Aos 78 minutos do Hoffenheim-Bayern Munique, da 24.ª jornada da Bundesliga, o jogo parou. E parou também o mundo para ver algo insólito na Bundesliga. Durante 13 minutos, os jogadores das duas equipas trocaram a bola entre si, sem atacar sequer as balizas. Quem olhasse para o marcador (os bávaros goleavam por 6-0) podia pensar que se tratava de um sinal de respeito para com o adversário, já que o resultado estava feito. Poucos poderiam imaginar, à primeira, que aquilo era uma forma de protestos dos jogadores.
Protestos contra os adeptos nas bancadas, causadores de distúrbios e que interromperam o encontro em duas ocasiões. Christian Dingert, o árbitro do encontro, aplicou o protocolo da UEFA contra o racismo nestes casos: fez o primeiro aviso, mas não foi levado em conta. Fez o segundo. À terceira, os jogadores recolheram aos balneários, para regressarem pouco tempo depois, para 13 minutos de troca de passes sem atacar, abaixo do ritmo de treino.
Tudo começou devido aos cânticos e às tarjas exibidas pelos adeptos do Bayern a criticar o dono do Hoffenheim, Dietmar Hopp. Da sua tribuna VIP, Hopp, de 79 anos, assistia a tudo, com um olhar confuso, ao mesmo tempo que Karl-Heinz Rummenigge, presidente-executivo do Bayern Munique tentava confortá-lo. No final do encontro e após aqueles angustiantes 13 minutos, Rummenigge desceu ao relvado ao lado de Hopp. Os jogadores das duas equipas cercaram o dono do Hoffenheim e bateram palmas, em solidariedade.
No dia seguinte, repetiram-se os insultos a Dietmar Hopp, agora durante o União de Berlim-Wolfsburgo, interrompido por duas vezes, pelo comportamento dos adeptos da equipa local que exibiram faixas a criticar o dono do Hoffenheim. A situação levou igualmente o árbitro Bastian Dankert a parar o desafio por duas vezes, com os jogadores a recolherem temporariamente aos balneários.
Os protestos dos adeptos alemães contra Dietmar Hopp não são inéditos, mas agravaram-se quando a Bundesliga proibiu os apoiantes do Borussia Dortmund de assistirem aos jogos da sua equipa no reduto do Hoffenheim nas próximas duas épocas.
Para Rummenigge, esta era a "face mais horrível do Bayern Munique e do futebol alemão", os media alemães falaram em "dia da vergonha no futebol alemão".
Dietmar Hopp, o rosto do Hoffenheim
Este conflito é explicado, em parte, pelo facto de Dietmar Hopp ser o dono e o patrão do Hoffenheim, algo que muitos adeptos alemães não toleram, porque entendem que os clubes devem ser dos adeptos.
Na Liga Alemã vigora a regra 50+1, que impede que indivíduos ou interesses comerciais sejam donos de um clube: a maioria do capital dos clubes têm de estar nas mãos dos adeptos, uma ideia que visa essencialmente impedir os emblemas de estarem dependentes de um investidor.
A Liga Alemã abriu uma exceção para o Hoffenheim e para Hopp, algo que os adeptos não perdoam. Também no Bayer Leverkusen, clube com uma forte ligação à farmacêutica Bayer, essa regra não é assim tão respeitada. O Wolfsburgo também tem uma ligação forte com a Volkswagen. Mas em nenhum destes emblemas o peso do dinheiro de uma pessoa faz tanta diferença como o de Hopp no Hoffenheim.
O milionário Hopp terá injetado, de acordo com a imprensa alemã, 350 milhões de euros no Hoffenheim, levando-o das divisões regionais desde os anos 80 até à Liga dos Campeões. Em dez anos, a equipa subiu oito divisões até chegar à Bundesliga em 2008, numa formação que contava com o senegalês Demba Ba, que viria a fazer estragos na Premier League ao serviço do Newcastle. O clube deixou de jogar no Dietmar-Hopp-Stadion, com capacidade para 6.350 pessoas, para atuar no moderno Rhein-Neckar-Arena in Sinsheim, com capacidade para 30.150 pessoas. Um estádio para uma pequena cidade de 30 mil habitantes.
Prestes a completar 80 anos, Dietmar Hopp sempre foi visto pelos adeptos mais radicais da Alemanha como sendo o rosto do lado comercial do futebol, onde o dinheiro pode comprar quase tudo. Algo que querem evitar.
Os adeptos radicais nunca perdoaram Hopp e, durante anos, entoaram cânticos insultuosos contra o milionário alemão. Em 2019, farto dos insultos, Hopp pediu aos funcionários do clube que colocassem microfones em frente às bancadas onde ficam os adeptos forasteiros, de forma a gravar os insultos. Depois avançou com um processo em tribunal contra os adeptos do Colónia e do Borussia Dortmund, onde conseguiu ganhar a causa. Com esta decisão, a Bundesliga proibiu os adeptos do Dortmund de entrarem no estádio do Hoffenheim durante dois anos.
Mas os constantes insultos contra Dietmar Hopp no futebol alemão, com tarjas nos vários estádios, desde à Primeira Divisão até às divisões inferiores, não pararam e isso levou o organismo que rege o futebol alemão a pedir aos árbitros que aplicassem o protocolo antiracismo da UEFA nestes casos. Só que isso acaba por entrar no domínio da liberdade de expressão, pelo que este tema não gera consenso na Alemanha.
Outro dado que não agradou aos adeptos foi o facto de o protocolo antirracismo ter sido aplicado em casos de insultos contra o dono do Hoffenheim mas não ter sido usado em casos de abusos racistas, como o que aconteceu com Jordan Torunarigha: o jogador do Hertha sofreu insultos racistas jogo frente ao Schalke04 e nada foi feito. Quando Ozil, internacional alemão nascido na Turquia e que já expressou o seu apoio ao presidente turco Erdogan em mais que uma ocasião, foi insultado por alguns políticos, a Federação Alemã demorou muito tempo a reagir.
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