O treinador de futebol feminino do Famalicão Miguel Afonso foi hoje punido com 35 meses de suspensão e o diretor do clube Samuel Costa com 18, por discriminação de género e orientação sexual, após denúncias feitas em setembro.
O Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) condenou hoje o técnico pela “prática de cinco infrações disciplinares” muito graves, decorrentes de “comportamentos discriminatórios em função do género e/ou da orientação sexual”, punindo-o com 35 meses de suspensão e 5.100 euros de multa, enquanto Samuel Costa cumprirá ano e meio de suspensão, por três infrações muito graves, com 3.060 euros de multa.
Miguel Afonso, de 40 anos, foi alvo de denuncias de jogadoras do Rio Ave em 2020/21, noticiadas no jornal Público, que deram lugar a outras sobre o antigo técnico de Bonitos de Amorim (2019/20) e Ovarense (2021/22), e agora Famalicão, que o suspendeu após ser tornado público.
Também visado foi Samuel Costa, de 36, dirigente dos minhotos para o futebol feminino, que trabalhou no Vitória de Guimarães (2020/21) e no Valadares Gaia (2021/22) antes de chegar a Famalicão esta época.
No relato dos fundamentos em que assenta a decisão condenatória, o CD explica que o treinador do Famalicão “ofendeu a dignidade das cinco ofendidas, todas com idades inferiores a 21 anos, discriminando-as por, sendo mulheres e tornando-se destinatárias das suas pretensões sexuais em função de um papel de género que lhes atribuía, não acederem aos seus avanços”, com todas elas cientes de que “não cederem às suas investidas poderia prejudicá-las também no plano da sua prática desportiva, como efetivamente sucedeu”.
Quanto a Samuel Costa, identificado como ‘team manager’, este “também exercia autoridade relativamente às jogadoras” e “adotou comportamentos ofensivos e discriminatórios em função da orientação sexual, causando-lhes por essa via prejuízos também no plano da prática desportiva”.
Segundo o comunicado, que reproduz algumas das expressões usadas por ambos nestas infrações, o CD foi unânime nos castigos, aplicando-os “em cúmulo material” numa só sanção, alicerçando-se no artigo 125.º do Regulamento de Disciplina da FPF, sobre comportamento discriminatório, e não apenas no ato de assédio sexual.
“As condutas adotadas vão para além da importunação típica do assédio sexual (atualmente previsto no artigo 126.º-B do regulamento de disciplina), sendo subsumíveis no ilícito disciplinar mais grave de comportamento discriminatório previsto no artigo 125.º do Regulamento, porquanto as vítimas, para além de importunadas, são discriminadas no exercício dos seus direitos fundamentais”, esclarece o CD.
Além das notícias divulgadas na comunicação social, começando pelo Público, que tornou público o caso, também a FPF recebeu “denúncias anónimas apresentadas através da Plataforma de Integridade”.
Ainda segundo o CD, uma “equipa especial” foi criada durante a instrução do processo, levando a cabo 18 inquirições a vítimas ou testemunhas, aos arguidos, e analisados mais de 60 documentos e suportes áudio e vídeo.
Os requerimentos de diligência de prova, que ambos os arguidos entregaram, foram “integralmente deferidas pelo relator e de seguida produzidas”.
O relato dos factos ocorridos por parte do CD assenta, do lado de Miguel Afonso, na forma como pedia fotografias do corpo de atletas, pedia segredo e insistia reiteradamente no comportamento, mesmo quando as vítimas mostravam resistência, mas também descrevia a forma como se sentia sexualmente atraído por elas, descrevendo o seu corpo, além de, num dos relatos do CD da FPF, tocar “nas pernas de uma jogadora, levando esta a afastar a mão do treinador da sua perna”, tentando também “tocar na zona das virilhas da jogadora”.
Estas práticas deixaram “as jogadoras nervosas, desconfortáveis, tristes, sentindo-se humilhadas e constrangidas na sua liberdade e na sua dignidade pessoal, além de impotentes para contrariar aquelas condutas”, dada a inferioridade hierárquica, para mais exacerbada quando Miguel Afonso empregava “um tom algo persecutório, limitativo e castrador da liberdade pessoal daquelas jogadoras”.
Quanto a Samuel Costa, é a discriminação em função da orientação sexual das vítimas o que é mais evidenciado, mas também a forma como comentava, com outras atletas do plantel, os avanços sexuais que pretendia das vítimas.
Uma vítima em particular ouviu, do diretor, com expressões como “flop” e “lástima”, além de o diretor lhe deixar a garantia de que a despediria se assim quisesse.
“Consubstancia conduta discriminatória, enquanto conduta ofensiva da dignidade em função do género, toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no género que tenha como objetivo comprometer ou destruir o reconhecimento, o gozo ou o exercício pelas mulheres das liberdades fundamentais através da sua sujeição a ofensas que com menor probabilidade seriam infligidas aos homens”, acrescenta o CD da FPF.
O caso remonta a setembro, quando futebolistas que alinharam na equipa feminina do Rio Ave em 2020/21 denunciaram ações de assédio sexual por Miguel Afonso, então treinador da equipa feminina do clube, com várias jogadoras, das vila-condenses e outros emblemas, a formalizarem queixas, juntando-se, dias mais tarde, Samuel Costa, após novas denúncias, com o CD da FPF a instaurar processos a ambos.
Miguel Afonso e Samuel Costa foram, então, suspensos de funções no Famalicão, que prometeu então sancionar o treinador desde que apurada “a verdade dos acontecimentos”, com o técnico Renato Lobo a ser escolhido como interino.
Seguiu-se Marco Ramos, que em 24 de outubro foi absolvido de acusações de assédio psicológico, racismo e xenofobia movidas pela brasileira Victoria Markowicz Gerard, quando ambos estavam no Ouriense.
O Famalicão divide com o Damaiense o quarto lugar da Liga feminina, após cinco jornadas, com 10 pontos, menos cinco do que Benfica e Sporting de Braga e menos dois do que o Sporting.
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