Dos oito clubes que vêm a Lisboa, há seis que nunca venceram a prova e temos um lado do quadro com quatro possíveis estreantes – PSG, Atalanta, RB Leipzig e Atlético de Madrid, de onde sairá um finalista. O campeão Liverpool já está fora. Só o Barcelona marcou presença nas meias-finais da edição anterior. Guardiola é o único treinador que conquistou o troféu (em duas ocasiões), mas a última vez aconteceu em 2010/11. A nível de
imprevisibilidade, as sete finais da Champions portuguesa prometem espectáculo e a consagração de novos heróis.
PSG vs Atalanta (Estádio da Luz, 12 de Agosto)
Para os mais desatentos, um confronto entre o tricampeão francês - recheado de craques - e um conjunto italiano sem estrelas mundiais pode parecer desequilibrado, mas a Atalanta sabe o que é agigantar-se. Aconteça o que acontecer, Gasperini já fez o impensável. Na primeira participação do clube de Bérgamo na prova milionária, atingiu os quartos-de-final e ganhou o direito a sonhar mais um pouco.
Esta Liga dos Campeões gerou muita discussão sobre orçamentos e o poderio das big-5. Há sempre um Ajax ou uma Atalanta para provar que a combinação de talento, ambição e competência pode sobrepor-se ao dinheiro. La Dea – a deusa – tem como melhor carta de apresentação os 98 golos que marcou na Serie A, outrora conhecida como a liga em que o rigor defensivo dominava o pensamento das equipas. Atacar, atacar e atacar outra vez são as prioridades.
Josip Ilicic, por problemas pessoais, desfalca o tridente mágico que encantou a Europa. Tal como Dusan Tadic, encontrou um brilho tardio e assumiu-se como uma das figuras da Champions - partindo da direita, utiliza o pé esquerdo e desequilibra através do último passe e do remate. Para colmatar a ausência do esloveno, Gasperini poderá recorrer a uma espécie de “12.º jogador”, que até já se destacou num Portugal-Ucrânia, disputado no mesmo palco. O também canhoto Ruslan Malinovskiy chega com hipóteses de ser titular, funcionando como mais um médio, mas também com presença no último terço do campo. Se lhe dão espaço à entrada da área, mete a bola na baliza.
A identidade da Atalanta permite-nos saber que entrarão com três centrais, dois alas, um meio campo de combate, o vagabundo Papu Gómez - constrói, cria e tem liberdade de interpretação - e o poderoso Duván Zapata no eixo ofensivo, tentando atormentar os centrais do PSG. Não haverá Gollini, o que deve dar entrada ao suplente Sportiello. Em teoria, o duelo particular dos guarda-redes dá vantagem ao PSG.
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Tuchel, mais uma vez, aborda um jogo decisivo sem o plantel na máxima força. Verratti e Di María são baixas confirmadas, faltando saber em que condições chega Mbappé. A presença do francês oferece a Neymar o complemento perfeito – ataca a profundidade, abre espaços e dá opções de passe. A Atalanta prefere impor-se do que adaptar-se, mas a pressão alta (com marcações individuais) de que os italianos não devem abdicar terá mais dúvidas se o jovem craque estiver em campo.
Na mente do técnico alemão poderá estar a passagem para o 4-3-3, ao invés do mais utilizado 4-2-2-2. A eliminatória vai decidir-se, em grande parte, na forma como o PSG consegue construir (ou não) contra a agressividade defensiva da Atalanta – sobretudo em cima de Neymar, que terá responsabilidades acrescidas. Na memória ainda está a festa feita pelos franceses após a vitória frente ao Dortmund. Aterram em Lisboa sabendo que o apuramento será visto como uma normalidade e que uma derrota pode mandar tudo pelos ares.
RB Leipzig vs Atlético de Madrid (13 de Agosto, Estádio José Alvalade)
Os colchoneros já sabem o que é estar numa final da Champions em Lisboa, mas ainda procuram o tão desejado título europeu. Para aumentar as esperanças, o Real Madrid caiu e Cristiano Ronaldo também. Depois de afastar o Liverpool, com Marcos Llorente a vestir a pele de herói improvável, o Atlético de Madrid chega com o estatuto de candidato e o novo formato pode favorecer as características da equipa.
A nível interno, a época de transição ficou aquém das expectativas, sobretudo no que toca à ausência de evolução no modelo de jogo de Simeone. Saíram diversos jogadores que, ao longo dos anos, formaram a espinha dorsal do técnico argentino; entraram muitos jovens com talento e margem de progressão, mas com um perfil diferente dos antecessores. Os casos de COVID-19 no plantel – Correa e Vrsaljko - atrapalharam a preparação da partida com o RB Leipzig, mas o respeito pelo ADN enraizado estará sempre presente.
Desta forma, antecipa-se que os espanhóis vão tentar reduzir a capacidade de criação do adversário, deixando-o desconfortável, e esperar que surja a oportunidade de marcar através de um erro ou de uma bola parada. Oblak já cumpriu a quota de exibições monumentais nesta Champions, mas é um jogador diferencial na baliza do Atlético. Como tantas vezes acontece em duelos a doer, Simeone poderá alinhar com quatro médios no 4-4-2 e não será nada improvável que Marcos Llorente surja na frente. Pela forma como pressiona e pela profundidade que oferece (movimentos de ruptura e condução de bola), passou de solução de improviso a figura destacada. Veremos que papel sobra para João Félix.
O RB Leipzig está pela primeira vez nesta fase da prova e a clara superioridade exibida frente ao Tottenham prova que tem capacidade para competir contra qualquer adversário. Na Bundesliga, Nagelsmann ainda não conseguiu colocar o clube no patamar de Dortmund e Bayern, mas deu aos touros o impulso europeu com que sonhavam. A perda de Timo Werner para o Chelsea deixa os alemães sem o principal goleador e obrigará a adaptações na forma como procuram chegar a zonas de finalização, tendo em conta que não há substituto idêntico em termos de explosão e sentido de baliza.
Tentar adivinhar como jogará o RB Leipzig é missão impossível. Nagelsmann assume-se como um estratega nato e promove alterações de sistema constantes (mesmo dentro das partidas), como lemos em entrevista à Marca: “O plantel tem muitas variantes e adapto-me sempre ao jogo do adversário. Não estou obcecado com as formações iniciais, por si só não me dão nada”, explicou. Fica a dúvida para Simeone, não apenas sobre a disposição táctica mas também sobre as intenções dos touros.
De qualquer forma, fica a certeza de que vão precisar das melhores versões de Laimer, Kampl e Sabitzer na zona central, faltando saber se Dani Olmo também será opção (vinha ganhando protagonismo como médio mais adiantado de um losango). Os alemães sabem que o adversário tem maiores responsabilidades na eliminatória e conhecem as dificuldades habituais quando é obrigado a ser o favorito. Cabe a Nagelsmann encontrar o plano perfeito.
Barcelona vs Bayern (14 de Agosto, Estádio da Luz)
Os dois clubes em competição que sabem o que é vencer o título europeu defrontam-se nos quartos-de-final, mas as expectativas não podiam ser mais distintas. Enquanto o gigante alemão chega a Lisboa com o rótulo de favorito – não o único, porque uma prova como a Champions não o permite -, os catalães recebem um descrédito natural face ao rendimento colectivo que exibiram durante a temporada.
Da última vez que o Barça levantou o troféu, em 14/15, ultrapassou o Bayern nas meias-finais, com Boateng a receber uma das assinaturas mais famosas de Lionel Messi. O conjunto blaugrana vem de duas épocas humilhantes na Europa e terá de se superar para competir com os bávaros, que jogam noutro ritmo e têm individualidades no topo da carreira (ou a caminhar para lá). Setién já pode contar com Busquets e Arturo Vidal, o que abre a possibilidade de regressar ao 4-1-3-2, juntando mais um médio no corredor central. Por outro lado, a ameaça exterior do adversário, com extremos e laterais desequilibradores, também levanta a hipótese de recuperar o 3-5-2.
Frente ao Nápoles, Frenkie ganhou conforto devido ao envolvimento dos interiores na construção, em zonas baixas, ajudando a equipa a progredir através do passe ou da condução. Sabendo que a turma de Hansi Flick costuma impor uma pressão alta, o treinador dos catalães pode repetir o funcionamento, tentando atrair o adversário para criar espaços entre linhas. É jogo para ter Stegen também trabalhar muito com os pés.
Tirando Ansu Fati, o Barça não tem quem ofereça profundidade e mudança de ritmo, o que obriga a uma viagem conjunta desde trás, ligando sectores. Suárez é poupado nas tarefas defensivas (Griezmann apareceu perto de Diego Demme) e condiciona a estratégia pela ausência de explosão e de sensibilidade técnica em apoio. Tratando-se de um duelo de exigência máxima, fica a dúvida sobre a utilização dos três na frente. A Messi pede-se que seja a alma do colectivo e que se transcenda novamente.
No Bayern, há mais certezas do que dúvidas. Hansi Flick trabalha em cima da continuidade e tem as peças todas arrumadas, não devendo fazer alterações significativas para esta partida. Pelo momento das equipas, quem se vê obrigado a adaptar-se na tentativa de anular a máquina bávara são mesmo os catalães. Com Pavard ainda lesionado, Kimmich deve manter-se como titular no lado direito da defesa, com Goretzka e Thiago no meio campo (está de saída do clube, mas ainda terá um jogo especial pela frente).
Müller, além de ser um elemento chave na ligação com o último terço, terá também a missão de limitar a influência de Busquets. Lewandowski já leva 13 golos nesta Champions e surge, indiscutivelmente, como um dos nomes da temporada. Confirmando-se a recuperação de Kingsley Coman, Hansi Flick deve tentar explorar a fragilidade estrutural do adversário no flanco esquerdo (o de Messi), juntando o francês ao comboio canadiano. Alphonso Davies, chegando desde trás em velocidade, é uma ameaça que o Barça precisará de controlar. A época do Bayern ficará incompleta se a reconquista da orelhuda – fugida desde 12/13 - não acontecer.
Manchester City vs Lyon (15 de Agosto, Estádio José Alvalade)
Pep Guardiola deixou o aviso, relembrando que os ingleses não venceram os franceses nos dois duelos da época passada. Apesar da inferioridade teórica, o Lyon acaba de eliminar a Juventus, chega sem nada a perder e com a confiança em relação às próprias capacidades reforçada. Volta aos quartos-de-final, onde não estava desde 2009/10. Vai proporcionar um desafio diferente ao Manchester City, repetindo a estratégia que serviu para deixar para trás a Vecchia Signora.
Depois da aula de pressão orientada dada ao Real Madrid, o vice-campeão inglês encontra um contexto semelhante ao da maioria dos encontros internos. Tratando-se do favorito, vai precisar de assumir a iniciativa e está obrigado a desequilibrar em espaços mais reduzidos, tendo em conta o bloco baixo (em 5-3-2) do Lyon. Guardiola surpreendeu com a utilização de Phil Foden como falso 9, atacando as costas de Casemiro, mas a flexibilidade táctica dos cityzens deixará Rudi Garcia a pensar.
Os problemas de Bruno Guimarães na defesa da zona à frente dos centrais, evidenciados em Turim, são um ponto a explorar. Nesse sentido, o Manchester City não vai dispensar a largura ofensiva (com os laterais ou com os extremos) para atrair os médios e ganhar espaços na zona central. Gundögan atravessa um momento de forma soberbo, oferece suporte a Rodri na construção e permite que De Bruyne surja à entrada do último terço em condições favoráveis. Gabriel Jesus, que afastou o Real Madrid pelo trabalho sem bola, terá obrigações distintas a nível ofensivo e deve passar mais tempo de costas para a baliza, funcionando em apoio.
Note-se que o Lyon, nas partidas recentes frente a PSG e Juventus, sofreu apenas um golo de penálti e outro através de um tiro de Cristiano Ronaldo. A lição está mais do que estudada, mas a quantidade de soluções colectivas do adversário em ataque posicional obrigam a uma competência redobrada em termos defensivos. O foco está colocado em Anthony Lopes, que tem a oportunidade de se mostrar aos portugueses que nem sempre o vêem em acção. Marcelo vem de uma exibição imperial em Turim.
Mesmo que o valor do Man City os empurre para a zona defensiva, os principais argumentos dos franceses aparecem do meio campo para a frente. Aliás, se olharmos ao nível técnico dos médios dos dois lados, fica a certeza de que a bola será acarinhada. Bruno Guimarães está algo limitado pelo papel de pivô (tinha outra liberdade no Athletico Paranaense), mas oferece critério e resistência à pressão, algo fundamental para que o Lyon ultrapasse a teia do adversário.
Aouar, de resto, já foi associado ao clube inglês, tratando-se de um jogador com criatividade no passe e que oferece desequilíbrio em condução. Maxence Caqueret é jovem, baixinho, talentoso na forma como se associa e encontra soluções colectivas. Aos 20 anos, a nova coqueluche dos Gones terá certamente muitos olhos em cima. Os dois da frente desempenham funções distintas: Depay aproxima-se dos médios para ligar o jogo, enquanto Toko-Ekambi ataca a profundidade. Tentarão expor as fragilidades defensivas do adversário, fazendo do Lyon o tomba-gigantes desta Champions.
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