O antigo internacional português Paulo Futre qualificou “como a página mais negra do futebol português” a participação da seleção portuguesa no Mundial do México, há 30 anos.
“Culpados fomos todos, até eu, que era um miúdo, tinha 20 anos. Foi a primeira vez que surgiu a publicidade numa grande competição e a Federação, também pela sua inexperiência, não soube negociar com os jogadores e evitar os problemas que surgiram, deixando a situação chegar ao limite”, começou por recordar Paulo Futre, em entrevista à agência Lusa, precisamente 30 anos depois do 'caso Saltillo'.
Para o antigo internacional português, o que estava em causa eram as receitas de publicidade e a percentagem que os jogadores pretendiam receber da mesma: “Não sei se eram 20, ou se eram 30 por cento, o que sei é que a Federação, no início, não nos queria dar nada. Além da publicidade às botas que cada um tinha, foi a primeira vez que surgiram fontes de receitas publicitárias, como da televisão. Queríamos uma fatia da ‘tarte’, mas a Federação queria ficar com tudo. E aí começaram os problemas.”
Futre critica o então presidente da Federação Portuguesa de Futebol pela ausência de acordo e pelo caos que se instalou até ao fim do Mundial: “O dr. Silva Resende, que até fez coisas boas no exercício do cargo, não esteve bem. Só o vimos quando fomos eliminados por Marrocos, no terceiro jogo, em Guadalajara. E só o vimos já em Saltillo, onde ainda permanecemos mais três ou quatro dias, porque a FIFA lhe retirou o automóvel que lhe cedera e o ‘obrigou’ a viajar no autocarro com os jogadores.”
“A maioria dos jogadores, senão mesmo todos, acabaram por o insultar e foi o caos”, contou Futre, que iliba os dirigentes Amândio de Carvalho e César Grácio, que acompanhavam os jogadores e que “estavam a tentar desbloquear a situação” e até o selecionador José Torres, que “não podia ter feito mais a partir do momento em que as partes se extremaram”.
Não obstante o clima de caos que se instalou, Portugal acabou por vencer na estreia da competição a Inglaterra, que era a seleção mais forte do grupo, por 1-0: “Ganhámos de raiva aos ingleses, mas fizemo-lo não por Portugal, mas contra o Silva Resende. Tínhamos ganho ao presidente da Federação, era essa a nossa guerra.”
Futre lembrou que havia “uma corrente radical entre os jogadores mais velhos, que era a favor do abandono da competição” e que “chegou a haver ameaças” nesse sentido.
“O mais radical era o Diamantino, que era um dos líderes, mas havia o Bento, o Carlos Manuel, o Fernando Gomes. A coisa boa daquela guerra foi que uniu os jogadores do Benfica e do FC Porto, que se sentavam em lados separados das mesas, no autocarro eram uns à frente, os outros atrás, e no meio lá ia um do Boavista, outro do Sporting”, contou Futre, cuja posição não era fácil, porque “era do Montijo e jogador do FC Porto, mas dava-se bem com os do Benfica”.
Questionado se era capaz de fazer uma autocrítica ao comportamento dos jogadores, não hesitou: “Sem dúvida. Esquecemo-nos que estávamos num Mundial e deixámo-nos levar pelo orgulho. Afinal de contas, éramos nós que estávamos ali a representar Portugal e ele queria a ‘tarte’ toda para ele? Oh pá, que nos desse uma fatia… Sentimos como se estivesse a roubar à nossa família.”
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