Era um dos emblemas mais apetecíveis no sorteio dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. Por isso, não foi de admirar que algumas figuras da AS Roma tenham festejado quando lhes calhou o FC Porto na sorte. E tinham razões para tal: entre Barcelona, Real Madrid, Manchester City, Juventus, PSG, Borussia Dortmund, Bayern Munique e FC Porto, não era difícil escolher.
"Se olharmos para os clubes que podiam ter calhado, podemos dizer que tivemos alguma sorte no sorteio"
Mas este FC Porto já habitou a Europa a grandes noites. E era isso que se pedia ao Dragão de Conceição, ainda a tentar curar as 'feridas' de uma dolorosa derrota caseira frente ao arquirival Benfica e a perda da liderança da Liga, a dez jornadas do fim da I Liga. Os treinadores costumam falar em mudança de 'chip', da importância de os jogadores se mentalizarem para algo diferente. Enfrentar um Desportivo das Aves para a Liga (com todo o respeito que merece o emblema avense) e um Real Madrid para a Liga dos Campeões, por exemplo, tem efeitos diferentes na mente dos jogadores, técnicos e adeptos.
Veja as imagens da dramática noite no Dragão
Afinal os 'gladiadores' eram os outros. Mas foi preciso muita paciência e... VAR
O 2-1 na primeira-mão no Olímpico de Roma deixava tudo em aberto para o Dragão. Esta AS Roma de Eusebio Di Francesco é a mesma que 'chocou' o mundo do futebol na época passada ao eliminar o Barcelona nos 'quartos' da Champions (1-3 fora e 4-1 em casa) mas está longe de ser um 'bicho papão'. Até porque o momento da equipa não é o ideal: ocupa apenas o 5.º posto da Liga Italiana com apenas 44 pontos em 26 jogos, fora dos lugares de Champions e foi eliminado da Taça de Itália com uma humilhante derrota ante a Fiorentina por 7-1. A derrota sofrida frente a rival Lazio no dérbi romano na última ronda da Serie A não era propriamente o 'cartão de visita' que Di Francesco queria apresentar-se ao chegar ao Dragão.
Não foi de estranhar que os romanos se tenham retraído face aos 'gladiadores' de Conceição: três centrais, defesa com cinco homens e uma equipa a atacar com poucos homens. Mais que vencer, era importante segurar a magra vantagem a todo o custo. As quebras de tempo do guarda-redes Robin Olson eram o exemplo perfeito. Era preciso jogar com o relógio mas também enervar o FC Porto, como tentaram fazer alguns jogadores romanos. O golo de Soares fez soar os alarmes nos transalpinos mas, pouco tempo depois, uma asneira de Militão (no regresso ao onze) voltou a dar vida aos romanos, quando De Rossi empatou, de grande penalidade. Faltavam 53 minutos para aguentar o FC Porto.
Conceição sabia como derrubar estes romanos. Não seria pela pressa nem pela força. Era preciso ser paciente, esperar o momento certo, era preciso ser cauteloso com os contra-ataques e não errar na defesa. Dzeko, Zaniolo e companhia estão sempre à espreita. Quando Marega empatou a eliminatória aos 52', o FC Porto ficava com 38 minutos para marcar o tão sonhado golo que o colocaria nos 'quartos'.
Agora, mais que nunca, era preciso muita paciência. Com o passar do tempo, iam faltando forças, pernas, discernimento para decidir melhor. O prolongamento só agudizou ainda mais a situação. Pepe salvou o Dragão de um golo certo de Dzeko mas quando Alex Telles marcou aos 117, o Dragão veio abaixo. Florenzi não teve cabeça e puxou Fernando, Cuneyt Cakir viu a imagem, alertado pelo VAR e marcou penálti. O Dragão entrava nas oito melhores equipas da Europa.
Romanos falam em vergonha, Conceição descreve exibição como perfeita
Assim que Cuneyt Cakir apitou para o final do jogo, dois sentimentos 'invadiram' o relvado: a explosão de alegria dos jogadores, técnicos e restante staff do FC Porto contrastava com a desilusão romana. Conceição puxou do fair-play e foi confortar Robin Olson, guarda-redes romano. Florenzi, o jogador que fez o penálti da derrota romana, era dos mais inconformados, tendo deixado o Dragão a chorar. Nas bancadas 49029 espetadores faziam a festa.
Na zona de entrevistas rápidas, De Rossi lamentou que este não tenha sido um combate de boxe.
"Temos que aceitar o resultado, mas é terrível ser eliminado desta forma. Era melhor termos ido aos penáltis. Não fomos perfeitos, mas vi uma equipa unida e composta por homens sérios. O FC Porto é equipa forte, mas nos 180 minutos nós merecemos passar. [...] Se fosse a pontos, como no boxe, teríamos passado".
"O ano passado exigimos VAR na Liga dos Campeões porque nos 'lixaram' nas meias-finais e esta noite havia VAR e mesmo assim fomos roubados. O Patrick Schick foi claramente derrubado na área, o VAR mostrou isso mesmo, e nada foi assinalado. Estou farto desta porcaria. Desisto."
Já Kostas Manolas resolveu culpar a arbitragem do turco Cuneyt Cakir pela derrota, referindo-se a um possível penálti de Marega sobre Schick.
"É uma vergonha que o árbitro não tenha ido ver as imagens. O árbitro disse que não foi nada, mas o contacto é claro. Não percebo por que é que isto acontece sempre connosco. Já no ano passado [com o Liverpool] não marcaram dois penáltis a nosso favor. Depois o árbitro pediu desculpas, mas não serve de nada. Mas agora com o VAR não há desculpas", atirou. Também o presidente da AS Roma culpou Cuneyt Cakir pelo afastamento.
Sérgio Conceição, que fez apenas uma breve declaração na conferência de imprensa (o técnico recebeu a notícia da morte do cunhado, momentos antes), falou em exibição quase perfeita.
"Era importante voltar a ter em relação ao último jogo algumas características que são fundamentais na nossa equipa. Voltámos a ser muito pressionantes, com reação à perda muito forte, com muita vontade de chegar à baliza. Percebemos que por vezes fica difícil para o adversário quando jogamos com um misto de futebol ligado e de profundidade. Cometemos alguns erros em Roma que corrigimos. Hoje, fizemos um jogo quase a roçar a perfeição", disse Sérgio Conceição na zona de entrevistas rápidas.
Os números de uma vitória histórica
Com um golo e uma assistência, Marega foi o Homem do Jogo. O maliano estabeleceu um novo recorde no FC Porto, ao marcar pelo sexto jogo consecutivo, deixando para trás o registo de Mário Jardel em 1999/2000. Na Champions, apenas Cristiano Ronaldo, Van Nistelrooy e Burak Yilmaz tinham estado seis jogos seguidos a marcar. Apenas Robert Lewandowski (ainda não jogou nesta ronda), com oito golos, tem mais tentos que Marega na prova. O maliano conta com os mesmos tentos de Lionel Messi (ainda não jogou nesta ronda) e Dusan Tadic.
Dragão foi superior, como mostram as estatísticas do GoalPoint
Esta foi a quarta vitória em outros tantos jogos do FC Porto em casa nesta edição da Champions. Foi também a terceira eliminatória ganha a AS Roma em três séries. Os 'dragões' voltam a estar nos quartos-de-final da Champions pela 10.ª vez, depois dos feitos de 1986/87, 1990/91, 1992/93, 1993/94, 1996/97, 1999/00, 2003/04, 2008/09 e 2014/15. Esta também foi a sexta vez que uma equipa italiana caiu nas provas da UEFA às mãos do FC Porto.
A vitória por 3-1 permitiu também a Portugal (7.º) aproximar-se mais da Rússia (6.º) no ranking da UEFA (os russos somam 50.382 pontos, contra 47.232 dos lusos) . Os dois países ainda têm duas equipas nas provas da UEFA sendo que os russos estão todos na Liga Europa (Zenit São Petersburgo e Krasnodar, que medem forças com Villarreal e Valência, respetivamente). Portugal tem a vantagem de dividir os pontos nas provas da UEFA por cinco equipas (número de emblemas que entraram nas provas esta época), contra seis dos russos.
O FC Porto junta-se assim ao Ajax como os únicos representantes fora das cinco principais ligas a marcarem presença nos 'quartos' da 'Champions. É a segunda vez neste século que tal acontece: em 2011/12, o Benfica e APOEL Nicosia também chegaram aos quartos-de-final da Liga dos Campeões mas foram eliminados por Chelsea e Real Madrid, respetivamente.
Milhões. Muitos milhões de euros
A vitória permitiu ao FC Porto chegar aos 78,44 milhões de euros (ME) amealhado na edição 2018/19 da Liga dos Campeões em futebol em receitas diretas. A entrada nos quartos-de-final valeu 10,5 milhões, a que se juntam os 67,94 que já tinham somado por terem alcançado os ‘oitavos’.
A entrada direta na prova, em função de ter sido campeão português na época passada, valeu 15,23 ME pela presença. Pelo ‘ranking’ da UEFA nos últimos 10 anos, o FC Porto, sétimo colocado entre os 32 finalistas, recebeu mais 28,81 ME (1,108 a multiplicar pela posição inversa na tabela).
Os 16 pontos no Grupo D, face a Lokomotiv Moscovo, Schalke 04 e Galatasaray, valeram mais 14,4 ME (2,7 por vitória e 0,09 por empate). Com o consequente apuramento para os ‘oitavos’, o FC Porto conseguiu mais 9,5 ME.
Vem aí a 'caça ao Dragão' neste 'Game of Thrones' do futebol
Com a entrada nos 'quartos' da Liga Milionária, o FC Porto passa a ser o adversário mais apetecível. Neste 'Game of Thrones' pelo lugar mais alto do pódio da melhor competição de futebol de clubes do Mundo, haverá uma espécie de 'caça ao Dragão' no sorteio dos quartos-de-final. Para já, Ajax, Tottenham e Manchester United já estão nessa fase.
Das equipas que foram primeiros colocados na fase de grupos, só o FC Porto conseguiu seguir em frente, o que demonstra a imprevisiblidade desta Liga dos Campeões. Mas Barcelona (empatou 0-0 com o Lyon), Bayern Munique (empatou 0-0 com o Liverpool), Manchester City (bateu fora o Schalke04 por 3-2) e Juventus (perdeu fora com o Atlético Madrid por 2-0), tem a hipótese de confirmar o apuramento na próxima semana, embora a tarefa não seja fácil para a 'Juve' de Ronaldo e Cancelo.
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