Desde o domingo passado e para sempre, Lindsay Camila, técnica da Ferroviária, é a primeira mulher a conquistar a Copa Libertadores da América como treinadora.

"Ainda acho que é um sonho, mas pouco a pouco vou aceitando é verdade. Parece que ainda estou a sonhar acordada", disse a técnica à AFP, três dias depois de vencer o América de Cali por 2-1 na final da Libertadores feminina disputada na Argentina.

"Ainda não assimilei o facto de ser campeã da competição mais importante de clubes da América do Sul. É algo maravilhoso", admite.

Maravilhoso, é assim que ex-defesa, que jogou no Brasil, Espanha, Portugal e França antes de pendurar as chuteiras no final de 2006 devido a uma lesão no tornozelo, descreve o feito alcançado num desporto onde o machismo sempre foi uma regra.

Nas onze edições da Libertadores feminina, a equipa vencedora foi sempre comandada por um homem. A hegemonia foi quebrada pela brasileira de 38 anos, formada no clube feminino mais poderoso do mundo, o Lyon.

Quando a sua carreira como defesa começou a declinar devido às consequências da lesão, o então técnico do Lyon deu-lhe a oportunidade de comandar uma equipa juvenil. "Tive a sorte de começar muito jovem, no melhor clube do mundo, onde a estrutura europeia é muito boa", salienta.

Ao mesmo tempo em que comandava a equipa, estudava. Lindsay obteve a licença da UEFA para treinar na Europa, liderou uma equipa masculina amadora na França e voltou ao Brasil como assistente técnica de Simone Jatobá na Seleção Sub-17 feminina.

Desafio maiúsculo

Com um ano e meio de trabalho com Jatobá, Lindsay recebeu o telefonema das 'Guerreiras Grenás', um dos grandes clubes da América no futebol feminino e um dos mais bem-sucedidos do Brasil juntamente com o Corinthians.

Com pouquíssimas conquistas no futebol masculino, a equipa de Araraquara, cidade do interior paulista, tem apostado com sucesso no feminino.

Camila assumiu a batuta deixada por Tatiele Silveira, a primeira técnica a vencer um Brasileirão em 2019, com o desafio de conquistar a segunda Libertadores, após o título obtido em 2015 na Colômbia.

"Começámos a trabalhar com bola no dia 18 de janeiro, não conseguimos ter nem um mês e meio de treino para começar este torneio (...) Foi mesmo uma história de superação", lembra.

A Libertadores começou mal para as 'ferrinhas', vice-campeãs na edição anterior da Libertadores. Na estreia, perderam por 4-0 para as paraguaias do Sportivo Limpeño, mas conseguiram segurar o segundo lugar no grupo D.

"Mesmo sendo treinadora de uma equipa feminina, ainda preciso de provar muito mais que os homens. A cobrança em cima de mim depois do primeiro jogo foi absurda, 'bateram-me' muito, no sentido de que não tinha capacidade, de que não tinha experiência, não sabiam da minha história, estavam só a julgar-me por ser mulher", lamenta.

Escola feminina

As paulistas redimiram-se ao eliminar nos quartos de final o sempre perigoso River Plate, da Argentina, e a Universidad de Chile nas meias finais. Na final, aumentaram a maldição do América de Cali na Libertadores: nenhum título em cinco finais, somando homens e mulheres.

"A chave disso é a mentalidade de vencedoras (...). Não conseguimos fazer o melhor futebol, não fomos a equipa que jogou melhor, mas conseguimos entender como era o campeonato", garante.

A treinadora admite mesmo que respirou de alívio ao erguer a taça. Este triunfo pode ser o ponto de partida para que surja uma nova escola de futebol feminino, assim como existe no masculino com o 'bielsismo' e o 'guardiolismo', de técnicos consagrados como Marcelo Bielsa e Pep Guardiola.

"Quanto mais mulheres nos clubes, mais campeãs, vamos passar a ter um 'pianismo' [em referência à técnica da seleção brasileira feminina, Pia Sundhage] ou qualquer outra treinadora", considera.

Camila agora concentra as suas energias no agitado calendário de 2021: Brasileirão, Copa do Brasil, Campeonato Paulista e Libertadores no Chile.

Porém, o seu sonho, num momento em que o Brasil enfrenta a pior fase da pandemia, está longe dos relvados: "Eu sonho voltar à vida normal, tirar a máscara, sonho em sair à rua, esse é meu maior sonho".

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