nova Zelândia. O ponto mais alto da sua História e o culminar de um percurso que começou em 1981, com muitas dificuldades e vários percalços pelo meio.
Tudo começou em 1981, com um nulo frente à França
Em Portugal, as primeiras notícias sobre jogos de futebol com a participação de mulheres datam de março de 1935. Porém, a seleção feminina de futebol de Portugal só foi estabelecida em outubro de 1981, para disputar um encontro amigável com a França, em Le Mans.
Para esse encontro, a Federação Portuguesa de Futebol reuniu 16 jogadoras que atuavam nos campeonatos distritais que entretanto tinham sido constituídos: Alice (enfermeira), Paula Freitas estudante), Tato (empresária do comércio), Eva (tecedeira), São (estudante), Tisa (tecedeira), Fátima Azevedo (transitária), Alfredina (estudante), Paula Leça (desempregada), Isabel Santos (empregada de escritório), Sílvia (desempregada), Gena (estudante), Albertina (estudante), Emília Coelho (desempregada), Olívia (empregada têxtil) e Cidália ( costureira). Foram elas as pioneiras da Seleção.
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"Foi um momento que fica para toda a vida. Surgiu o boato de que iria haver uma seleção feminina. De início não acreditávamos, mas o que é certo é que ela surgiu mesmo". relembra Alfredina Silva, agora com 59 anos, uma das jogadoras em campo nesse encontro. "Fizemos um estágio, treinámos e jogámos em campos relvados. Tínhamos médico, enfermeiro, roupeiro...todas as condições. Naquele momento, senti-me como uma profissional. Ouvir o hino nacional com a camisola das quinas vestida é um marco que fica para a vida", acrescenta.
As francesas tinham outra preparação. Mas Portugal surpreendeu, resistiu, e segurou o nulo.
Esse jogo serviu de preparação para a fase de qualificação do primeiro Campeonato da Europa Feminino, que teve lugar em 1982. Portugal estreou-se nessa qualificação com uma derrota ante a Suíça, perdendo também com a Itália antes de somar novo nulo com a França. A primeira vitória de sempre chegou um ano depois, em 1983, num amigável com a vizinha Espanha. São Tato marcou o golo que foi também o primeiro de sempre da Seleção nacional feminina.
Interregno colocou travão na evolução, antes do ressurgimento
Pareciam estar lançados os primeiros alicerces. Mas seguiu-se um interregno. A seleção feminina viveu um hiato depois da campanha de apuramento para o Europeu seguinte, de 1984, e depois de um total de apenas oito jogos disputados só voltou a 'renascer' em 1993.
Aí, volvidos praticamente dez anos, foi necessário recomeçar quase tudo do zero.
Carlos Queiroz era, então, o selecionador principal da Seleção masculina e responsável pela estrutura das seleções nacionais. Foi dele que partiu a ideia de reavivar a Seleção feminina. António Simões foi convidado para orientar esse projeto, aceitou o desafio e tornou-se assim no primeiro selecionador desse novo ciclo da equipa nacional.
A Seleção feminina disputou dois jogos nesse ano, somando duas derrotas, mas no ano seguinte apareceram os primeiros resultados: uma vitória sobre a Finlândia na primeira edição da Algarve Cup e vitórias sobre Escócia (goleada de 8-2) e Itália no apuramento para o o Europeu de 1995.
Portugal falhou o apuramento para essa fase final, mas o caminho estava a ser trilhado, ainda que com mais derrotas do que vitórias.
O trabalho feito a nível da formação no futebol feminino começou a dar frutos, permitindo um afirmar gradual das nossas seleções femininas dos escalões jovens, que conseguiram começar a marcar presença em fases finais de grandes competições. A primeira a lograr tal feito foi a seleção de sub-19, apurada para o EURO da categoria em 2012. Depois, no ano seguinte, foi a vez das sub-17 seguirem o exemplo.
Enfim, o sucesso e o apuramento para as fases finais: primeiro os EUROs, agora o Mundial
Estavam, assim, criadas as condições que permitiram à seleção principal feminina de futebol de Portugal atingir o seu primeiro grande marco.
A 25 de outubro de 2016 (35 anos e um dia depois do tal primeiro jogo oficial da Seleção feminina em Le Mans), fez-se história para o futebol feminino nacional: Portugal empatava a um golo na Roménia (depois de um nulo em Lisboa) no play-off de apuramento para o EURO 2017 e garantia lugar na fase final, nos Países Baixos. Era a primeira presença numa fase final de um Campeonato da Europa feminino de futebol.
Aí, Portugal acabaria por se ver derrotado pelas potências Espanha e Inglaterra, na fase de grupos, mas pelo meio somaria a sua primeira vitória (e os primeiros golos) em fases finais, com um triunfo por 2-1 sobre a Escócia, com golos de Carolina Mendes e Ana Leite. Não chegou, ainda assim, por pouco, para seguir para a fase seguinte.
A seleção feminina falhou, depois, o apuramento para o Campeonato do Mundo de 2019, ao terminar no 3.º lugar do seu grupo, atrás de Itália e Bélgica.
Ficava adiado o sonho da presença num Mundial, mas seguir-se-ia nova presença na fase final de um Europeu. Eliminada pela Rússia no play-off de apuramento, a seleção feminina de Portugal acabou por ser repescado em virtude da exclusão russa devido à invasão à Ucrânia. Em Inglaterra, nessa fase final do Euro Feminino de 2022, Portugal começou com uma derrota pesada ante a Suécia, mas deu depois muito que fazer aos poderosíssimos Países Baixos antes de se despedir com um empate diante da Suíça.
Com duas presenças em fases finais de Campeonatos da Europa, faltava o apuramento para um Campeonato do Mundo. Um sonho agora, enfim, concretizado, com a suada vitória sobre Camarões no play-off.
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