O ano de 2023 ficou marcado pela ascensão meteórica do futebol feminino à escala global. Apesar do constante e gradual crescimento da modalidade nos últimos anos, 2023 trouxe ao futebol feminino uma explosão mediática nunca antes vista, alimentada, não só pelo que se passava dentro das quatro linhas, mas muito também pelos desafios ultrapassados fora de campo.

Por cá, Portugal também assistiu ao seu próprio 'boom' no que ao futebol feminino diz respeito. Uma modalidade que há muito vinha a ganhar adeptos, viu a sua imagem e lugar no plano desportivo nacional reforçada com a presença no Campeonato do Mundo, a primeira na história do nosso país.

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Navegadoras fazem história

"Deus quer, o homem sonha, a obra nasce", é assim que Fernando Pessoa descreve o sonho do Infante D.Henrique que levou à expansão marítima portuguesa nos séculos XV e XVI; cerca de quinhentos anos depois, um grupo de jogadoras ousou navegar por mares inóspitos e, até à altura, desconhecidos, em busca de novos mundos.

Longe vão os tempos em que o futebol feminino em Portugal era visto como, não como o parente pobre do futebol masculino, mas antes aquele primo que mora longe, e do qual só sabemos quando acontece algo desagradável. É justo dizer que, do ponto de vista da opinião pública, o futebol feminino não era levado a sério, muito devido ao seu carácter amador, e aos francos resultados que advinham dessa condição.

Contudo, um longo trabalho ao nível da formação e da profissionalização da modalidade a todos os níveis, permitiu um crescimento qualitativo substancial que foi posteriormente aumentado com a entrada em cena de clubes como Sporting, Benfica ou SC Braga, emblemas que fizeram um grande investimento no futebol feminino, gerando assim maior interesse por parte do público.

Grupo H

1º Alemanha - 27 pontos

2º Portugal - 22 pontos

3º Sérvia - 21 pontos

4º Turquia -10 pontos

5º Israel - 9 pontos

6º Bulgária - 0 pontos

O campeonato nacional foi crescendo gradualmente em termos competitivos e era apenas uma questão de tempo até que tal tivesse as suas repercussões em termos da seleção nacional. Depois de um quarto lugar em 2015 e um terceiro em 2019, a equipa das quinas conseguiu um segundo lugar em 2022, que lhe permitiu acesso aos 'playoffs' de apuramento.

Depois de ultrapassar Bélgica e Islândia, os Camarões eram agora o nosso 'Cabo das Tormentas', o último obstáculo entre Portugal e a história. Como não poderia deixar de ser, a tarefa das portuguesas foi carregada de emoção e drama até ao último minuto.  Nas primeiras horas da manhã do dia 22 de fevereiro, os portugueses estavam colados aos ecrãs para ver e vibrar com a seleção nacional de futebol feminino, algo que se julgaria impensável há poucos anos atrás.

Após o golo de Diana Gomes aos 22 minutos, e de uma série de oportunidades desperdiçadas, Portugal levou um verdadeiro soco no estômago aos 89 minutos, quando Ajara Nchout empatou para os Camarões. Contudo, e como foi apanágio das comandadas de Francisco Neto, as portuguesas lutaram até ao fim e conseguiram o golo da vitória por Carole Costa aos 94 minutos. Pouco depois era dado o apito final do jogo, e o inicial da festa portuguesa.

O Mundial que foi muito mais que futebol

No Campeonato do Mundo, realizado na Austrália e Nova Zelândia, a seleção nacional portuguesa ficou inserida no grupo E, juntamente com o Vietname, Países Baixos (campeão europeu) e nada mais, nada menos que os tetras campeões mundiais Estados Unidos da América.

A estreia em mundiais deu-se no dia 23 de julho, mas não começou propriamente da melhor maneira. Diante dos Países Baixos, a seleção nacional, inexperiente nestas andanças, acabou por perder diante das neerlandesas por 1-0, numa partida onde só na segunda parte as portuguesas conseguiram responder à supremacia das adversárias.

Após a derrota as Navegadoras estavam obrigadas a vencer o Vietname para manterem vivas as aspirações de qualificação para os oitavos de final. No dia 27 de julho, a equipa portuguesa venceu a congénere vietnamita por 2-0, resultado lisonjeiro para as asiáticas, tendo em conta as oportunidades desperdiçadas por Portugal. Telma Encarnação entrou para a história ao marcar o primeiro golo de uma equipa feminina portuguesa num Campeonato do Mundo.

Tudo ficaria decidido no último jogo diante da 'toda-poderosa' equipa dos Estados Unidos, campeã do mundo em título. Contudo, e que nem nas naus portuguesas diante do Adamastor, a seleção nacional enfrentou as norte-americanas sem medos, jogando olhos nos olhos. Tal postura esteve muito perto de ter a devida recompensa quando, já nos descontos Ana Capeta atirou com estrondo ao poste, falhando por milímetros a qualificação para a fase seguinte. Contudo, o resultado não se alterou, e o empate a zero terminou com o sonho das 'Navegadoras'.

A prestação da seleção nacional chegara ao fim, mas o drama estava longe de terminar. No final da competição a Espanha sagrou-se Campeã do Mundo, ao derrotar na final a Inglaterra por 1-0, jogo que ficou marcado pela polémica celebração de José Luís Rubiales com Jenni Hermoso, e que levou mais tarde à queda do dirigente espanhol.

Explosão do desporto feminino liderada pelo futebol

O Campeonato do Mundo de futebol veio por si só acelerar ainda mais o já rápido crescimento do desporto feminino à escala global. Em Inglaterra, um dos países mais desenvolvidos no que a competições de futebol feminino diz respeito, haverá ainda mais investimento, tendo em vista a profissionalização dos principais escalões do campeonato. Enquanto isso, a árbitra Rebecca Welch tornou-se recentemente a primeira mulher a apitar um jogo da Premier League masculina.

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À escala europeia, a UEFA revelou recentemente que irá abrir uma segunda competição europeia de clubes, ao mesmo tempo que promove a expansão da Liga dos Campeões para mais equipas.

Atentas a este fenómeno estão também as grandes cadeias televisivas, que começam cada vez mais a criar um espaço próprio para o desporto feminino, e até mesmo um canal exclusivamente dedicado ao mesmo.

Perante tudo isto, não deverá constituir grande surpresa o facto de se projetar, em 2024, que as receitas provenientes do desporto feminino ultrapassem a fasquia do bilião de dólares, sendo que cerca de metade desse valor seja oriunda do futebol.

Apesar disto tudo, o caminho do desporto feminino, e do futebol em particular, ainda tem muitos obstáculos pela frente. A total hegemonia masculina no mundo do desporto, com o futebol à cabeça, que predomina há longos anos, e tudo aquilo que daí advém, ainda constitui uma grande barreira a ultrapassar.

Todavia, se este ritmo continuar, será apenas uma questão de tempo até o fenómeno passar a ser simplesmente senso comum.