Portugueses. Parece que os há em todo o lado na Alemanha. Foi num dos momentos em que precisávamos de sentar nalgum lado para fazer algumas publicações nas redes sociais do SAPO Desporto, que nos deparámos com dois jovens, sentados num muro à volta do recinto que circunda o Red Bull Arena. A 50 metros, a festa seguia forte, com os portugueses, animados pelas cervejas, a cantar a plenos pulmões, 'Joguem como bebemos e nunca mais perdemos, é sempre a ganhar...'.

Metemos conversa: "São portugueses?". Confirmaram de pronto. Lá longe, sentados no muro, ambos estudantes universitários, iam apreciando aquele espetáculo dos adeptos lusos, que estavam a golear os checos no capítulo da festa pré-jogo. Se a diferença entre as duas equipas fosse avaliada por esse momento, diria que Portugal iria golear. Mas no relvado a história costuma ser outra. Como veio a ser.

Pedro e Gonçalo estavam há dois dias sem dormir. Esperavam envolver-se no vale dos lençóis, cada um na sua casa, na noite de quarta-feira, quando aterrassem em Lisboa.

"Começámos por sair de Lisboa na segunda-feira, de madrugada e fomos para Milão. Em Milão, onde temos uns colegas que estão lá a fazer Erasmus, ficámos um dia. No dia a seguir, terça-feira de madrugada, apanhámos um avião para Praga (República Checa), de onde apanhámos um autocarro até Leipzig, numa viagem de quatro horas. No total, gastámos 200 euros, sem estadia. Foi tudo pensado: nós à noite estamos a viajar para poupar dinheiro", assegura-nos Gonçalo Vilhena. Feitas as contas, foram 2330 quilómetros de avião e 270 de autocarro. São 2600 quilómetros.

"Depois às 03 da manhã [de quarta-feira], apanhamos o autocarro de volta para Praga, e depois vamos para Paris e de Paris para Lisboa. Chegaremos a Lisboa na quarta-feira. São três dias só para ir ver a Seleção. Viemos ver a seleção", atalha.

Depois do jogo, havia um longo caminho a fazer de volta. Os 270 quilómetros de autocarro até Praga e depois 1341 quilómetros de avião.

Mas esta odisseia destes dois estudantes, de Lisboa até Leipzig, começou a desenhar-se bem cedo, em dezembro de 2023.

"Inscrevi-me no site 'Portugal Mais' e consegui receber convites para comprar dois bilhetes, isto em dezembro de 2023. Comprei dois bilhetes, falei com o Pedro", conta-nos Gonçalo, enquanto uma caneca de dimensões generosas de cerveja ajudava-o a aguentar o calor que se abateu sobre Leipzig, depois de uma tempestade de vento forte, granizo e chuva. Inverno e verão na mesma hora. "Isto é a Alemanha", contou-nos, minutos antes, um jovem alemão que, conosco, abrigava-se debaixo de uma árvore.

Assegurados os bilhetes, chegou a hora de fazer contas à vida, quatro meses depois, para uma viagem que não seria fácil.

"A partir de abril, maio, começámos a ver, 'Vamos, não vamos'. Também se não viessemos, tentávamos vender [os bilhetes]. Alinhámos e dissemos, 'Vamos'. Tentámos conciliar os preços dos bilhetes [das viagens] no mínimo de dias possíveis porque ainda estamos na faculdade...", recorda Pedro.

Pedro e Gonçalo são amigos de longa data. Conheceram-se no Colégio 'Os Maristas', em Lisboa, quando ambos entraram para a mesma turma no 5.º ano. Seguiram juntos até terminarem o 12.º ano de escolaridade, altura em que as opções de futuro traçaram-lhes caminhos diferentes. A amizade, essa ficou.

Enquanto esperavam que abrissem os portões do majestoso Red Bull Arena, aproveitaram a nossa presença para falar um pouco na língua de Camões. E a conversa foi dar ao mercado negro de bilhetes. Na nossa ronda nos arredores do recinto, em busca de pontos de reportagem, deparámo-nos com várias pessoas com pequenos cartazes, oferecendo dinheiro a quem quisesse vender bilhetes.

Foi o mote para lançar o 'isco' aos dois amigos. Qual seria a proposta que vos faria oscilar entre vender os bilhetes e voltar para casa sem ver o jogo?

"Ainda estou disposto a ouvir [propostas para a venda do bilhete]. A partir de 500 euros, começo a ouvir, fazemos lucro", assegura Gonçalo. Mas mesmo depois de uma viagem tão longa? Perguntámos. Os dois riram-se.

"Se me dessem 500 euros [pelo bilhete], pensava. Por um lado custava-me porque vim até aqui [para ver a Seleção]", diz-nos Pedro.

Pedro e Gonçalo podem ser jovens mas não são virgens nestas andanças. Em 2023, quando o Benfica defrontou o Inter Milão nos quartos de final da Liga dos Campeões, também embarcaram numa longa viagem para ver o jogo do clube do coração, na esperança de marcar presença nas meias-finais da prova.

O segredo, confessam, é estar em cima dos sites e aplicações de companhias aéreas e de empresas de autocarros de transporte de passageiros low-cost. Foi assim que chegaram a Milão, dando uma grande volta.

"Fomos de Lisboa para Nice, 20 euros, ficámos lá um dia, depois um autocarro Nice-Milão à noite, 20 euros. Chegámos lá no dia do jogo, vimos o jogo, depois tentámos sair a noite ou procurar alguns portugueses que nos acolhessem, depois fomos no dia a seguir para Ibiza por 40 euros, e depois fomos para Lisboa. É sempre procurar o mais barato". E há muitos voos baratos para toda a Europa. Basta ter paciência, fazer contas. Os dois estudantes de Lisboa asseguram-nos que se poupa muito dinheiro.

"É só abrir o site da Ryanair, procurar voos mais baratos. Há voos a nove euros, a 20 euros. Aquilo é um mundo. Flixbus, Easyjet, Ryanair e está feito", atira Gonçalo, enquanto espreita e dá conta de que a cerveja está acabar. É preciso reabastecer antes do jogo.

Pedro conta que "há dias duros", quando o sono já é muito. "[Terça-feira] de manhã custou-me, saímos de Lisboa às 06h da manhã, temos voo de regresso às 06 da manhã, são dois dias sem dormir. Mas depois dormimos ali um bocadinho, e recuperámos", completa.

Estas viagens pela Europa pelo amor ao futebol começaram na época 2021/22, quando estes dois amigos de longa data decidiram ir ver a segunda-mão dos quartos de final da Champions, entre o Benfica e o Liverpool (3-3). Na ocasião, o itinerário foi Lisboa-Paris-Liverpool e no regresso, Liverpool-Barcelona-Lisboa, tudo para ficar mais barato.

Gonçalo garante ter prioridade na compra de bilhetes no site da FPF. Se Portugal chegar aos quartos de final, estão dispostos a novo sacrifício até a Alemanha. Tudo pelo amor ao futebol.

Acompanhe a nossa jornada na Alemanha.

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*Reportagem na Alemanha com Evandro Delgado e Afonso Trindade de Araújo, enviados especiais do SAPO Desporto