Ferenc Puskás é um nome inevitável quando pensamos no futebol húngaro. O Major Galopante foi a estrela mais cintilante de uma geração "mágica", campeã olímpica em 1952 e vice-campeã do mundo em 1954 (tendo perdido a final para a Alemanha Ocidental, no sobejamente conhecido Milagre de Berna). Foi campeão da Hungria em quatro ocasiões pelo Honvéd, somou três títulos europeus e cinco espanhóis no Real Madrid e apontou 84 golos em 85 partidas pela seleção magiar (tendo ainda jogado quatro partidas pela seleção espanhola, entre 1961 e 1962). Foi considerado o maior goleador do século XX - ao todo, apontou 512 golos em 528 partidas na carreira.
A grandeza e magnanimidade da figura parece não combinar com a história que se segue. Puskás deixou-nos a 17 de novembro de 2006, depois de uma batalha contra uma pneumonia. Por essa altura, e na sequência de uma derrota nas eleições legislativas na Hungria (a segunda consecutiva), Viktor Orbán estava também ligado já ao fenómeno do futebol e em particular ao Felcsút FC, clube pelo qual havia jogado em divisões inferiores (já como primeiro-ministro, inclusivamente). Felcsút é uma pequena localidade situada a menos de 50 quilómetros da capital Budapeste, na qual Orbán passou parte da vida e tentou lançar as raízes para um projeto de uma academia para formar jovens jogadores, primeiramente para o Videoton (histórico clube da cidade da qual o responsável político é natural), mas com o objetivo final de lançar craques para o futuro do futebol húngaro. O centro de formação havia sido inaugurado em setembro de 2006 e então já Ferenc Puskás estava internado num estado de saúde considerado bastante debilitado. Viktor Orbán pretendia dar o nome da lenda magiar à academia recém-criada e depois de uma conversa com a mulher do antigo craque, obteve a autorização para dar o nome de Puskás Akadémia à nova escola de futebol de Felcsút.
Quatro anos volvidos, Orbán voltou ao poder na Hungria e com um objetivo muito claro: queria um investimento forte no desporto e, em particular, no amado futebol, remetido a uma certa obsolescência numa primeira metade de um século XXI na qual o país tinha também sofrido com os efeitos severos da crise económica. Vários projetos avançaram, como o financiamento de novos estádios e academias, e o Puskás Akadémia, agora já como clube sucedâneo do Felcsút FC, não foi excluído dessa lista de investimentos.
Também em 2010, Lörinc Mészáros, antigo autarca de Felcsút, um dos homens mais poderosos da Hungria e amigo pessoal de Orbán, tornou-se dono do clube. E daí até ao avanço da construção de um estádio novo foi uma questão de tempo, mais em concreto quatro anos: a Pancho Arena, inovador estádio que se confunde com uma catedral, foi inaugurada em abril de 2014, dois anos depois do início da construção. A nova casa deste pequeno emblema custou 120 milhões de euros e passou desde então a ser um ponto de encontro das figuras mais poderosas do aparelho de Viktor Orbán, como constatou o The Guardian numa reportagem premiada em 2018. (https://www.theguardian.com/news/2018/jan/11/viktor-orban-hungary-prime-minister-reckless-football-obsession)
O crescimento do clube tem sido galopante, quase como se estivesse a honrar uma das alcunhas de Puskás. Nos últimos três anos, terminou sempre no pódio, com o auge a ser o resultado obtido na temporada 2020/21, em que foi segundo classificado na liga húngara. A chegada à final da Taça do país na época 2017/18 (ano de regresso ao escalão máximo, depois de uma breve passagem pela segunda liga) foi outro ponto significativo de um caminho que orgulha os (poucos) adeptos de Felcsút, mas deixa revoltados adeptos doutros clubes históricos, que perderam ascendente nos últimos anos, muito também pela falta de investimento financeiro e desportivo.
O que é que o Vitória SC pode esperar desta eliminatória?
O Puskás Akadémia vive dias de expectativa e entusiasmo, ante o início da terceira participação europeia (consecutiva) da história e logo perante uma equipa de respeito como o Vitória SC. Na época passada, foi eliminado nesta fase da prova, com duas derrotas perante os letões do RFS e depois conseguiu garantir o pódio no campeonato, a cinco pontos do segundo classificado Kisvárda e a uns distantes 17 pontos do campeão Ferencváros.
Para esta temporada, o Puskás manteve a base de 2021/2022, tendo ainda assim perdido o central português João Nunes para o Casa Pia (fez 28 partidas na última temporada) e o ponta de lança checo Libor Kozak. Para os lugares deste duo, entraram os únicos reforços confirmados até aqui, o central polaco Wojciech Golla (ex-Slask Wroclaw) e o avançado gambiano Lamin Colley, autor de 12 golos ao serviço dos eslovenos do Koper no último ano. O investimento nestes novos elementos ascendeu a 1 milhão de euros, valor considerável para um clube de nível médio do futebol húngaro.
Nos jogos de preparação, o Puskás Akadémia defrontou equipas de respeito como o Hoffenheim e o Slavia de Praga (saiu derrotado nas duas partidas) e goleou os austríacos do St. Pölten, por 4-0. O técnico Zsolt Hornyák aproveitou para fazer alguns testes mas nos dois encontros de maior exigência lançou aquele que pode ser o onze-base para o arranque da temporada. O antigo internacional eslovaco, que tem também passaporte húngaro, foi alternando na época passada entre o 4-2-3-1, o 4-3-3, o 4-4-2 e um 3-4-3 (com variante defensiva em 5-4-1) que voltou a ser utilizado nos exercícios de preparação para o arranque da época.
Para o confronto da primeira mão com os vimaranenses, perspetiva-se que o conjunto magiar se possa apresentar com uma linha de três centrais e dois laterais, dispostos a fazer todo o corredor. O belga de raízes argelinas Mohamed Mezghrani jogou poucas vezes desde o ingresso na turma de Felcsút em janeiro – proveniente do Honvéd – mas vem de duas partidas completas a fechar a pré-temporada. Do lado esquerdo, deve figurar como é habitual Zsolt Nagy, uma das referências do Puskás Akadémia e que ficou mais conhecido por ter marcado dois golos seguidos na Liga das Nações, no empate frente à Alemanha e na histórica goleada da Hungria face à Inglaterra por 4-0. É um jogador agressivo, com argumentos no apoio ofensivo e capacidade para baixar no terreno na fase defensiva. Ao centro, o multifuncional Roland Szolnoki deve fazer companhia a dois habituais titulares da época passada, Csaba Spandler e Patrick Stronati. Os centrais do Puskás são duros de rins e fortes em duelos, mas sentem alguns problemas a proteger o espaço nas costas perante jogadores mais velozes e nem sempre ajustam bem o espaço para o lateral – algo que pode ser explorado pelo Vitória. Na baliza, deve morar Balázs Tóth, guardião que foi parar a academia do clube com 10 anos, embora o mais experiente Tamás Markek tenha dividido as redes do Puskás com Tóth durante a temporada passada.
Na zona intermediária, há boas opções para afrontar os vimaranenses. O neerlandês Yoëll van Nieff, antigo jogador do Groningen e do Heracles, é uma referência clara no modelo de jogo dos magiares, pela mais-valia do pé esquerdo a lançar passes longos, para cruzar, bater bolas paradas e ajudar na recuperação defensiva. Ao lado do número «6», podem figurar o ucraniano Artem Favorov (médio destro, com capacidade de entrada em zona de remate e argumentos no passe) ou o eslovaco Jozef Urblík – jogador que vira bem o centro do jogo, com o pé direito e que possui boa meia-distância. Na época passada, os três chegaram a atuar em simultâneo e essa pode também ser uma solução para Hornyák na viagem até à Cidade Berço.
Para a zona mais ofensiva, existem também vários nomes convincentes. No duelo com o Hoffenheim, o treinador do Puskás Akadémia apostou em Colley no centro do ataque, municiado pelo criativo romeno Alexandru Băluță – internacional com um excelente pé direito, sentido de baliza, qualidade no último passe e cruzamento para a área – e também pelo regressado Tamás Kiss, extremo de baixa estatura mas técnica refinada, que passou a última temporada cedido aos neerlandeses do Cambuur. Para as alas, o experiente Luciano Slagveer e os jovens Alan Skribek, György Komáromi, Marius Corbu e Balázs Bakti (17 anos apenas) podem também aparecer na equação, não esquecendo o goleador iraniano Shahab Zahedi, cedido pelos ucranianos do Zorya e que continua no clube esta época, depois dos quatro golos na segunda metade da última temporada e das várias boas exibições no campeonato (tem mobilidade, facilidade no remate com os dois pés, preferindo a canhota, e mostra argumentos no jogo aéreo).
O Puskás Akadémia é uma formação interessante, capaz de ter a bola mas com a intenção de verticalizar os ataques, não especulando em posse e promovendo subidas pelos corredores laterais para providenciar cruzamentos para a área adversária. Na última época, valeu ao conjunto dos arredores de Budapeste a excelente primeira volta, porque nos últimos 14 jogos do campeonato, a equipa de Felcsút venceu apenas dois. O último triunfo fora de portas, de resto, foi alcançado a 6 de fevereiro, no estádio do Mezőkövesd (2-1). A nível defensivo, a resposta competitiva da equipa foi boa, com a segunda melhor defesa da prova (34 golos sofridos, os mesmos do vice-campeão Kisvárda), mas em termos ofensivos o pecúlio foi menos conseguido (43 golos marcados em 33 partidas, apenas os três últimos classificados fizeram menos tentos em toda a liga).
Apesar do início de época atribulado, com a troca de Pepa por Moreno no comando técnico, o Vitória SC é favorito para passar à 3ª pré-eliminatória e defrontar os croatas do Hajduk Split. Mas não se pode fiar na maior experiência competitiva e no facto de estar mais habituado a jogos de grande exigência. As rondas europeias de início de época não perdoam distrações e maus momentos e exige-se uma equipa na melhor forma possível para o mês de julho. Ter bola, ser pressionante, travar os elementos mais criativos dos húngaros e saber rentabilizar as debilidades adversárias, na bola corrida e bola parada (um dos problemas do Puskás Akadémia) serão as chaves para levar de vencida o primeiro obstáculo da época 2022/23.
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