No último verão, Domingos Duarte deixou o Sporting a título definitivo, após três empréstimos consecutivos, para assinar pelo Granada, que então celebrava a subida à Liga espanhola. A aposta revelou-se certeira. Os andaluzes estão atualmente no terceiro lugar, com 17 pontos, apenas atrás de Barcelona e Real Madrid – a equipa catalã foi, aliás, uma das vítimas deste arranque surpreendente do Granada.

No plano individual, o defesa central formado nos leões também tem motivos para sorrir. É titularíssimo no conjunto orientado por Diego Martínez, e já leva dois golos em nove jornadas, um deles apontado em pleno Santiago Bernabéu, o outro na passada sexta-feira, que acabou por dar a vitória aos 'nazaríes' frente ao Osasuna.

Em conversa com o SAPO Desporto, Domingos Duarte contou como está a correr a época de estreia na Liga espanhola, onde diz sentir-se realizado, e garante que não guarda ressentimentos por ter ficado fora das contas do Sporting, o "clube do coração".

SAPO Desporto- Estava à espera de um arranque assim?

É uma pergunta complicada. Quem trabalha para ter sucesso espera sempre que as coisas corram bem. Se calhar não esperava estar em terceiro lugar numa liga tão competitiva como a liga espanhola, mas sei que esta equipa tem muita qualidade, tanto a nível humano como futebolístico. É o resultado do trabalho realizado na pré-época e do espírito de grupo que se criou, que já vem do ano passado, quando o clube estava na segunda divisão.

SD - E a nível individual?

Está a ser um início de época bom. Também já tinha começado muito bem no ano passado [no Deportivo da Corunha]. Agora é dar seguimento a este momento e continuar a fazer bons jogos, sabendo que ainda tenho muitas coisas para melhorar.

SD - Esse espírito de grupo de que falava é o grande segredo deste Granada?

Sem dúvida. A força da equipa está no facto de remarmos todos para o mesmo lado, com os mesmos objetivos. Além disso, temos mostrado que somos uma equipa aguerrida, com personalidade, e que é muito difícil marcarem-nos golos em casa. Estamos há três jogos sem sofrer golos no nosso estádio. Há quem diga que não temos muita bola, mas, mesmo assim, já fizemos 16 golos no campeonato.

SD - E não se têm inibido frente a equipas como Barcelona e Real Madrid...

Claro. Seja contra quem for, queremos mostrar que estamos aqui para ficar. Procuramos perceber quais são as debilidades de cada adversário e depois jogamos com as nossas armas, olhos nos olhos. Felizmente está a correr bem, mas também sabemos que as coisas podem mudar de um momento para o outro. Basta perdermos dois jogos para começarem a dizer que o Granada já não é tão bom. Vamos avançando jogo a jogo, sem pôr rótulos na nossa equipa, porque isso também não adianta de nada. O que importa é mostrarmos a nossa força em campo, todos os fins de semana.

SD - A pressão passa a ser maior daqui para a frente?

Não, acho que continua a ser igual. Claro que agora temos, por assim dizer, mais responsabilidades, porque temos feito bons resultados. De qualquer forma, acho que essa pressão não vai afetar em nada a equipa. Continuamos a ser um grupo com muita personalidade e sem medo de jogar seja contra quem for.

SD - Até onde pode ir o Granada? A Europa é um objetivo?

É muito cedo para falar nisso. Temos de ir com tranquilidade, jogo a jogo, e logo se vê onde é que podemos chegar. O mais importante é garantir a permanência. É esse o sonho do clube e dos adeptos. Não vale a pena estar a pensar mais à frente. Se as coisas continuarem a correr bem, logo se vê.

SD - Como é ganhar ao Barcelona?

Um dia estou a jogar com eles na PlayStation, noutro dia estou a jogar contra eles no campo. É sempre bom disputar este tipo de jogos, ao lado dos melhores, é uma motivação extra para o resto da temporada. Foi uma vitória justa. Em Madrid acabou por não correr tão bem, mas ainda estivemos perto de empatar a partida, depois de estarmos a perder 3-0. Só mostra a personalidade desta equipa.

Domingos Duarte teve Luis Suárez pela frente no triunfo sobre o Barcelona
Domingos Duarte teve Luis Suárez pela frente no triunfo sobre o Barcelona. Créditos: EPA

SD - Falou no jogo com Real Madrid. Qual é a sensação de marcar no Santiago Bernabéu?

Foi muito bom, claro. Acho que fui o 11.º português a fazê-lo no Santiago Bernabéu. Na altura o golo ainda nos deu alguma esperança para chegar ao empate e viu-se que os jogadores do Real Madrid ficaram desconfortáveis, já se ouvia alguns assobios no estádio... Mas depois fizemos um erro não forçado e eles acabaram por chegar ao 4-2. O meu golo fica como um marco na carreira, mas não nos deu nenhum ponto, portanto não serviu de muito. Continuo a querer mais.

SD - Já teve oportunidade de defrontar jogadores como Suárez e Benzema. Quem lhe deu mais dores de cabeça até ao momento?

Sempre gostei muito do Benzema. Foi muito difícil enfrentá-lo, porque é um avançado que se esconde muito, nunca está no teu raio de ação, e com isso acaba por fazer alguns golos. Não é fácil acompanhá-lo. O Suárez também é muito complicado, apesar de ter um estilo de jogo diferente. É um jogador mais de contacto, de duelos. Tal como o Chimy Ávila, do Osasuna.

SD - Há muito trabalho de casa no sentido de perceber as limitações de cada avançado?

Não, preocupo-me mais com o meu jogo. Se estiver bem e concentrado naquilo que sei fazer, acho que vou estar mais próximo de fazer frente a qualquer um. Claro que procuro saber algumas características dos avançados em questão, mas não fico obsessivo em relação a quem vou defrontar.

SD - Que jogador ainda não defrontou e tem especial curiosidade em encontrar?

Talvez o Diego Costa. É um avançado que gosta muito do confronto físico.

SD - Sente que esta é a melhor fase da carreira?

Acho que tenho vindo a progredir no meu percurso, desde que comecei no Belenenses. Estou contente com a minha evolução, como é óbvio, mas quero mais. Um jogador que se conforma com o momento que atravessa corre o risco de ficar demasiado cómodo, e isso nunca é bom. Estou contente com o meu desempenho, mas quero continuar a evoluir, pois sei que tenho capacidade para mais.

SD - Jogar na Liga espanhola era um objetivo?

Sem dúvida. Desde que o Ronaldo se mudou para o Real Madrid, em 2009, tanto eu como todos os portugueses começámos a seguir muito mais a Liga espanhola. É um campeonato com muita qualidade e penso que é aquele que se adequa mais às minhas características. Estou muito feliz pela oportunidade de jogar aqui.

SD - Ficou desiludido por não ter subido à primeira divisão com o Deportivo, no ano passado?

Bastante. Passei um ano espetacular no Deportivo, aprendi muito como jogador e fiz muitos amigos na Corunha. Foi um clube que me tratou muito bem e tenho muita pena de não ter conseguido dar essa alegria aos adeptos. Morremos na praia... [A equipa perdeu a final do play-off com o Maiorca]

SD - Acabou por assinar em definitivo pelo Granada. Porquê esta escolha? 

Na altura falou-se de várias hipóteses, mas foi o Granada quem mostrou um interesse mais concreto em mim. O diretor desportivo falava comigo quase todos os dias para saber como estava, o treinador também chegou a ligar-me... É sempre bom para um jogador sentir esse interesse da parte de um clube. Acabou por ser uma decisão fácil.

SD - O facto de haver outro português na equipa, o guarda-redes Rui Silva, facilitou a adaptação?

Sem dúvida. Ele já cá estava, já sabia como funcionava o grupo, por isso foi um apoio muito importante. Ajudou-me a sentir em casa fora de casa. E ele também está a atravessar ótimo momento. É um grande guarda-redes e uma pessoa dez estrelas.

Momento em que Domingos Duarte faz o 3-2 para o Granada, no Santiago Bernabéu
Momento em que Domingos Duarte faz o 3-2 para o Granada, no Santiago Bernabéu créditos: AFP OR LICENSORS
"Saída do Sporting aconteceu no momento certo"

SD - Deixou o Sporting  no último verão, sem conseguir estrear-se pela equipa principal. Guarda alguma mágoa por não ter sido chamado para a pré-temporada?

"Não, nada disso. Foi o que foi. Sei que fiz o meu trabalho no Sporting, mas às vezes o momento não é o indicado para apostarem em ti e o melhor mesmo é sair. Talvez tenha faltado uma pontinha de sorte, não sei. Só os dirigentes do Sporting é que podem explicar o que aconteceu. Mas não olho para o passado. Estou feliz em Espanha e isso é o mais importante. Se um dia puder voltar e estrear-me pelo Sporting, ficarei muito contente, porque é o clube do meu coração.

SD - Hoje em dia acredita que teria um lugar na equipa principal?

Se eu respondesse que não, não faria qualquer sentido. Confio plenamente nas minhas capacidades, portanto, tendo isso em consideração, acho que poderia disputar um lugar em qualquer equipa. Seria demasiada modéstia dizer que não.

SD - Andar de empréstimo em empréstimo torna-se prejudicial para um futebolista?

Sim. Um ou dois empréstimos pode ser algo bom pois permite-te evoluir e jogar com regularidade, mas depois corres o risco de te tornares um crónico emprestado, o que não te favorece em nada. Acho que saí no momento certo, não pela situação que o Sporting atravessa, mas para o meu próprio bem. A partir do momento em que não contam comigo, prefiro ir-me embora e seguir o meu rumo. Sem mágoas. O mais importante é eu estar tranquilo comigo mesmo, fazer o meu trabalho diariamente e não pensar no que ficou para trás.

SD - Como vê o atual momento do Sporting?

É óbvio que as coisas não estão a correr bem, o clima que se instalou à volta do clube também não ajuda, com as pessoas a dizerem que o Sporting já não é o que era. Todos os clubes passam por más fases e há que dar tempo ao tempo. Agora estamos no ciclo do Silas, que é um excelente treinador e tem todas as condições para ajudar o clube a dar a volta à situação. Os resultados acabaram por surgir naturalmente.

Domingos Duarte em ação num jogo do Sporting B
Domingos Duarte em ação num jogo do Sporting B. Créditos: Sporting CP créditos: AFP/GRANADA/LUSA/
"Acredito que estou mais próximo da Seleção"

SD - A Seleção Nacional está em mente?

É o sonho de qualquer futebolista. Desde miúdo. Acho que tenho feito coisas engraçadas, por assim dizer, para merecer uma oportunidade. Mas não quero pensar se mereço ou deixo de merecer ser chamado. Preocupo-me apenas em fazer o meu trabalho no Granada, e a partir daí será o selecionador a decidir. Mas tenho plena confiança em mim e sei que é algo que pode aparecer na minha carreira. Se assim for ficarei muito orgulhoso. Não há nada melhor do que representar o meu país. Já o fiz nas camadas jovens e é um sentimento indescritível.

SD - Com a época no Granada a correr tão bem, sente que esse objetivo está mais perto de se concretizar?

Claro que sim. O facto de jogar numa das melhores ligas do mundo é mais propício a que isso aconteça. É continuar a trabalhar e esperar uma oportunidade. Se isso acontecer, prometo agarrá-la com todas as forças.

SD - A chamada de novos valores, como Rúben Dias, Ferro ou Rúben Semedo, pode servir de motivação?

Não penso dessa forma. Claro que é bom saber que estão atentos a novos valores, mas no final será sempre a qualidade do jogador e não a sua idade a pesar na hora de decidir quem chamar. Até porque, hoje em dia, há cada vez mais futebolistas a jogar até mais tarde.

SD - Já teve oportunidade de trabalhar com vários treinadores ao longo da carreira. Houve algum que o tenha marcado especialmente?

Vou dizer dois nomes. O José Lima, que me levou para o Sporting, ajudou-me bastante a crescer e a perceber o que era a cultura do clube. Preocupava-se muito comigo e mostrava muita confiança nas minhas capacidades. E depois o Luís Castro, no Chaves, marcou-me muito também pelo lado humano. Estava sempre pronto a ajudar-me, se precisava de ir a casa [Domingos Duarte é natural de Cascais] ou de descansar um ou outro dia, ele nunca se opunha. Isso acontecia comigo e com todos os jogadores do plantel. Se pudesse voltar a encontrá-lo no futuro ficaria muito contente. Foi um treinador que me ajudou muito.

Em duelo com Gabriel Jesus, no Campeonato do Mundo de Sub-20, em 2015
Em duelo com o brasileiro Gabriel Jesus, no Campeonato do Mundo de Sub-20, em 2015. Créditos: AFP

SD - Como avalia a evolução do papel do defesa central nos últimos anos?

Tanto o central como o guarda-redes têm vindo a ganhar cada vez mais importância. Antes o futebol não era tão apoiado, era pontapé para a frente, a ver quem é que dava a segunda jogada, e a partir daí, sim, é que se jogava. Hoje em dia dá-se mais atenção à saída de bola por trás. Acho que as minhas características são adequadas a esta forma de jogar.

SD - Tem algum defesa central como referência?

Tinha algumas referências quando era mais novo. Gostava muito da maneira como jogava o Vidic. Era um defesa que não dava nenhum lance por perdido, e que decidia muitos jogos lá na frente, com golos de cabeça.

SD - Já teve oportunidade de explorar a cidade de Granada?

"Vou ser sincero: vi muito pouco. Fui a um ou dois restaurantes com vistas engraçadas sobre Alhambra e sobre a cidade, mas não sou muito de andar por aí a passear. Sou mais de ficar em casa a descansar a ver uma série. Mas, do que já conheci, é uma cidade com muito encanto. As pessoas abordam-nos sempre com uma palavra simpática. É sempre bom sentires-te cómodo numa cidade onde vais estar por uns tempos. E já não preciso de recorrer ao 'portunhol'.

SD - De que sente mais falta em Portugal?

A comida é diferente. Quer dizer, aqui também come-se muito bem, mas... Não sei, sinto sempre falta de Portugal. De Portugal e de casa. Mesmo se estivesse em Chaves, como estive, ia sentir falta de algumas coisas de Lisboa. Não há nada como o nosso lar.

SD - As perspectivas para o futuro passam por outros voos?

Neste momento o mais importante é fazer um bom trabalho no Granada e acabar bem o ano. Não adianta estar preocupado com o futuro, porque é o presente que me vai permitir dar novo salto na carreira. Quero fazer o maior número de jogos possível e dar continuidade a este bom momento.