Paulo Futre diz que a seleção portuguesa de futebol no Mundial do México “parecia uma equipa de solteiros e casados” e que o amadorismo era tal que andou “a jogar contra os cozinheiros e funcionários do hotel”.
“Quando o caos se instalou, treinávamos em tronco nú, cada um com os seus calções, tenho fotos disso, parecíamos uma equipa de solteiros e casados. Não era possível estarmos num Mundial”, disse Paulo Futre, em entrevista à agência Lusa, 30 anos depois do 'caso Saltillo'.
Futre recordou que, a determinada altura, estava um jogo de preparação programado com a seleção do Chile, que não se chegou a realizar porque os chilenos exigiram um ‘cachet’ e a Federação não quis pagar: “Como não houve esse jogo com o Chile, jogámos contra os cozinheiros e empregados do hotel.”
Para Paulo Futre, a planificação feita para o Mundial do México foi um descalabro: “Fomos para lá muito cedo, chegámos primeiro do que os próprios mexicanos, estávamos fechados e a saturação veio rapidamente. Até nos saturávamos dos sítios do hotel, da piscina, da sala de convívio, da sala de jantar.”
“O campo onde treinávamos era inclinado, os jogadores equipavam-se num ginásio ao pé de outras pessoas que iam para lá fazer musculação e depois jogávamos com os cozinheiros e os empregados do hotel”, recorda Futre, para quem todo aquele caos acabou por “desconcentrar os jogadores da competição”.
Daí ao caos foi um ápice: “Havia folgas de semana a semana, na primeira toda a gente chegou a horas, mas na segunda, com o Mundial ainda tão longe, começou a haver folgas diárias. Falo por mim, que era solteiro, porque havia muitos casados. Numa folga conheci uma rapariga, em condições normais só a poderia voltar a ver no sábado seguinte, mas passei a vê-la todos os dias.”
Segundo Futre, o hotel onde a seleção estava instalada “parecia uma fortaleza”, quando a seleção chegou, “com muitas regras, segurança e controlo das entradas”, mas, com o passar do tempo, “toda a gente entrava”.
“Houve um dia que não fui treinar por causa de uma pequena lesão e dirigi-me para o meu quarto. Quando lá cheguei apanhei um gajo lá dentro a roubar. Foi um susto tremendo”, recordou Futre, para quem o sucesso desportivo neste ambiente só podia estar comprometido.
É ele próprio que confessa: “Se me perguntarem se foi justo termos sido eliminados na primeira fase depois de tudo o que aconteceu, digo que foi justo. Mas se me perguntarem se tínhamos valor para seguir em frente, claro que tínhamos!”
No plano estritamente desportivo, recordou a derrota com Marrocos, que ditou o afastamento de Portugal da prova como “o pior dia da carreira”, derrota essa para a qual não sabe dar uma explicação.
“Assumo a minha responsabilidade no jogo que fiz, que foi horrível, mas a verdade, é que estava num momento de forma incrível e devido a todas as confusões que houve, quando começou o Mundial, estava esgotado a nível físico e mental”, confessou Futre, que não esconde alguma mágoa com as opções do selecionador naquela altura.
Faz questão de dizer que as relações de José Torres com os jogadores “eram boas”, apesar da sua ligação ao Benfica, razão pela qual o selecionador chegou a “ouvir algumas bocas dos jogadores do FC Porto” por sua causa, mas admite que estava “a 30 ou 40 por cento” das suas capacidades “quando os jogos do Mundial começaram”.
“Percebi logo nos primeiros treinos que ia ser suplente, eu que tinha sido o melhor jogador do campeonato português, e, com o passar do tempo, fui perdendo a confiança”, lembrou Paulo Futre, que na altura teve a solidariedade dos seus companheiros do FC Porto, entre eles André, o seu maior defensor.
Segundo Futre, a sua condição de suplente na seleção era, para André, uma injustiça: “Ele perguntava como é que o miúdo, que era eu, que tinha sido o melhor jogador do campeonato português e que estava a partir aquilo tudo, não era titular?”
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