A partir da próxima 3ª feira, Portugal inicia a defesa do titulo de campeão europeu de futebol. Todos ansiamos em surdina pela revalidação da conquista, ignorando por vezes o desafio que está diante da nossa seleção. Como sempre de uma forma muito inteligente, Fernando Santos assume-se como candidato mas não como favorito. Não foge assim à pressão residual que o momento requer, mantendo desde já nos jogadores o foco na conquista e a ambição elevada. Mas ao mesmo tempo, é humilde e moderado, focado no curto prazo e no tangível, porque o contexto assim o exige. Embora não possa publicamente enfocar o discurso nas dificuldades que aí vêm, ele sabe perfeitamente o que o espera.
Desde 2016 que a fase final do europeu é jogada por 24 equipas. Se o aumento de 8 equipas se deveu a fatores financeiros, parece-nos óbvio que teve repercussões importantes do ponto de vista desportivo. A primeira das quais prende-se com um aumento do número de jogos que os finalistas passaram a ter de fazer para lutar pelo titulo. A inclusão de 1/8º final nesta nova versão fez com que se passasse a jogar sete jogos em vez de seis. A outra consequência é que, devido ao facto da prova não se alongar, o tempo de recuperação entre jogos é menor. Contudo, o novo formato do europeu em 2016 acabou por beneficiar Portugal permitindo a conquista do título de campeão. Não sendo 24 um número múltiplo de 4, acabam por passar também quatro das seis melhores 3º lugares de cada grupo. Em 2016, Portugal terminou a fase de grupos em 3º lugar com três pontos sendo alocado do “lado fácil” do play-off.
O europeu de 2020 tem uma organização atípica. A prova disputa-se em 11 cidades de 11 países, dando-se prioridade aos organizadores de jogarem os seus jogos em sua casa. E depois de mais de um ano sem público nos estádios, os jogadores vão ter de confrontar-se com aquele que tradicionalmente se denominou do 12º jogador, para o bem ou para o mal, e dependendo do país onde irão jogar, poderão ter mais ou menos público em virtude da sua condição sanitária.
Esta foi uma época extremamente desgastante para os jogadores de futebol. Em virtude da paragem dos campeonatos em Março de 2019, as provas alongaram-se, e a época 2020/21 começou já em Setembro. Esta diminuição de um mês no período competitivo, com a manutenção do mesmo número de jogos e competições, fez com que os jogadores tivessem menos tempo de recuperação e cheguem em condições absolutamente imprevisíveis ao campeonato da Europa de futebol. Perante todas estas vicissitudes atípicas que contextualizam o Euro-2020, e as demais normais, emergem os seguintes constrangimentos para a selecção de Portugal:
- Saiu-nos em sorte (ou azar) o grupo da morte, onde vivem os dois últimos campeões do mundo, que simultaneamente são duas das três seleções com mais títulos europeus e duas das oito melhores selecções europeias do ranking FIFA. Concretamente, a Alemanha (campeã do mundo em 2014, com 3 títulos europeus e 12º do ranking FIFA) e a França (campeã do mundo em 2018, com 2 títulos europeus e 2º do ranking FIFA);
- A outra equipa é a Hungria, com quem Portugal empatou na fase de grupos do Euro-2016 e que mais golos fez à nossa seleção na prova. Curiosamente, Portugal estreia-se no Euro-2020 diante da Hungria, em Budapeste, onde reside o único estádio desta prova que terá 100% da lotação de público (da casa?) nas bancadas;
- Portugal não tem tido um histórico positivo de inicio das fases finais de campeonatos de seleções: no Euro-2012 perdeu com a Alemanha (1-0), no Mundial-2014 perdeu com a Alemanha (4-0), no Euro-2016 empatou com a Islândia (1-1), e no Mundial-2018 empatou com a Espanha (3-3);
- Os últimos confrontos com a Alemanha em fases finais de campeonatos de selecções não têm corrido bem para Portugal: perdemos em 2008, 2012 e 2014;
- As equipas do grupo de Portugal são as últimas a iniciar a prova. Considerando que a final é no dia 11 de Julho para todos, para a nossa selecção em particular o Europeu tem menos 4 dias para os mesmos sete jogos, ou seja, vamos ter menos tempo de recuperação que os nossos adversários na (possível) fase de play-off;
Este é o grupo ideal para que qualquer desconcentração tenha consequências trágicas. Deixar livres de marcação os avançados franceses ou alemães, ou acusar ansiedade nos primeiros 15 minutos de europeu devido aos 60.000 adeptos do adversário nas bancadas, pode fazer disparar o número de golos sofridos. A consequência é que as equipas do grupo F, onde está Portugal, podem vir a ter mais dificuldades em competir na pseudo-liga dos melhores 3º classificados da fase de grupos.
Mas não se iludam: se sou bastante português ao fazer já as contas para o apuramento ainda antes da guerra começar, sou absolutamente crente no clima de superação que Fernando Santos consegue recriar em torno dos seus jogadores e da sua equipa. Pois vimos isso em 2016, e isso faz-nos desconhecer totalmente os limites desta equipa. Cada jogo tem a sua estória. Um mês de competição com 7 (possíveis) jogos assume dinâmicas psicológicas de grupo variáveis, e isso joga a favor de Fernando Santos e da sua equipa. E no final do dia “não importa não importa, se jogamos bem ou mal, vamos é levar a taça, para o nosso Portugal!”
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